quinta-feira, 14 de agosto de 2025

IA

Estou falando do futuro. Não estou supondo como será o futuro. O que vou falar para você, agora, é sobre o futuro que eu estou vivendo, neste exato momento. E você, meu ouvinte, ou melhor, meu leitor ou leitora, está no passado, com relação ao tempo que estou vivendo, é claro.

Ficou difícil de entender? Então volte para o parágrafo anterior e leia novamente. Entenda bem o princípio que rege este texto: eu estou no futuro e você está no passado, simples assim. E não me venha com questionamentos ou dúvidas, do tipo: “Como eu posso estar no futuro? Como estas minhas palavras podem chegar até você, em outro tempo, no passado? Como podem coexistir dois tempos ao mesmo tempo?”.

Para terminar de vez esta problemática, peço para que você pense como se estivéssemos nos comunicando por uma espécie de telefone, ou aplicativo de mensagens, para ser um pouco mais moderno. Só que, ao invés de estarmos separados pelo espaço, estamos separados pelo tempo, entende? Se bem que também estamos separados pelo espaço... Bom, é melhor parar por aqui, para não lhe confundir mais...

Entendido onde cada um de nós está, posso prosseguir, pois quero lhe dizer como são, ou como estão as coisas agora, no futuro em que vivo.

Sabe, meu caro ou cara leitora, as coisas mudaram bastante no futuro... Mas quero focar o meu relato em um aspecto em particular: a IA, Inteligência Artificial.

A partir da década de 2020, a IA foi ganhando cada vez mais espaço. O mercado de trabalho sofreu um grande impacto, com várias profissões se extinguindo. A automação e a robótica, comandadas pela IA, tomaram o lugar dos empregados nas empresas. Esta perda dos postos de trabalho, causada pelo avanço da tecnologia, já vinha acontecendo antes da IA, mas com ela este processo acelerou exponencialmente.

Não vou aqui discorrer sobre todos os problemas que isto causou, pois são muitos e, se for lhe contar todos eles, com todos os desdobramentos, este texto vai ficar muito comprido e até meio chato. Sim, porque não quero ir por este caminho de ficar desfilando todas as consequências negativas... Digo-lhe somente uma coisa: se quiser escapar deste futuro, indo parar em outro futuro, mais feliz e com menos problemas, então cuide para que não se esqueça de pensar no que fazer com todas as pessoas que perderem seus empregos para a IA. Pois parece bonito e fácil construir um mundo assim, em que o ser humano não precisa fazer mais nada, nem pensar precisa. Ok, mas como isto se encaixa em um mundo capitalista? O que fazer com todas as pessoas que não conseguirem se encaixar neste novo mercado, muito menor em termos de postos de trabalho? O que elas farão? Como encontrar uma saída para fechar a conta da economia?

Ah, neste momento agora você deve estar pensando se, no futuro em que vivo, estes problemas estão equacionados. E eu já lhe adianto que não, eles ainda estão muito presentes...

Mas deixa isso pra lá. Quero continuar te contando sobre todo o espaço que a IA está ocupando aqui no meu futuro. Pois bem... Pensar é algo que está bem em desuso atualmente. Deixa eu ver como eu posso te explicar... No seu tempo, sei que vocês estão bastante envolvidos com os celulares, com toda a infinidade de aplicativos, as redes sociais e tudo mais... Sei que a IA já está surgindo como algo revolucionário e, pode crer, vai revolucionar mesmo... Então agora vou lhe dizer o próximo passo. A grosso modo é assim, imagine que, ao invés de o celular estar na mão das pessoas, esteja dentro da cabeça delas, na forma de um implante cerebral, fazendo com que elas tenham contato direto com a internet e possibilitando uma interação completa entre o ser humano e a IA. Então, pense bem: pra que pensar? É só lançar qualquer questão para a IA, projetando o pensamento no tal implante cerebral e, instantaneamente, obter a resposta dela por meio de um “pensamento-resposta”.

