domingo, 23 de julho de 2017

SILÊNCIO

Quando temos muitas coisas para dizer e nem sabemos por onde começar, é melhor optar pelo silêncio. Se eu fosse seguir este mandamento, então nem prosseguiria com esta crônica. Mas como tenho que escrevê-la, ou melhor, como ela quer que alguém a escreva, preciso continuar, cumprindo assim o meu papel...
O silêncio pode representar muitas coisas.
Pode aquietar, quando vem acompanhado por vibrações inaudíveis de paz.
Um monge meditando defronte a um belíssimo jardim.
Pode agitar, quando desmascara a ansiedade.
Um jovem ansioso se depara com gigantescos segundos em que somem as palavras da conversa que queria manter com a moça.
Expressa uma explosão de sentimentos. Raiva, indignação, revolta e dor presas no silêncio. Porque nenhuma palavra será capaz de transmitir mais que o silêncio.
Um trabalhador, mais um trabalhador sendo demitido. Assina sua demissão sem dizer uma palavra sequer. Ouve palavras que tentam justificar o corte. Rebate esta inútil tentativa com o seu cortante silêncio.
A preparação do ataque, predador com foco total na presa. O atleta, nos instantes que antecedem a corrida, o salto, o saque. O silêncio concentra, dá forças.
Sob tortura, o silêncio grita mais que qualquer palavra. Esconde o esconderijo, protege o aliado do inimigo.
Há momentos em que o silêncio manifesta o cansaço. Cansaço do povo perante os açoites que toma. O governo bate no povo. As elites batem no povo. O povo bate no povo. E o povo batido só consegue expressar o silêncio. Silêncio desiludido porque sabe que nada pode, só apanha.
Em outras ocasiões, é o medo que provoca o silêncio. O crime aconteceu, todos viram, mas ninguém tem coragem de dizer quem é o autor.
A opressão espalha o silêncio pesado ao seu redor. Não há quem ouse enfrentar o jugo do cruel dominador.
O silêncio também acompanha aqueles que não compreendem, pois nem sabem o que dizer, o que fazer, o que pensar.
O silêncio do monge, do jovem ansioso que não encontra as palavras, do trabalhador demitido. Da concentração do predador ou do atleta, do esforço sobre-humano do torturado, ou do povo gasto de tanto açoite. O silêncio do medo, da opressão ou da ignorância...

O silêncio é um só. Mas quer dizer uma infinidade de coisas. E sempre, mesmo que subjugado, tem a sua força e o seu poder. Porque a opressão e a ignorância não são para sempre. E o silêncio, um dia, deixará de silenciar.