Já faz certo tempo que eu
quero escrever algo sobre o trinta e seis. Agora estou preparado. Chegou a hora
de tentar explicar o que este número representa em minha vida. Acho que tudo
começou quando fiz um pacto para deixar de ser gago. Escrevi, em poucas linhas,
as resoluções ou regras que deveria seguir. Registrei, no mesmo pedaço de
papel, a data e a hora. Dezessete horas e trinta e seis minutos. Era o horário
exato do final do expediente de serviço do meu primeiro emprego com carteira
registrada. Antes disto, só o estágio. Para os leitores mais questionadores, já
vou explicando a razão do trabalho naquela empresa acabar assim em um horário
tão exato e quebrado ao mesmo tempo. Eu entrava às sete da manhã, então, a cada
dia de serviço, perfazia uma hora e trinta e seis minutos a mais que o período
normal de oito horas. Pois bem, completando os cinco dias úteis da semana,
completava também oito horas a mais, e assim cumpria as quarenta e oito horas
semanais determinadas pelo meu contrato de trabalho. Era como se, de segunda a
sexta, estivesse compensando o sábado, no qual não trabalhava. Então, naquele
momento, nos idos de 1985, no momento exato do término do expediente de serviço,
de um daqueles primeiros dias do primeiro emprego, com o papel, escrito a mão,
que simbolizava e materializava o pacto mágico e libertador, acho que foi
justamente aí que o trinta e seis entrou na minha vida.
Não haveria nenhuma
importância, seria fato comum mesmo, se este número aparecesse em minha vida
somente nos pactos, reativações e outras maluquices que inventei para acabar
com a gagueira. Em boa parte desta parafernália de que lançava mão, o trinta e
seis estava presente. Esperava o minuto 36, contava de 36 até zero, enfim
queria que este número fizesse parte do tão esperado momento a partir do qual
eu superaria a gagueira de vez. Acredito que esta fixação por este número veio
justamente porque naquele citado pacto de 1985, feito no minuto 36 (17h36min),
eu obtive um sucesso relativo digno de nota: fiquei por mais de cinquenta dias
sem gaguejar. Então, se por um lado, eu perseguia este número e o integrava às
minhas compulsões e obsessões, por outro lado, de uma maneira surpreendente,
este mesmo número perseguiu-me em inúmeras situações de minha vida. Descreverei
estas situações nas linhas seguintes, mas, antes disto, queria dizer que hoje
estou livre de todo este louco arsenal de insano combate à gagueira, graças ao
fato de que estou me aceitando mais. Sempre pensei que superaria a gagueira
quando deixasse de gaguejar. Mas, enfim, a ficha acabou caindo e entendi que é
perfeitamente possível superar a gagueira e ainda continuar gago. Pode parecer
um paradoxo, mas é isto mesmo. E não vou explicar nada aqui, porque o assunto
deste texto é o número trinta e seis. Quanto à gagueira, talvez fique para
outra ocasião. Agora tenho que mostrar para vocês a incrível presença do número
trinta e seis em minha vida.
Quando deixei minha
carteira de trabalho na filial de São Paulo da empresa na qual trabalho
atualmente, subi até o terceiro andar e entrei no conjunto 36. Ao sair de lá,
contente por ter conquistado o emprego, olhei para o relógio: não me lembro da
hora, mas o minuto era 36. Quando acabo algo importante, automaticamente surge
a necessidade de saber a que horas concluí o trabalho. As horas variam, mas o
minuto geralmente é 36. No trânsito este número também me persegue. Olho para o
semáforo que indica quanto tempo ainda resta de farol verde: 36 segundos. Passo
pelo radar e, no painel digital, vejo a velocidade: 36 quilômetros por hora.
Não tenho certeza, mas acho que coloquei o ponto final em meu primeiro romance,
nos idos de 2003, em algum dia e hora do mês de dezembro, no minuto 36. Aquele
e-mail importante, que marca a conclusão de um longo trabalho, ou que passa
todo o serviço para os colegas, antes de sair de férias, tem, como hora de
envio, um número variável, mas o minuto, adivinhe! No papel amarelado, que
marca os dados do meu nascimento, escrito a mão por alguém do hospital, está o
horário no qual vim ao mundo: 17h45min. Falhou? Pra mim não. Tenho cá com os
meus botões que foi no minuto 36. O problema deve ter sido algum relógio
adiantado, ou qualquer engano normal em meio a um parto de risco, feito às
pressas, a mãe com eclâmpsia e o filho prematuro com somente 1,45 Kg... Será
que a balança estava bem calibrada? Bem que poderia ter sido 1,36 Kg...