Portanto, no mundo de hoje em que vivo, pensar é algo muito raro. O que se faz, via de regra, é deixar que a IA pense por nós. Pois afinal ela está dentro de nós, basta somente que pensemos em utilizá-la para que o tal implante em nossas cabeças estabeleça a comunicação instantânea com ela. Medonho, não? Mas agora é coisa absolutamente normal e a gente acaba se acostumando muito facilmente com isto. Para que você possa me entender, é como se, no seu tempo, uma pessoa, que está acostumada a dirigir somente carros com câmbio manual, pegue um carro automático para dirigir. Após um curto período de adaptação, não vai mais querer dirigir nenhum veículo com marchas para trocar, não é mesmo?

É lógico que há pessoas que se recusam a usar tais implantes. São os chamados “puristas”, que criticam todo este nosso mundo baseado na IA. Dizem que a criatividade e a arte não mais existem, que as músicas de hoje em dia são o mero resultado de algoritmos. Vivem dizendo que a humanidade ficou refém da IA e que estamos caminhando para onde ela quer. Alertam que isto desembocará no próprio fim da humanidade.

Agora, em sua mente, meu caro leitor ou leitora, deve estar pipocando uma série de perguntas... O que eu, aqui no futuro, penso sobre tudo isto? Eu tenho o tal implante? Este texto que escrevi para você teve participação da IA? Ela escreveu tudo? Por que, realmente, eu não quis lhe contar melhor sobre as consequências sociais provocadas pelo uso massivo da IA? Por que, por que, por quê?

Sinto muito, mas não vou lhe dar estas respostas, pois quero terminar logo este texto. Aliás, não sei como terminá-lo. Acho que vou lançar a questão para a IA e pedir para que ela termine para mim. Mas nem vou colocar aqui o final que ela me der. Afinal, você também pode fazer isso, né? Vai dar no mesmo.

Então posso deixar o texto assim, inacabado mesmo.

domingo, 29 de junho de 2025

ZAP

Não, o título desta crônica não se refere àquela poderosa carta do jogo de truco. Na verdade, coloquei estas três letras encabeçando o texto para tentar dar ideia de algo rápido, instantâneo. Pois foi justamente assim que aconteceu. Um deslize, uma distração, que me custou uma raspada de cabelo com a máquina zero!

Tudo começou após ter completado a tarefa de ter passado, com muita paciência e empenho, a máquina com o pente número quatro em todo o couro cabeludo. Já havia até recolhido os tufos de cabelo no chão. Havia também mostrado para minha esposa o resultado do meu trabalho. Restava somente guardar a máquina e seus apetrechos na caixa e deixar o banheiro em ordem...

Mas eis que me olho no espelho e vejo um pequeno detalhe. Uma leve elevação de uma minúscula mechinha de cabelo. Então decidi, fazendo jus ao meu perfeccionismo, aparar esta quase imperceptível imperfeição. Peguei a máquina novamente e fui direto ao ponto, sem perceber que ela estava sem pente algum. Quer dizer, estava no corte chamado “zero”. E aí aconteceu o tal “zap”. Perfeccionismo mais precipitação dá nisso!

Tão logo percebi a burrada, voltei para a minha esposa, que estava na sala, para que visse o que tinha acontecido. Devo explicar que a região onde eu cortei todos os cabelos até o couro cabeludo não se pode ver de frente. Ela fica acima e um pouquinho atrás da orelha esquerda. Então eu sabia que havia feito algo terrível, mas não conseguia ver o resultado. Então, quando ela viu, soltou uma exclamação: “Ai meu Deus!”. Tirou uma foto com o celular e me mostrou. Realmente e, infelizmente, era mais do que eu supunha! Quando ela mandou a foto para o meu filho, a exclamação dele foi a mesma, escrita em caixa alta no aplicativo de mensagens: “MEU DEUS!!!”.

Pronto. Acho que o leitor conseguiu ter uma ideia do estrago que fiz.

