domingo, 20 de novembro de 2011

Mega-Sena



Pessoal,

Cá estamos nós com o segundo texto deste blog. É menor que o primeiro, mas ainda não chegou no tamanho que estou planejando... Mas eu chego lá! Vou diminuindo, diminuindo, até chegar no ponto! Também ainda tenho que encontrar alguma linha que una todos os textos, para tornar o blog uma espécie de seriado...

E vamos diminuindo também a introdução, estas linhas que antecedem o texto. Então é isso aí! Espero que aproveitem a leitura. E que comentem, divulguem, etc, etc, etc...

 
MEGA-SENA
 
            Rotina. A rotina desgasta, cansa. Mas é necessária. Há como fugir dela? Janto, cuido do cachorro, ligo para os meus pais, tomo banho, faço barba e coloco o netbook pra carregar. Olho para o relógio: 21h40min. Agora tenho que pegar minha filha na escola.
Ajunto as coisas e saio apressado. Tudo na mão, carteira, documento do carro, chave de casa, celular, jogo tudo no painel do carro. A pressa me deixa nervoso. Motorista que não dá seta, também. Paro em uma travessa, espero para entrar na avenida. Só não entro por causa de um ônibus, que vem pelo lado esquerdo. “Se ele virar nesta minha travessa, aí já posso avançar. Mas como saber?”. Fico em dúvida. Não me lembro direito do trajeto. “Acho que pode seguir direto ou entrar aqui, conforme a linha, circular via Goiás ou via Califórnia”. Espero. O ônibus se aproxima. Nem sinal de seta. Aproxima-se ainda mais. Seta nenhuma. Eu parado, indeciso, perdendo tempo. E aquele trambolhão faz a curva rente ao meu carro. Verbalizo minha raiva: “Sabe essa merda dessa alavanquinha ao lado do volante? É pra usar de vez em quando, viu?”.
            O desabafo não alivia. Arrependo-me do estouro, da falta de controle, e a autocrítica entra em ação: “Poderia ter agido diferente. Compreender mais, aceitar mais os erros, as falhas dos outros...”. Mas não dá tempo de eu me equilibrar, pois a “rebeldia inata dos objetos inanimados” se faz presente. Na verdade, a culpa não é dos objetos, da carteira, do documento do carro, celular, molho de chaves. Não é culpa deles. Eles simplesmente escorregam no painel do carro que, aliás, é resultado de um projeto muito mal feito. Onde já se viu um painel totalmente redondo, onde tudo escorrega? Pra quê um espaço enorme sob o vidro frontal se o mesmo é totalmente inútil? Pode até ficar bonito, linhas arredondadas, harmoniosas e tudo mais... Boniteza sem serventia. Cai primeiro a minha carteira, depois o celular, depois a chave, e assim por diante. Enquanto dirijo, vejo que caem no banco ao meu lado. “Ainda bem, assim eu pego depois”.
            Na primeira folga, confiro meus pertences. Está faltando o documento do carro. Em um dos faróis do caminho, acendo a luz interna e tento encontrá-lo. Não consigo. O sinal abre e eu tenho que interromper a procura. Fico nervoso. Ou melhor, o nervoso antigo, desde o motorista do ônibus que não dá seta, ainda persiste. O nervoso da pressão do tempo. Da rotina. É tudo um estado de nervos só. Uma angústia diante dos problemas e pendências intermináveis da vida, que não fazem sobrar tempo para as coisas que eu realmente quero realizar... Tudo vem à tona.
            Paro no ponto de sempre. Daí poucos instantes aparece minha filha. Logo que ela abre a porta do veículo, falo para tomar cuidado, a fim de não pisar no documento, que acredito estar no assoalho, em frente ao banco do passageiro. Procuramos rapidamente e nada encontramos. “Do carro não fugiu. Deve estar em algum lugar aqui dentro”, é com esta ideia que sigo de volta para casa. Lá chegando, executo uma vistoria completa, com lanterna e tudo, procurando por todos os cantos possíveis e imagináveis. Minha esposa fala que eu devo voltar na escola. “É o único lugar onde a porta foi aberta, então só pode ter caído lá mesmo!”. Respondo ofensivamente, digo que é para ela ficar quieta. Ela rebate com um “hein?”, daqueles que não deixam por menos. Estou irado. Tudo me irrita. Não me conformo, só falta eu ter que voltar para a escola.
