O anonimato é algo que
costuma envolver muitas contrariedades. Pois veja bem, ontem mesmo tomei
conhecimento de uma notícia que ilustra bem o que quero dizer. Jovens
infratores realizaram mais um sequestro relâmpago. Apoderaram-se do carro, com
o qual entraram no shopping e, usando o cartão da vítima, efetuaram vultosas
compras. Até aí, tudo normal. Normal entre aspas, pois não podemos admitir que
uma violência desta monta seja coisa normal. Mas poderiam, ou melhor, deveriam,
se fossem mais espertos, manterem-se no anonimato. Porém, o desejo de
ostentação falou mais alto. Horas depois, ao comemorarem na noite o sucesso da
empreitada, acabaram colocando fotos na rede social, posando com largos sorrisos
ao lado dos novos pertences. Resultado: todos presos. Regra número 1 do
anonimato: "O horror ao anonimato pode até
levar um criminoso a se denunciar".
Outro ponto bastante
interessante do anonimato é sobre como as pessoas do mundo artístico se
empenham em evitá-lo, geralmente no começo de carreira. Querem mostrar o seu
trabalho, querem aparecer, pois é assim que garantirão um futuro promissor...
Mas depois, quando a fama chega ao ponto de tornar suas vidas patrimônios
exclusivos dos fãs, com a mídia se julgando no direito de vasculhá-las como bem
entender, aí então perseguirão o anonimato com muito mais afinco do que antes
fugiram dele. O maior desejo será passar despercebido. Daí se explica o fato de
estas pessoas por vezes apelarem até para disfarces. Colocam uma peruca e uns
óculos escuros só para parecerem ser apenas mais um indivíduo qualquer, para
não aparecerem... Agora estamos prontos para enunciar a regra número 2 do
anonimato: "O desejo por anonimato é inversamente proporcional à sua existência.
Quanto menos se tem, mais se quer, e quanto mais se tem, menos se quer".
Até os animais, em certas
ocasiões, não querem nem saber do anonimato. Para ilustrar esta realidade,
contarei o que aconteceu comigo há umas duas semanas. Estava eu em minha
caminhada, em uma tranquila tarde de domingo, quando, ao aproximar-me de
determinada árvore ao pé do viaduto, decidi não desviar meu trajeto. Já fazia
um bom tempo que evitava passar debaixo daquela árvore, com medo dos ataques de
certo pássaro em defesa do seu território. Mas desta vez resolvi não dar a
volta, afinal o coitado do pássaro nem devia estar mais por lá, depois que
brutalmente cortaram várias árvores naquela via pública. Além disto, alargaram
a rua, refizeram a calçada e, para completar, cercaram um pequeno canteiro de
obras bem debaixo da tal árvore. Pensei que, com certeza, o pássaro agressor
tivesse abandonado o lugar que foi tão agredido... Então, quando já me afastava
do temido local, eis que ouço o "grito" do pássaro imediatamente acompanhado
por uma bicada no alto da cabeça. Novo ataque! Depois do xingo que saiu de
minha boca como um ato reflexo, ao virar-me ainda meio desnorteado, vejo o
valente ser plumado sobre os paralelepípedos. Altivo, deu até uma balançadinha
no rabo comprido, querendo dizer assim: "Cai fora! Este é o meu
território!". Esta é uma situação que leva à terceira regra do anonimato:
"Quem defende o seu território não quer saber de anonimato".
Há situações nas quais o
anonimato é condição essencial para a existência de certas organizações.
Alcoólatras Anônimos, Neuróticos Anônimos, Disque Denúncia, CVV - Centro de
Valorização da Vida, confessionário... Em maior ou menor grau, são exemplos nos
quais os usuários destes serviços tendem a não querer aparecer. Mas esta
tendência parece concentrar-se apenas nas citadas organizações ou em outras
poucas mais que existirem. Fora disso, tudo indica que o mundo caminha para a
extinção do anonimato. São câmeras em toda parte, sem contar aquelas que
levamos embutidas em nossos celulares. Está cada vez mais difícil fazer algo
que ninguém perceba, principalmente algo ruim, o que é uma coisa boa, visto que
muitos crimes, hoje em dia, são descobertos e investigados graças a esta
exposição involuntária. A internet, as redes sociais, a velocidade dos meios de
comunicação, são fatores que induzem ao "aparecer", desnudando o ser
humano, uns perante os outros... Aí então fico pensando que esta exposição
excessiva poderia gerar um efeito colateral no outro extremo, ou seja, como
reação, certas pessoas fariam questão de não aparecerem. Sempre, em qualquer
situação. Obsessivamente. Doentiamente... Pronto! Este é o material humano para
criar uma nova associação: os "Anônimos Anônimos". Para tratar,
anonimamente, os viciados em anonimato. Ficarão contentes neste duplo
anonimato...
Mas não vá pensando o
leitor que o indivíduo que conseguir escapar a esta ditadura do
"antianonimato" cairá fatalmente nas garras do vício pelo
anonimato... Isto porque há várias situações em que se busca o anonimato, e a
mais nobre delas é aquela relacionada com a evolução espiritual. É muito bonito
vermos uma pessoa realizar uma boa ação e procurar, ao mesmo tempo, não ser
notada por ninguém... "... não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua
direita...", está escrito. E já que estamos no campo espiritual de nossa
discussão, vem-me à mente as seguintes perguntas: "Deus pratica o
anonimato? Ele assina suas obras?". Bom, no sentido literal da questão, é
lógico que Ele não assina a sua criação, pois, se não fosse assim, teria sempre
uma plaquinha ao lado de uma árvore, de uma montanha, de uma flor, e assim por
diante... Escrito: "By God" ou "Made by God". Grafado em
inglês, com certeza, por ser o idioma universal... Haveria mais placas do que
qualquer outra coisa no mundo...
Agora, falando sério,
existem aqueles que dizem que o Criador assina sim todas as suas obras. Basta
ter olhos para ver. Ou sentir... Eu, particularmente, quando estou nos meus
melhores dias, vejo que "O Cara Lá De Cima" assina todas as suas
criações, percebendo então que Ele não está nada interessado em manter-se
anônimo. Vejo Deus em tudo e em todos. Verdadeiro estado de graça...
Mas, quando estou em um daqueles dias terríveis, não
quero saber de nada e nem ninguém. Quero mesmo é ficar em meu anonimato...
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