A partir do fato consumado, meio que desesperado, pensei em cortar todo o cabelo com máquina zero, ao que minha esposa protestou imediatamente. Que eu deixasse como está, afinal, no meu trabalho remoto ninguém vai perceber. E, depois, cresce rápido. Porque cortar todo o cabelo vai ficar muito feio! Por fim decidi deixar como está. Daqui a um mês, quando o cabelo já tiver crescido um pouco, passo novamente a máquina quatro em tudo, para deixar a coisa mais linear. E, no mês seguinte, novamente. Estou disposto a deixar meu cabelo sempre bem curto.

Bem que estas máquinas podiam ter um sensor que evitasse esse tipo de coisa. Quando ligada sem nenhum pente adaptado, deveria apitar, piscar uma luz, tudo junto, avisando do iminente desastre. Aí, se o usuário quisesse mesmo cortar com máquina zero, deveria apertar um botão vermelho para que o aparelho parasse de alertar. Bom, a ideia está lançada... Mas talvez não seja interessante os fabricantes gastarem grana com este recurso. Melhor deixar as pessoas cometerem os seus “zaps”, que virarão histórias para contar, crônicas, lembranças cômicas...

sábado, 24 de maio de 2025

MEU NOME É CALMA

Não me desespero. Espero. Aguardo o momento certo, que sempre aparece.

Em um mundo cada vez mais frenético e impaciente, as pessoas me enxergam como um sinal de fraqueza. Mas eu não ligo para o modo como os outros me veem, e mantenho a minha costumeira tranquilidade.

Não me precipito, nem antecipo. Vivo o presente, plenamente.

As pessoas, quando estão nervosas, nem querem saber de mim. Então eu fico no meu canto, esperando. Porque geralmente é depois que as coisas deram errado que se lembram que me esqueceram. Aí ficam se lastimando, dizendo que me perderam. Mas ora essa! Se me tivessem, de verdade, ouviriam os meus conselhos nos momentos mais dramáticos...

Para você me conhecer melhor, que tal fazermos de conta que estamos no final daquelas entrevistas em que se faz um bate-bola, com perguntas e respostas? Vamos lá?

Onde eu costumo estar? Onde há confiança, costumo estar lá também.

Do que eu não gosto? Que me confundam com apatia.

Uma alegria? Apaziguar uma briga.

Um medo? De as pessoas não mais conseguirem me encontrar.

O que me deixa impaciente? Nada.

O que me irrita? Nada.

Um ditado? Devagar se vai ao longe.

E finalizando, se você, leitor ou leitora, está ansioso e impaciente por eu não ter ainda me apresentado... Calma, meu nome é calma.

domingo, 27 de abril de 2025

MEU NOME É DEMOCRACIA

Ando sofrendo muitos ataques ultimamente. Querem me destruir, acabar comigo. Os meus inimigos chegam ao poder utilizando-se da minha estrutura. Enchem a boca para falar o meu nome. Mas, sempre que podem, procuram me enfraquecer.

Não é de hoje que este tipo de coisa acontece. Desde que surgi no mundo é assim: quando apareço, querem me derrubar. No entanto, mais recentemente, com a disseminação das redes sociais, ficou muito mais fácil de criar e alimentar os elementos destrutivos que se voltam contra mim. Tais elementos atendem pelos nomes: idolatria, fanatismo, negacionismo e outros mais.

Neste meio de cultura que se esforçam em promover, cujo único objetivo é a minha eliminação, é preciso colocar mais alguns importantes ingredientes. O primeiro deles é o ódio, muito ódio, que pode ser, por exemplo, direcionado para os imigrantes, refugiados, comunistas (mesmo que não existam...), esquerdistas, e assim por diante, não importa quem seja. O que importa é ter um inimigo, para destruir! Isso lhes mantêm o foco e serve como combustível, a alimentar a insanidade.