            E acabo voltando mesmo. Saio de bico, mal respondendo algo que minha filha pergunta. Tenho que ir com o carro velho, para não arriscar sair com o outro, agora já sem o documento. Só de pensar em fazer toda a documentação novamente...
            Na avenida, o danado do carro começa a engasgar. Fico ainda mais nervoso, pois, infelizmente, há sempre espaço para a raiva. “Como é que pode? Levei o carro para consertar faz duas semanas, e continua com o mesmo problema!”. Vibração negativa contra o mecânico. Vibração negativa contra tudo e todos. Com o carro em movimento, coloco no ponto morto e acelero. Piso até o fim. E não há força de expressão, piso até o fim mesmo. O motor berra. Bem ou mal, certo ou errado, só sei que depois disto não percebo mais nada. O motor segue redondinho, nada de engasgadas. Fácil... O difícil mesmo é acabar com o meu nervoso...
            Chegando ao local, vejo outro veículo estacionado mais a frente. “Só falta o danado do documento estar debaixo da roda desse carro aí!”. Paro atrás dele e abro a porta já falando com um homem que costuma ficar por ali, sentado perto da esquina:
            – Sabe, eu estou com um problemão...
            – Você perdeu o documento do carro?
            Não acredito na pergunta que ele me faz. É tão improvável, eu, já sem esperança de recuperar o documento, ouvi-lo, logo de cara, falar assim, entre outras coisas: “O rapaz que faz a ronda de moto encontrou caído aí no chão... Diz que viu um brilho no chão, um reflexo... O documento tá com ele...”. Bastante atencioso, acompanha-me em uma caminhada até um lugar onde diz que é o ponto onde o outro costuma parar, pois não fica rodando a noite toda. Fico sabendo que este homem da esquina também faz serviço de segurança, montando guarda a paisana para a lanchonete. Apenas fica por lá, para inibir a ação dos maus elementos... Neste primeiro ponto não encontramos, mas há um segundo, também ali por perto. Nova caminhada e, por fim, encontramos o tal segurança ao lado de sua moto. Pego o documento do carro e assim se encerra o caso. Mas ainda fico pensando...

            “Não entendo como o documento foi parar em uma posição tal que, quando a porta foi aberta, caiu para fora. A posição tinha que ser precisa, o voo do painel até o lugar exato era uma trajetória impossível...
Quando estava procurando o dito cujo com a lanterna em todos os cantos do carro, interrompi a procura e tentei várias vezes reproduzir esta trajetória, empurrando minha carteira de documentos, um objeto parecido com o perdido. Colocava no painel e empurrava. Nem sequer chegou perto de algum lugar que representasse perigo...
Todos os outros objetos caíram, ordenada e obedientemente, sobre o banco do passageiro, mais ou menos no meio do mesmo, um tanto para frente, mas ainda no meio, quer dizer, em torno da linha central do banco, longe da porta, bem longe da porta. Chaves, celular, meus documentos, todos eles seguiram a lógica, as leis da Física, da probabilidade...
Mas o improvável e o impossível aconteceu. Ou, para não falar em coisas do outro mundo ou interferências sobrenaturais, pensando só no mundo material, temos que admitir que havia alguma chance de ter acontecido o que realmente aconteceu. Chance existe, mesmo que quase nula, ainda existe...
E ganhar na Mega-Sena, que é bom, a gente não ganha!”.