domingo, 16 de novembro de 2025

O TRONCO

 


A respeito da viagem que acabei de fazer com minha esposa, na exuberante Paraty, poderia descrever as maravilhosas praias, trilhas, ilhas, montanhas, águas que vão do esverdeado ao azulado, e assim por diante...

Mas não seguirei por este caminho. Vou contar o que senti, e o que continuo sentindo, quando vejo a foto que tirei no pequeno museu que fica no Forte Defensor Perpétuo. Além deste antigo objeto fotografado, também registrei os dizeres de uma plaquinha, e que aqui transcreverei, para encorpar a introdução do que pretendo dizer neste texto.

“O tronco, também chamado cepo ou berlinda, servia como instrumento de tortura nos tempos da escravidão.

Pessoas escravizadas eram presas pelos pés, mãos ou pescoço, às vezes torturadas e às vezes em locais públicos para que o terror e o medo fossem disseminados.”

Imediatamente senti o peso. Não, não era o peso físico, material, daquele enorme objeto diante dos meus olhos. O que pesou sobre mim foi algo mais denso que a compacta madeira maciça, trabalhada para se tornar um eficiente meio de tortura. Não quis tocá-la. Nem tanto porque estava em um museu, no qual os objetos não devem ser tocados. Na verdade o que mais me impedia era o medo de captar, por meio do toque, todo o terror que devia estar impregnado em suas fibras.

Imaginei os negros, corpos pretos escravizados, presos no tronco, sofrendo martírios. Olhei a circunferência central, a maior delas, e pensei que nela mal caberia um pescoço. Mas quem, dentre os cruéis possuidores dos troncos e dos corpos pretos, estaria interessado em dar um conforto ou alívio para o pescoço que ali estivesse? Que o tronco estrangulasse suavemente, pois a intenção era, na maioria das vezes, “somente” torturar, e não matar.

É muito triste ver um objeto deste tipo. É a prova da maldade e da crueldade do ser humano. Mas você pode dizer que isto é coisa do passado. Porém será que hoje em dia estamos livres desta carga negativa? Infelizmente, parece que não. Na linha do tempo, a história nos mostra que a humanidade está sempre renovando a maneira de expressar a sua inferioridade moral. Crucificações, Cruzadas, Guerras Mundiais, holocausto, bombas atômicas, genocídios...

É muito triste ver que a humanidade ainda não aprendeu a ser mais humana.

Veio uma pandemia e aqueles mais esperançosos acreditaram que ela ocasionaria profundas mudanças, melhorando os homens e o mundo. Falou-se até que a vacina deveria ser uma “propriedade da humanidade”, a ser distribuída gratuitamente para todos, sem distinção. Doce ilusão. O continente africano, uma das regiões mais pobres do planeta, berço dos escravizados metidos nos troncos, também foi uma das mais atingidas pela mortandade da pandemia.

Acontece um genocídio em Gaza e a humanidade não consegue impedir.

Atualmente, este terceiro planeta do Sistema Solar (no qual a vida ainda floresce exuberante, apesar dos maus-tratos que sofre dos seus habitantes) conta com o maior número de guerras simultâneas. Há quem diga que já estamos na Terceira Guerra Mundial (no futuro, a história irá dizer se isto é ou não verdade).

Enfim, por tudo isto, e por tudo mais que existe de ruim e que não mencionei aqui, acredito que este tronco que vi no museu não é coisa do passado. O tronco ainda está presente em nossas vidas, sob múltiplas formas.

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