Outros ingredientes, muito bem trabalhados e usados contra mim, são o preconceito e a intolerância. Enfim, acho que já deu para perceber que todas as armas empregadas pelos meus algozes vêm com uma carga muito negativa. E, dentro deste cenário, a religião, que poderia servir como um elemento apaziguador, muitas vezes e, infelizmente, é empregada justamente no sentido contrário, a promover o sectarismo e a repressão.

Mas sabe o que mais me incomoda? Não é nem toda esta carga, toda esta artilharia contra mim, não é nem isso. Isso a gente sabe que é assim mesmo, sempre foi assim e sabe-se lá por quanto tempo mais que assim será. São ondas, fases, que vêm e vão. Regimes totalitários ganharam espaço e culminaram na Segunda Guerra Mundial. E agora... Bom, agora vamos ver onde vai dar... Mas sabe, como ia dizendo, o que mais me incomoda é ver as pessoas que deveriam me defender fazerem justamente o contrário. Tem uma expressão que se usa hoje em dia: “passar pano”. Então é isso que elas fazem, ficam “passando pano” em golpistas. Um golpe de estado é tentado, os culpados são identificados, prédios públicos são depredados e depois, quando a justiça é aplicada, acham que é injusto. Minimizam os atos criminosos daqueles que tentaram derrubar um governo legitimamente eleito.

Por isso gostaria de deixar aqui registrado o meu apelo. Não deixe que me enfraqueçam. Aqueles que tentaram acabar comigo devem ser punidos. Toda a cadeia de ação, desde os arquitetos, as cabeças pensantes que idealizaram e planejaram tudo, passando pelos financiadores e apoiadores, chegando por fim nos que colocaram a mão na massa, invadindo e quebrando patrimônio público com violência, todos, todos eles devem ser punidos.

Em 1964 fui apunhalada. Estive morta por mais de duas décadas. Naquela ocasião, meus algozes saíram impunes. E esta impunidade ajudou a formar um novo cenário contra mim, que culminou em 2023, com um golpe tentado e, felizmente, malsucedido, pois senão agora eu estaria novamente morta. Apesar de eu ter a capacidade de sempre ressuscitar, demorando mais ou menos tempo para que isto aconteça, não deixe que me matem novamente.

Anistiar golpista é agir em favor do golpe. É alimentar outro golpe, mais adiante.

Sem anistia!

Meu nome é democracia!

sábado, 29 de março de 2025

A ARTE DE ESCREVER SOBRE ABSOLUTAMENTE NADA

Estava voltando de uma caminhada noturna, disposto a, antes de chegar em casa, obter alguma inspiração para uma crônica, quando me veio a ideia de escrever sobre "absolutamente nada".

Será realmente um desafio redigir um texto que não fale sobre nada. Você, que desde já decidiu, motivado pela curiosidade, acompanhar-me até as últimas palavras, a fim de ver como farei para sair desta enrascada na qual voluntariamente me meti, pois bem, se você, ao final da leitura, não souber dizer sobre o que escrevi, então me darei por satisfeito.

Mas prometo que não vou trapacear e procurarei ser claro em minha redação, fugindo assim da tentação de usar palavras difíceis, com frases bonitas e ininteligíveis, pois esta seria a maneira mais fácil de não passar conteúdo algum para o leitor, cumprindo assim a minha meta. Vou deixar esta tarefa para os escritores que julgam ter algo muito importante a dizer, mas que em suas obras não conseguem dizer nada. Eles são especialistas em não passar nada para o leitor de maneira rebuscada, enquanto eu, por outro lado, tentarei apresentar conteúdo algum de forma absolutamente clara. Ah, somente queria deixar registrada aqui uma observação: na verdade, estes escritores de "nadas rebuscados" são sempre muito "entendidos" pelos seus leitores, pois nenhum deles quer dar o braço a torcer e admitir que nada entendeu. Assim sendo, afirmam com convicção que compreenderam cada palavra, todos os conceitos envolvidos, atentos à linha de raciocínio que cada um deles consegue ver, e que cada um vê a seu modo.

