Posso
escrever sobre o que está acontecendo agora. O trem está chegando. Acabei de
entrar na composição. Isto é a mais absoluta verdade. E quando se escreve
verdades, o leitor percebe. Acredito que a escrita carrega muito mais do que
simples palavras, que é possível transferir o contexto do ambiente no qual o
escritor está vivendo no exato momento em que está redigindo. Por exemplo,
agora estou sentado no banco, papel e caneta na mão, olhando o entra e sai pela
porta do vagão. O trem parte da estação e eu olho o escuro da noite pela
janela.
Mas
também i... A caneta falhou. Durante a caminhada entre a estação de trem e a de
metrô, coloquei a dita cuja no bolso dianteiro esquerdo da calça e, quando fui
retomar estas despretensiosas linhas, eis que ela já não escrevia mais nada. Na
linha amarela, entre as estações Pinheiros e Paulista, fiquei a lutar com minha
caneta preta. Nada. Acabei descobrindo um pequeno vazamento. Na longa conexão
entre a Paulista e a Consolação, insistia em tentar tirar a tampinha, que mais
parecia estar soldada ao corpo da caneta. Nada. Quase a joguei em alguma
lixeira. Ainda bem que não o fiz, pois senão agora, na espera que costuma ser
longa, aguardando o demorado ônibus... Acabei pegando outro. O Circular via
Goiás passou por mim, não era ponto dele, mas acabou parando quando fiz sinal.
O motorista foi legal, quebrou o galho. Deixei aquele que provavelmente estaria
esperando até agora, para entrar noutro que dá uma volta danada. Mas acho que
no final acabarei chegando mais cedo...
Não
sei se cheguei mais cedo. Acho que o tempo foi mais ou menos igual. Com relação
ao tempo, só sei que está passando muito rápido. Passou o fim de semana num
instante. Hoje é segunda e aquela sexta-feira em que eu fiz hora extra ficou
para trás. Para trás também ficaram as linhas que descreviam a volta do
serviço, a caneta que falhou, o ônibus. Revisando agora o que já foi escrito,
devo dizer algo que não foi dito. A caneta, a tal caneta preta, voltou a
funcionar. E é justamente com ela que escrevo neste momento, sentado em um
banco de madeira, com o maravilhoso sol da manhã banhando o meu corpo. Mas é
hora de largar este paraíso. O horário de entrar para o trabalho está se
aproximando.
Dois
dias depois e cá estou eu, novamente no mesmo banco, novamente no mesmo sol. O
bom desta época do ano é que o tempo é firme, chove muito pouco (apesar de que
chover é bom, faz bem para a natureza, para as plantas), e as tardes, o pôr-do-sol
nestes meses de abril, maio, é muito bonito. Cada entardecer revela um
espetáculo de cores, brilhos e contrastes. Uma tela de um Grande Artista a cada
fim do dia. Mas eu não quero falar de fim do dia. Quero, isto sim, falar de
começo. Dizer que não são somente os humanos que apreciam tomar o revigorante
sol da manhã. Os insetos também sabem desfrutar destes maravilhosos momentos.
Sexta-feira passada, neste mesmo banco, eis que encontrei uma mosca, imóvel
sobre o paralelepípedo. Somente saía da imobilidade para esfregar as patas
traseiras, em sua ginástica típica. Com certeza curtia o banho de raios
solares. Tenho que contar também a respeito de uma abelha, do que nela observei
naquela mesma manhã de sexta-feira. Porém agora tenho que interromper, pois as
atividades do dia me chamam. Chega de moleza, vamos ao trabalho!
Outra
vez estou a esquentar os ossos. Olho para a esquerda, em um ponto vazio no
espaço. Era aí que ela estava, exibindo a sua destreza. Paralisada no ar.
Paralisada não é bem o termo exato a usar, pois que a abelha deve bater as asas
vigorosamente, a fim de conseguir uma estabilidade tão grande no voo. E olha
que a estabilidade daquele inserto era notável. Eu, sentado em um banco de
verdade, sob o gostoso sol da manhã e, ao meu lado, ela também aproveitava. De
vez em quando, esticava as pernas, como se estivesse baixando o trem de pouso. Depois encolhia novamente. Sentada no nada,
em uma cadeira imaginária, ou talvez um banco, para me fazer companhia. Mas ela
não conseguia ficar muito tempo parada. Repentinamente ia para frente. Depois
voltava para trás. Admirável. Como se fosse um helicóptero, pilotado com
rapidez e maestria. Ou quem sabe uma minúscula nave espacial. Cheguei a pensar
em diminutos seres extraterrestres, a espionar o nosso mundo. Pensamento
estúpido. Mas não deixa de ser fantástico e interessante.
Espionando
como vivem os seres humanos. Como tomam o sol da manhã em bancos de madeira,
como fazem hora extra após o expediente e depois tentam contar a viagem de
volta de trem e outras conduções, lutando contra uma caneta preta que insiste
em não funcionar, como insistem em escrever textos e colocá-los em blogues,
para depois torcer afoitamente, esperando que o contador de visitas salte para
números elevados, doce ilusão inatingível.
Dei
um tapa na abelha, na nave espacial miniatura, com seus pequeninos e
intrometidos espiões. Mentira, não dei não. Mas vou ficar espiando o contador
de visitas, isso eu vou.
Um comentário:
Desse solzinho no banco sou testemunha!!!
Postar um comentário