PASSOS
Pernas débeis acompanham passos adultos. O
ritmo é acelerado para o pequenino, que segue puxado pelo braço. A cabeça
curiosa se distrai com coisas bobas. Tudo é novidade para quem está começando a
vida. Algo lhe interessa pelo caminho e então acontece a divisão. Os olhos
querem parar, explorar, conhecer. O pescoço vira para o lado e depois para
trás. Mas não há tempo. O corpo todo é rebocado pelo braço, que tem um objetivo
fixo, com hora marcada.
Todos os braços são puxados para a creche,
todos os colos carregam para o mesmo destino. Minutos antes das sete horas da manhã, começam a chegar.
Enquanto espero a van que me leva ao serviço, observo estes pequenos seres, já
imersos na rotina do dia-a-dia que envolve a todos nós.
De longe não dá para ver muito bem. Escapam
certos detalhes, de modo que não sei precisar se era um menino ou uma menina...
Vamos dizer que era uma menina, assim está bom, pois o sexo não é importante
perante a cena que pretendo retratar... Estava ela, a pequenina, deitada no
carrinho empurrado pela mãe, que seguia olhando a filha, visto que o tal
carrinho era conduzido de maneira que as duas podiam se ver frente a frente. Ao
se aproximarem do portão da creche, enquanto atravessavam a rua, levantaram-se
os bracinhos da menina. Pedia colo. O gesto não deixava dúvida. E assim
permaneceu com os braços esticados em direção à mãe. Segundos de ansiedade, nos
quais eu, apesar de fisicamente distante do fato observado, sentia todo o peso
daquele ignorar da mãe. “Não quer pegar no colo porque senão vai ficar difícil
de deixar ela na creche”, foi justamente o que pensei. Quando baixaram as mãos
da filha, saí daquele estado de suspensão e respirei novamente. Mas o alívio
durou pouco. Instantes depois, outra vez o gesto de súplica. E a mãe continuava
a empurrar o carrinho em direção à creche...
São momentos de separação, de coração apertado,
de querer retardar ao máximo os momentos finais. Como o que vi hoje, pai e
filho andando de mãos dadas, o garotinho com uns cinco anos, os dois muito
parecidos. O menino amarrava a caminhada com seus passos propositadamente
atrasados. O pai mantinha-se na dianteira, rebocando o filho como uma
locomotiva puxa um pequeno vagão. Mas a expressão da criança não era de luta.
Parecia que nenhuma importância dava para o seu braço que seguia esticado,
denunciando o confronto de forças. Tinha o olhar de quem sente todo o valor do
momento que está vivendo. O rostinho redondo estava, sem palavras, dizendo a
todos: “Eu estou com o meu pai!”. Naquele instante, nada mais queria, estava
completo. Mas, mesmo em toda a sua inocência, sabia que a felicidade que sentia
era passageira, com o tempo contado de cada passada que era dada...
Passos, todos os passos adultos conduzem sempre
para o mesmo lugar, minutos antes das sete horas da manhã, sempre em direção à
creche.
Um comentário:
Muito lindo! 19 anos atrás eu era protagonista desta história quando deixava minha pequenina na creche. Coisas do mundo moderno, da vida moderna. Cenas corriqueiras do dia a dia de uma sociedade onde o papel da mulher está muito diferente do início do século passado. Apenas de tudo acredito que valeu a pena.
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