Pois bem, vamos lá! Escrever sobre absolutamente nada de modo absolutamente claro, este é o desafio. O nada, ausência de tudo. Não pode haver pensamento algum, ideia nenhuma. Sem imagens, sem sons, sem cheiros, sem gostos, sem tatos. Nenhum dos cinco sentidos, e se houver mais algum ou alguns além destes, como pregam os místicos, todos estes sentidos sobressalentes também não podem ser estimulados, porque o nada, como o próprio nome diz, nada estimula. Então, se há alguma coisa que este texto possa estimular, essa coisa é só e somente uma: vontade de meditar. Para atingir, realmente, o pleno estado de meditação: esvaziar a mente, não pensar em nada, não sentir nada, nada para tudo, tudo dando em nada.

Este parágrafo é bem curtinho mesmo, só isto, para que você aproveite e interrompa a leitura para meditar.

Mas eu não posso sugerir isso para você, pois se assim o fizesse estaria dizendo alguma coisa e, como eu não quero dizer nada, melhor é deixar isso contigo, você só para a leitura para fazer uma breve meditação de um minutinho se quiser. Certo?

Meditou? Teve algum contato com o nada? Assusta-se com estas minhas palavras? Não, não responda, pois neste texto nada deve ficar registrado.

Neste momento, acredito que uma boa parte dos leitores já abandonou a leitura. Então prossigo com você, insistente, que persiste até chegar à última palavra deste texto. E sinto que devo te falar uma coisa: caso, ao final da leitura, restar-lhe uma forte sensação de tempo perdido, de que nada aqui foi dito, de extrema inutilidade... caso tudo isto aconteça, peço-lhe desculpa, antecipadamente. Não tenho intenção de prejudicá-lo. Na verdade, não tenho intenção nenhuma, de ordem alguma, mantendo-me assim apegado ao nada, ponto central e essência de todo este texto, em sua totalidade ou em qualquer de suas partes.

Uma grande vantagem de escrever sobre nada, é que não preciso me preocupar em elaborar um bom final para o texto. Ou seja, a redação simplesmente acaba em qualquer ponto, sem conclusão, sem desfecho, sem nada. Porque estes elementos são necessários quando se lida com algum conteúdo e, se este não existe, não faz sentido se importar com a problemática de encontrar o desfecho ideal... Muito bom! Gostei disso! Fica muito mais fácil. É só colocar um ponto final, e pronto!

No entanto, não colocarei este ponto final agora, pois quero escrever mais um pouquinho, apesar de não ter nada a dizer sobre o nada. É só para a crônica ficar com mais volume, uma quantidade maior de palavras. Porém tenho que tomar cuidado para não entrar em nenhum assunto, pois aí estaria escrevendo sobre alguma coisa e, portanto, fugindo do meu propósito inicial. Assim sendo, infelizmente, não poderei discorrer sobre uma questão que me surgiu na mente neste exato instante. Não, não posso falar sobre a mesma. E você pode até morrer de curiosidade em saber, mas jamais saberá. Porque não posso colocar conteúdo algum aqui, mantendo assim, intocável e absoluto, o nada.

Nada mais a declarar sobre o nada.

E ponto final.

sábado, 15 de março de 2025

O MAIOR PROBLEMA DA HUMANIDADE É O SER HUMANO

O maior problema da humanidade é o ser humano. Esta frase desabou sobre o meu pensamento como uma verdade absoluta. Talvez a mesma já tenha sido utilizada muitas vezes, por inúmeros pensadores e filósofos. Ou por muitos "quaisquer uns" que se meteram a pensar na situação do mundo. Mas isto não impede que eu a coloque como base deste meu texto.

Confesso que fico um tanto desconfortável em centralizar minhas ideias e argumentos em torno deste conceito bem negativo, que não dá margem a qualquer expectativa de melhora, pois se o maior problema da humanidade é o ser humano, como ela melhorará se sempre carregará consigo a causa maior das suas desventuras, que é o próprio ser humano que a compõe?

