sábado, 24 de dezembro de 2011

O Espírito do Natal


Todo mundo falou assim: “Vai você, que contigo é só uma vez por ano mesmo. Então aproveita. Agora, pelo menos te ouvem alguma coisa. Depois, as pessoas se esquecem completamente de você, e aí já era.”.
Concordei com a opinião geral e aqui estou eu, neste pequeno palco para monólogos de personagens. Na verdade, não foi bem uma “opinião geral”, foi mais um “apelo geral”. Nenhum de meus colegas queria ajudar o escritor nestas duas últimas semanas do ano. A maioria está de folga, acompanhando a pausa na criação literária que costuma ocorrer nesta época. Os escritores, seguindo o movimento geral, estão bastante ocupados com a correria das festas, compra de presentes, amigo-secreto, almoços, confraternizações, preparativos para viagem, férias, etc., etc., etc. E aqui, do nosso lado, é a maior liberdade! Imagine só o que acontece quando os personagens ficam sem ninguém por perto para controlá-los... Você acha que algum deles vai querer estar aqui, quebrando o galho do escritor deste blog? É, então sobrou pra mim. “Vai lá você, Espírito do Natal!”, foi o que disseram.
Sou bastante usado pelos autores de contos, cronistas, roteiristas de filmes e até compositores de músicas. Mas tudo fica limitado à época de Natal. Confesso até que me canso de tanta solicitação e apelo em poucas semanas de muito trabalho. Na verdade, não é um trabalho muito produtivo não... As pessoas ficam meio perdidas, tentam me encontrar por aí, nos megaenfeites da Avenida Paulista, nas grandiosas árvores enfeitadas nos parques, nas renas, Papai-Noel, presépios... Mas poucos me encontram. Há também aqueles que nem me procuram. Sinto mais por estes...
Seria bom que eu grudasse nas pessoas. Que eu não durasse apenas um instante. Que a minha energia permanecesse viva e pulsante no coração de cada um que me deixasse entrar. Como uma “praga do bem”, um contágio positivo, de um vírus que produzisse sintomas de felicidade e plenitude.
Poderia ficar aqui, por linhas e linhas, exercendo o meu ofício de sensibilizar os corações mais duros... Seria apenas o meu ofício. É a minha parte. Quero então fazer diferente. Na verdade, é somente um pedido que lhe faço: não deixe que eu escape de dentro de você. Tenho muitas maneiras de entrar em seu ser: um gesto, um sorriso, um olhar... Misturo-me com aqueles que estão em sintonia comigo e me faço transmitir através deles... São muitas portas de entrada, e sei a dinâmica de cada uma delas. Como disse, esta é a minha parte. Mas se você não me segurar, nada posso fazer. Neste jogo, a sua parte é fechar as portas de saída... Só isso. Tudo isso.
Meu recado foi dado. Já estou quase acabando. Fiquei sabendo que o escritor não quer muitas linhas. E agora, quando estou chegando ao final da segunda página, fico com medo, temo que ele me mate, aplicando assim a maneira mais rápida de abreviar um texto: eliminando o personagem principal.
No entanto acho que ele não vai cometer este ato brutal. Assassinar o Espírito do Natal, em pleno Natal, seria o cúmulo da crueldade. Só para manter a obsessão pelos textos curtos, cada vez menores, de uma “blogada” para outra... Mas é bom não abusar. Não confio muito no escritor. Ele bem que pode acabar comigo... Melhor eu mesmo dar um fim nesta coisa.
E acho que não há melhor maneira de finalizar do que desejando...
UM FELIZ NATAL PARA TODOS VOCÊS !!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Marcado para morrer


Olá pessoal!

Consegui diminuir um pouco mais o texto. Estou chegando lá...
Vocês vão ver quem me ajudou...
Acho que vocês vão gostar desta maluquice...
Pode deixar seus comentários aqui neste blog, ok?

Grande abraço!