Mas não é só em situações
importantes que este número me persegue. Em horários banais, em momentos comuns
nos quais procuro saber as horas, o minuto 36 aparece com uma frequência
assustadora. Se o minuto 36 falha, lá está o segundo 36, pois o relógio digital
me dá dupla chance deste fatídico número aparecer. E assim minha vida
prossegue, nesta dança mágica com o número 36...
Já faz alguns anos que
descobri a lenda judaica dos 36 justos. Estava no ônibus fretado, voltando do
serviço, quando um colega, sentado na poltrona ao lado e um pouco a frente, ao
manipular o livro que lia, deixou que eu visse a capa. Havia 36 no título. Não
me aguentei e fui perguntar para ele sobre o livro. Disse-lhe rapidamente sobre
a presença do 36 em minha vida. Foi então que ele me explicou sobre os tais 36
justos. Não entendi direito suas explicações, mas ficou a impressão de que algo
muito importante cerca este número. Depois de um tempo, compreendi melhor
quando, navegando pela internet, pesquisei sobre o assunto.
Diz esta lenda que há, no
mundo, 36 justos, sendo que a existência dos mesmos garante a salvação da
espécie humana. Funciona assim: quando um destes justos morre, Deus procura
outro para substitui-lo. Caso não encontre, acabará com tudo, e não sobrará
homem algum para contar a estória. Diz também que nenhum destes eleitos
reconhece sua importante e singular condição no equilíbrio das coisas. Nunca um
verdadeiro justo se julgará pertencente ao seleto grupo dos 36. Esta grande
humildade é um de seus atributos.
Então pensei que uma
incrível série de “coincidências” envolvendo o número 36 recairia sobre a
existência de cada um destes 36 justos. Uma verdadeira perseguição deste número
com o propósito de sinalizar os eleitos. Ao me lembrar da impressionante
presença do 36 em minha vida, cheguei a suspeitar que eu fosse um dos
escolhidos. Mas imediatamente fui obrigado a descartar esta hipótese, pois o
simples fato de considerá-la já me exclui do time dos salvadores do mundo.
Falta-me muito a humildade, uma das principais qualidades do verdadeiro justo.
Resta-me então
contentar-me com a inexplicável presença do número 36 em minha vida. Devo
alegrar-me, porque esta presença, pelo que me lembro, está sempre vinculada a
fatos e situações positivas ou, na pior das hipóteses, neutras. Hoje mesmo, ao
sair de uma reunião de serviço com o forte sentimento de dever bem cumprido,
enquanto caminhava, dentro do condomínio de prédios, em direção ao bloco no
qual trabalho, mais especificamente quando estava passando perto da fonte,
justamente neste momento quis saber que horas eram. Sentindo o alívio da
reunião já feita e, principalmente, bem-sucedida, olhei para o relógio:
11h36min.
Acho que já é hora de
encerrar este texto. Bem que eu poderia me estender, estudando, dentro da
numerologia ou qualquer outra ciência oculta, o significado místico do número
36, e resumindo, em linhas adicionais que seriam penduradas e encaixadas no
contexto, o resultado desta pesquisa... Mas não farei nada disso. Pesquise
você, se quiser. E se tiver curiosidade, bote o editor de texto para funcionar
e faça-o contar o número de linhas, palavras ou caracteres desta minha redação.
Só falta dar algum número com o 36 no meio. Outra coisa inusitada que poderia
acontecer, é este texto bombar na internet, viralizar, fazendo decolar a
carreira literária deste escritor que vos escreve (outra vez a falta de
humildade...).
Porém, com certeza, nenhuma destas fantásticas ocorrências acontecerá. Somente o frio e sintético ponto final.
Um comentário:
Comecei ler às 6:36 deste domingo!
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