No entanto prosseguirei assim mesmo, com o desconforto de quem não quer cair no pessimismo, ou, em outras palavras, daquele que não quer trair os seus conceitos evolucionistas, acreditando sempre na evolução do mundo.

E cabe aqui outra confissão. Sinto que está cada vez mais difícil acreditar no tão falado "mundo melhor", esta esperança tão propagada entre os espiritualistas, esotéricos e assemelhados. É muito bom, revigora a alma, acreditar que este nosso planeta passará por uma transformação positiva, em um futuro próximo no qual haverá a preponderância do bem sobre o mal e onde a espécie humana poderá expressar toda a sua humanidade. Porém, infelizmente, esta bela crença não para em pé quando nos deparamos com a realidade atual.

Nos últimos tempos, as redes sociais passaram a servir como ferramentas para propagar toda sorte de coisas ruins: mentiras, preconceitos, negacionismos, retrocessos inimagináveis... A ciência e a civilização perderam terreno para a bestialidade. A democracia nunca foi tão atacada pelo autoritarismo. A extrema direita ganhou grande espaço no espectro político. Enfim, muitas e muitas coisas, que nem sei como condensar tudo neste texto, mas que, infelizmente, todas estas coisas vão justamente em sentido contrário do tal "mundo melhor".

Então fico pensando que não vai dar tempo, pois, se é como dizem alguns, que já estamos entrando em uma nova era, e que o mundo está passando e que continuará a passar por transformações que, em um futuro próximo, nos colocarão em um patamar superior de evolução espiritual, então, vendo a grande distância que nos separa desta bem-aventurança, fica a forte impressão de que não vai dar tempo. Ou de que este mundo melhor nunca venha a acontecer, atestando o fracasso da humanidade.

“Fracasso da humanidade”, esta expressão realmente tem um peso, uma carga negativa muito forte. Porém, como aqui já demonstrei, não quero que este texto caia no pessimismo e não deixe nem um fio de esperança. Então poderíamos dizer assim: “Sinto muito, mas o tal ‘mundo melhor’ não vai chegar neste milênio. Que tal no próximo, a partir do ano 3000? Assim está bom?”. É lógico que não está bom. Mas pelo menos o “nunca” foi tirado e conseguimos vislumbrar tempos melhores lá na frente, mesmo que seja daqui a muito tempo.

Infelizmente, dentro de um futuro próximo, não consigo ver coisas melhores. O planeta está agonizando e produzindo catástrofes, uma reação natural ao aquecimento global e outras agressões causadas pela humanidade, que não sabe habitar decentemente este mundo chamado Terra. O poder e o dinheiro é o que move o ser humano, que segue uma trajetória de exploração insana dos recursos naturais. O materialismo e o imediatismo dominam o cenário, não sobrando espaço para preocupações com o futuro das próximas gerações.

O que será preciso acontecer para chacoalhar a humanidade o bastante para que haja mudanças realmente efetivas? Para que o ser humano se comporte, enfim, como ser humano? Para que os valores que nos orientam sejam realmente valores positivos, calcados em virtudes e em coisas boas? O que será preciso? Já passamos por muitas guerras, duas delas mundiais. Será que será preciso a terceira? Será que sobreviveremos a ela? E pandemias então? Quantas mais serão necessárias? Até que ponto o planeta reagirá às agressões do homem, como um cavalo xucro que não aceita a montaria, dando coices, sendo que cada coice é uma catástrofe? Qual será o fim disso?

Sim, sim, tenho que admitir que também há muita coisa boa no mundo... E que talvez este texto esteja sendo injusto ao mostrar só o lado negativo. Mas penso que há momentos em que vozes precisam se levantar, escancarando a perigosa realidade que nos cerca...

