Morfeu não dormia. Nunca.
Não é força de expressão. Nunca é nunca mesmo.
Neurínia não esquecia
nada. Não é força de expressão. Nada é nada mesmo.
As enfermeiras da maternidade,
logo no primeiro dia de vida do pequeno Morfeu, notaram que ele não pregava o olho.
A mãe de Neurínia, no
exato dia em que a menina completava sete anos de vida, ouviu-a dizer, pela
primeira vez: "Mamãe, eu nunca esqueço nada".
Já na maternidade
começaram os primeiros exames no bebê que não dormia. Nenhuma explicação.
Depois vieram muitos outros. O mistério continuou.
Com a insistência da
menina em dizer que nada esquecia, e observando o seu inacreditável desempenho
escolar, seus pais resolveram levá-la para os especialistas. Muitas avaliações
e exames. Nenhum deles conclusivo.
Nesta mesma época, o
menino Morfeu já não era alvo de cansativas investigações médicas. Sem
encontrarem utilidade nisto tudo, seus pais resolveram poupá-lo.
Neurínia também ficou
livre das intermináveis sondagens dos doutores. Mas isto só aconteceu na
adolescência, quando ela se rebelou contra tudo isso. Resolveu esquecer o seu
problema... É lógico que "esquecer" foi aqui empregado somente como
força de expressão. E, na verdade, este não era dos seus maiores problemas,
pois, com o tempo, aprendeu a driblar a mente, para não mergulhar em infinitas
lembranças a pressionar seus pensamentos. A técnica era procurar,
constantemente, estar no presente, no "aqui-agora". Geralmente
funcionava muito bem... De vez em quando até dizia que havia esquecido algo.
Era mentira, é lógico. Fazia isso para parecer mais normal.
O bebê que não dormia deu
muito trabalho para os pais. Revezavam-se à noite para cuidarem do filho que
não desligava nunca. A criança que não dormia deu ainda mais trabalho, pois
inventava brincadeiras a qualquer hora do dia ou da noite. O jovem que não
dormia aprendeu a não incomodar todo o resto do mundo, que precisava dormir.
Ficava boa parte do dia e a totalidade da noite no computador. Para o mundo
globalizado, mergulhado na internet, não havia descanso. Morfeu usava as horas
da noite e da madrugada para jogar com aqueles que estavam do outro lado do
planeta: asiáticos, australianos, europeus orientais... De vez em quando fingia
estar com sono. Certa vez, em uma excursão com os amigos da escola, chegou até
a simular que estava dormindo. Tudo isto para parecer mais normal.
É lógico que não é a toa
que eu estou contando as estórias de Morfeu e Neurínia, cada qual no seu
parágrafo, mas que neste se juntam em matrimônio... Conheceram-se no tai-chi-chuam
e casaram-se dois anos depois. No ano seguinte nasceu o primeiro filho, Jejuíno.
Na maternidade, o
pequenino não queria saber de mamar. O jejum continuou quando foram para casa.
Ao completar sete dias de vida e de inanição, seus pais não sabiam o que
fazer... Mas, na verdade, sabiam o que estava acontecendo... E, desta maneira,
compreendiam que nada poderia ser feito. Olharam-se um para o outro e disseram
a frase sem palavras: "Jejuíno não vai comer, nunca comerá.".
Nenhum comentário:
Postar um comentário