MARCADO PARA MORRER

Fui chamado para ajudar. E sei que morrerei em breve. Assim é o trato.
A combinação feita é simples. Eu chego, digo algo marcante, de preferência trágico, logo no começo, pois é assim que se prende o leitor. Depois entro no miolo do texto e divago com alguma embromação qualquer. E, por fim, morro para acabar logo com a estória, para contentar o escritor, que quer ver poucas linhas escritas.
Estava eu, belo e tranquilo, no mundo imaginário da criação, descansando entre uma atuação e outra, quando chegou o escritor, convocando todos os personagens das redondezas, para o que ele dizia ser um rápido pronunciamento. Como não tinha nada o que fazer mesmo, lá fui eu.
Disse ele que estava começando um novo espaço literário na internet, e que pretendia nele colocar textos curtos, para fazer jus ao nome do seu mais recente blog: conto-gotas. Por não conseguir reduzir o tamanho das suas criações, resolveu pedir socorro aos próprios personagens. Falou, falou, falou, falou... O que era para ser algo breve acabou demorando mais de duas horas. Já se vê o porquê ele não consegue diminuir seus textos... Mas resumindo a conversa, ele queria somente que nós escrevêssemos por ele. Enunciou e explicou detalhadamente as regras da redação: textos curtos, dizer algo marcante logo nas primeiras linhas a fim de prender o leitor, mexer com os sentimentos, cutucar, surpreender... Filosofou e divagou por todos os motivos que o levavam a nortear a escrita desta maneira. Disse que podíamos nos revezar para esta tarefa. A cada redação, um personagem. Mas somente um de nós por vez. Ninguém poderia se intrometer nas palavras do outro. O que mais nos desagradou foi a exigência de que, para o primeiro texto, o personagem deveria, obrigatoriamente, morrer. Apesar da gente não morrer de verdade, nenhum de nós gosta de morrer.
Espalhou-se um burburinho. Todos os personagens estavam confabulando a respeito da proposta do escritor. Só que eu não queria nem saber. Como já disse, estava descansando após minha última atuação. E olha que eu me cansei bastante, pois cismei de encarar uma estória, de um autor muito doido, intitulada “O ajudante de Hércules”. Vejam só, o tal do Hércules não estava nem aí, só vivia dando em cima das deusas e semideusas, e o trabalho pesado sobrava pra mim... Eu estava quebrado, bem na frente da plateia, pois fora um dos primeiros a chegar. Pensava apenas em sair dali e voltar para o meu repouso. Destoava de todos os outros, que pesavam os prós e os contras de aceitar o convite do escritor.
“Pra quê morrer de bobeira para aparecer em um blog desconhecido?” ... “Aposto que não vai ter nem cem acessos por mês!” ... “Que nada, esse escritor já ganhou vários prêmios literários, não é um joão-ninguém não” ... “Pra mim ele é muito convencido. Só porque levou um prêmio na Argentina e ganhou a edição de um livro, ele fica se achando” ... “Mas até que a proposta dele, os tais textos curtos, acho que é uma boa...” ... “Então porque ele mesmo não encurta os seus textos? Por aí já se vê que é um incompetente!” ... “É isso mesmo! Agora vem pedir ajuda pra gente” ... “Não é bem assim não pessoal, a ideia é boa. E a gente pode crescer junto com ele no blog...” ... “Tá puxando o saco? Então vai você!” ... “Eu não! Ele quer uma morte logo no primeiro texto! E você bem sabe que eu detesto morrer...”.
O escritor, impaciente pela demora em aparecer um voluntário, esperava com os braços cruzados. Passava a vista por todo o povo de personagens que se agitava na sua frente. Então, de repente, seus olhos baixaram sobre mim. Pra quê? Aí eu descobri que o negócio não se tratava somente de convite. “Você!”, foi a única palavra que ele disse, apontando o dedo para mim. Era uma intimação, não havia como recusar.
Então foi assim que vim parar aqui, está tudo explicado... Agora era para eu embromar, preenchendo o miolo do texto com algo inútil. Mas o miolo já passou... Chegou a hora de morrer.
É estranho um personagem inventar uma morte para si mesmo. Infarto, aneurisma, acidente fatal, assassinato... Qualquer uma delas será sempre um suicídio, porque eu estarei escolhendo e executando a opção escolhida... Bem que o escritor podia facilitar as coisas, ficando de tocaia entre as últimas linhas, para acabar com a minha vida com um tiro certeiro, pois eu não quero agonizar. Muito menos ter que descrever minha agonia, neste papel de escritor que eu, personagem, estou representando. Seria patético, sofrer os últimos momentos e ainda com a preocupação de continuar a escrever...
(...)
– Mãos ao alto!
– Olá seu escritor, tudo bem?
– Mãos ao alto! Calado!
– Desculpe ter que corrigir o senhor, mas essa coisa de “mãos ao alto”, acho que isso já está fora de moda, não se usa mais... Aproveitando, antes de morrer, gostaria de saber como me saí, o texto ficou bom?
– Não interessa! Só sei que já está longo demais! Vou te matar logo pra acabar já com esta estória!
– Mas, mas...