Enfim, eu acredito no ser humano. Acredito que o bem sempre vence o mal. Acredito que o futuro nos reserva um “mundo melhor”. Mas caramba, como isso parece tão distante!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

PRECIPITAÇÃO

Estou no trem, voltando do serviço. Mas isto não é a minha rotina, pois meu trabalho é 100% remoto. Então, de vez em quando, vou para a empresa, porque ficar sempre trabalhando de casa, sem nenhum contato presencial, parece que fica meio estranho. Assim sendo, mais ou menos uma vez a cada dois meses, lá vou eu, de São Caetano do Sul até Alphaville, na cidade de Barueri. Uma longa jornada.

O vagão está relativamente vazio, com muito poucas pessoas em pé. Eu sigo sentado, ao lado da janela, vendo as coisas se afastarem de mim, enquanto vou, cada vez mais, me aproximando de casa. Decido então, com o celular na mão, pesquisar os concursos literários que estão em andamento. É um hobby muito gostoso esse meu, de escrever e participar destes certames. Uma vez ou outra acaba dando certo, e sou contemplado com mais um prêmio para "engordar" o meu currículo literário. E assim vou, olhando os regulamentos e avaliando, para poder selecionar aqueles concursos nos quais pretendo participar.

Encontro dois bem interessantes. Em um deles vejo que posso mandar meu livro “Contos Sem Escritor”. Vamos ver se desta vez este meu trabalho obtém reconhecimento. Sabe aquelas obras que você bota fé, insiste em mandá-las para concursos, mas nada acontece? Essa é uma delas... Outra obra em que acredito bastante é o conto “Carreta, Encaixotado, Acidente”, também sem premiação alguma. Mas agora estes textos têm uma nova chance, cada qual com o seu concurso.

Após esta tarefa de direcionar os próximos passos do meu hobby, parto para outra vertente do mesmo, pois lembro que preciso colocar o meu blog em dia, cumprindo a meta de postar um texto por mês. Então fico buscando alguma ideia e inspiração. Mas é duro. Nada aparece. Olho pela janela do trem, vejo as luzes e a movimentação lá fora, enquanto a composição segue o seu curso e nada, nada aparece. Dentro do vagão, também nada desperta a minha criatividade. E em meio a esta busca por alguma ideia, desço na estação Barra Funda, para fazer baldeação. Desloco-me pela estação como mais uma formiguinha no meio de um formigueiro, situação esta que é perfeitamente normal.

-.-.-

Até agora, leitor, só coloquei contextualizações: o trem, a volta do serviço, a procura dos concursos literários, a busca de alguma ideia... Nada disso tem importância. O que importa é a próxima cena que lhe narrarei. Se esta próxima cena não tivesse ocorrido, nada teria a escrever. Eu estava caçando alguma ideia do que escrever, e eis que aconteceu algo, algo para escrever, o que motivou este texto. Mas voltemos para aquelas cenas.

-.-.-

Desço a escada e, na plataforma, oriento-me pela sinalização para saber em qual dos dois lados devo pegar o próximo trem. Sentido Rio Grande da Serra, é deste lado que tenho que ficar. O trem chega, abre as portas, e quando eu estou a um passo de entrar na composição, uma moça surge ao meu lado e pergunta:

– Moço, esse trem vai pra estação da Luz?

No instante imediatamente posterior a esta indagação, não consigo me situar geograficamente e nada respondo. Mas há urgência e certa afobação por parte dela, que logo em seguida repete a pergunta de outra maneira:

– Ou é do outro lado?   

Esta interrogação soa em meus ouvidos como uma afirmação: sim, é do outro lado. E, ato contínuo, digo um “sim” e concordo rapidamente com a cabeça.

Tudo acontece muito rápido. Quando ainda estou entrando no vagão, uns dois passos para dentro, mais ou menos equidistante das laterais do mesmo, é exatamente neste instante que percebo o erro. “Não, é este trem que vai para a estação da Luz!”, é a frase exclamativa que surge em minha mente, tão logo resgato a orientação geográfica. Mas esta constatação acontece justamente quando as portas do trem estão se fechando. Agora não há mais nada a fazer.

Em pé, com as costas na lateral da composição, fecho os olhos e levanto a cabeça. Só me resta ver passar, em minha mente, as consequências do meu ato:

“Caramba! Que besteira eu fiz! A coitada agora vai pegar o trem errado, contratempo, atraso, problema, tudo por minha causa! Mais uma vez a minha precipitação leva ao erro! O que custa esperar mais um segundo e procurar, na cabeça, alguma orientação para responder com certeza, fundamento, sem correria e sem querer se livrar logo da situação? O que custa?”.

Muitos outros pensamentos e sentimentos surgem como consequência deste incidente. Não vale a pena colocá-los todos aqui. Apenas quero colocar um deles, para fechar este meu relato:

“Queria uma ideia para um texto e agora já tenho algo para escrever! Mas não precisava ser desse jeito! Coitada da moça!”.

domingo, 19 de janeiro de 2025

ESCREVER À MÃO

 


 

Estou escrevendo, neste exato momento, em um caderno que usava em uma (ou mais?) das minhas tentativas de escrever um livro. Isso aconteceu há muito tempo... A ideia era usar este caderno durante os longos tempos passados no ônibus fretado, nos trajetos sempre longos para chegar ao serviço.

No fim, o meu primeiro livro acabou sendo escrito no Palm. E aqui cabe uma breve explicação, pois muitas pessoas, hoje em dia, nem sabem o que é um Palm. Ou melhor, o que era um Palm, pois o mesmo saiu do mercado há um bom tempo, atropelado pela tecnologia dos celulares. A proposta do Palm era ser um computador de bolso e, dentro deste propósito, era bem mais que suficiente para mim, que o utilizava somente para escrever, empunhando uma canetinha que acionava um tecladinho que aparecia na parte inferior da tela, ou através de outra maneira, na qual “escrevia” cada letra em uma área da tela, também na parte inferior. O interessante é que a gente tinha que decorar um alfabeto específico, movimentando a canetinha sobre a tela para desenhar cada letra com os movimentos corretos. Não era muito difícil, pois a escrita era semelhante à escrita no papel, tal qual faço agora...

E, com o tempo, escrever à mão foi ficando atividade cada vez mais rara. Mesmo no dia-a-dia, com o celular sempre à mão, é muito mais fácil escrever nele, abandonando o papel.

Lembro agora do meu primeiro conto premiado em concurso literário, em 1987... Foi escrito à mão, tenho em mente até a lembrança da imagem do papel com as linhas escritas, com partes riscadas, corrigidas e assinaladas... E depois o texto foi datilografado, naquilo que hoje é uma peça de museu, a máquina de escrever. Recordo até que o trabalho saiu com as letras um pouco apagadas, pois já havia passado a hora de trocar a fita da máquina, que estava com pouca tinta. O passo seguinte foi tirar as cópias, ou tirar xerox, como falávamos. E depois preparar tudo para enviar ao concurso pelo correio...

Mas escrever à mão tem certa magia... Parece que desperta outros sentimentos e sensações. Acredito que, em determinadas situações, pode dar mais inspiração ao trabalho criativo. Foi por isso que desta vez decidi escrever aqui no blog a partir de um manuscrito. Na verdade, se não fosse esta iniciativa, este texto não teria saído, pois estava sem inspiração. Mas ela logo veio quando tive a ideia de escrever à mão... Empunhei a caneta e lá fui eu! E acabou dando nisto aqui!

É isso aí, até o próximo texto! Se vai ser também manuscrito, ou não, isto eu não sei dizer. Mas posso garantir que não será feito pela IA (Inteligência Artificial). Ora essa! Quero ver se essa tal IA escreve textos com estilo, qualidade e criatividade apurados... Prefiro voltar a escrever à mão do que deixar a redação à cargo da IA...