“Vamos ver a tocha
olímpica, mãe?”. Já sabia que ela recusaria o programa proposto. A idade, com
suas limitações, já colaborava para a negativa. Mas não é só isso. Rosália sempre
teve um gênio menos afeito a aventuras. Contrário do meu pai. Então perguntei
para ele, com seus quase 93 anos, três a mais que ela. Enquanto perguntava,
cheguei mesmo a pensar que ele até poderia aceitar o convite. Demorou a
entender. Repeti mais uma ou duas vezes. A baixa audição é praticamente o seu
único problema de saúde. Então respondeu com outra pergunta: a gente vai ter
que ficar de pé, vendo? Sim pai, respondi, e ele tornou: vai passar na
televisão? Outra afirmativa de minha parte: vai pai. Então Francisco encerrou o
assunto, com a espirituosidade que lhe é característica: pois eu vou ver
deitado!
Leonardo, meu filho,
pregado no computador, veio com outro argumento prático: vocês vão perder duas
horas para ver um minuto de tocha? Menos um. Restaram esposa e filha e, esta
última, só chegaria do serviço meio dia e meia.
Monise chegou e, como
estava com fome, decidimos comer rapidamente antes de sairmos. E porque o
horário já estava um tanto avançado, fomos diretamente para o último ponto da
tocha em São Caetano do Sul: Parque Chico Mendes. A procura por uma vaga para
estacionar, nas ruas do entorno do parque que estavam abarrotadas de carros,
consumiu mais um tempo precioso. Carro estacionado, iniciamos nossa caminhada
em direção ao tão concorrido espetáculo. Olhei para o alto e, mais adiante, vi
um helicóptero pairando. Falei: “Olha lá o helicóptero d...”. Não foi
exatamente isto que disse. É que eu não quero colocar merchandising neste meu
texto... Mas logo depois a aeronave encarregada da cobertura televisiva desapareceu
no céu, e restou somente a suspeita de que estávamos chegando tarde demais...
Esta suspeita se concretizou como uma realidade quando começamos a ver grupos
de pessoas caminhando em sentido contrário ao nosso, afastando-se do parque com
brindes festivos nas mãos. Monise sugeriu que conversássemos algo do tipo
“estamos indo visitar fulano de tal, nosso parente”, algumas palavras para
disfarçar a vergonha. Os grupos de pessoas se adensavam ao nosso redor, todos
voltando, com expressões felizes por terem testemunhado tão importante episódio
do esporte mundial... Até que nossos passos vacilaram e resolvemos assumir o
fracasso. A Má (Marisa) e a Mô (Monise) ficaram aguardando na esquina enquanto
eu fui buscar o carro.
Todos no carro novamente,
tentamos estabelecer uma rota de interceptação da tocha. Vai ser muito patético
se ficarmos correndo atrás da tocha sem conseguir alcançá-la, foi o que pensei,
e acho até que disse algo neste sentido. Mas então, como não somos de desistir
fácil, decidimos ir para a Avenida Dom Pedro, em Santo André. No trajeto, as
costumeiras lamentações “e se a gente tivesse feito assim ou assado, não
teríamos perdido”... Queixava-me principalmente por termos deixado escapar a
oportunidade de presenciar a chama olímpica sendo conduzida pelo grande atleta
Arthur Zanetti, nosso maior representante da ginástica artística, de São
Caetano do Sul para o mundo, maravilhando a todos com sua habilidade e força
nas argolas. Referia-me a ele como “primo”. Não é um exagero, pois acredito que
sejamos primos distantes. Algo do tipo assim: o bisavô dele foi irmão do meu
avô. Fiquei um bom tempo na internet tentando comprovar este parentesco
distante, mas nada consegui. Tudo bem. Sei que o leitor vai pensar, com razão,
que é só alguém ficar famoso que todo mundo quer ser parente do sujeito. Mas
deixa pra lá. O que importa é que, naquela hora, junto com minhas queixas,
desembestei a falar uma porção de “primo” ao me referir ao famoso ginasta, fato
que acabou por irritar minha filha, que nunca engoliu esta história...
Até estacionarmos o carro
novamente, mais alguns incidentes normais em uma família normal, ou seja: dei
voltas, críticas pra lá e pra cá, nervosismos, desentendimentos, etc. Mas
acabamos dando sorte. Estacionamos em uma travessa, perto de uma aglomeração de
pessoas, que se concentrava em frente a uma concessionária da Avenida Dom
Pedro. E foi aí que ficamos. Então eu, para passar um pouco o tempo antes da
chegada do badalado símbolo olímpico, entrei nesta concessionária, enquanto a
Má e a Mô ficaram na calçada esperando. Dei uma olhada no carro que, já há um
bom tempo, vem sendo objeto dos meus desejos materialistas (não vou revelar
qual é este veículo; nada de merchandising novamente). Entrei, conferi o espaço
interno, o painel, a visibilidade. Olhei o porta-malas. Gostei. Só não gostei
das opções de cores. Que saudades da variedade de cores da década de 70. Com
poucas exceções (branco, vermelho e preto), todo o restante forma a maioria
cinza que popula nossas ruas e avenidas... Mas acabei encontrando um azul bem
bonito, que me agradou. Então, de repente, a vendedora que me atendia disse que
o pessoal na rua estava se agitando, dando sinais de que a tão esperada tocha se
aproximava. Interrompi minha pesquisa automobilística e lá fui eu presenciar o
momento histórico.
Vans, ônibus e caminhões
dos patrocinadores antecederam a chama olímpica. Vários brindes foram
distribuídos. Música, animação, bandeiras... Teve até um show em movimento, uma
espécie de batuque eletrônico de dois sujeitos em frente de um grande telão,
tudo isto sobre a caçamba adaptada de um caminhão promocional. No meio disto
tudo, andando pra lá e pra cá, fazendo sinal de positivo, dando a mão,
cumprimentando, levantando o braço, pulando, lá estava o festivo e próximo
condutor daquele fogo que estava aceso por mais de três meses! Com uma tocha apagada
na mão, aguardava ansiosamente a chegada da chama que havia sido acesa na
Grécia e que havia esquadrinhado quase todo o território brasileiro. Era ele a
figura mais importante naquele momento. Cabelo pintado de azul, sua presença
foi requisitada em fotos, ao lado de criança e em selfie. Era conhecido por um
ou outro que passava na carreata de veículos promocionais e de organização do
evento. Chamaram-no de “esquerda”, “esquerdinha”...
Então eu,
desastrosamente, liguei as coisas: cabelo azul, “esquerdinha”. O time de
futebol São Caetano, o Azulão, tinha um tal de “esquerdinha”. Então arrisquei e
perguntei se ele jogava no São Caetano. Ele respondeu, e percebi certa
contrariedade e nervosismo em sua resposta, quando disse: “Não não! Santo
André!”. Eu devia ter me tocado que na cidade de Santo André, onde estava, não
fazia o menor sentido homenagear algo ou alguém da cidade vizinha, São Caetano.
Mas não foi só isso, porque depois, quando fui pesquisar na internet sobre este
ilustre condutor da tocha, só aí percebi o tamanho da minha mancada. Era
chamado de Esquerdinha porque, no passado, de tanto comentar um importante gol
do jogador Esquerdinha, acabou por levar o mesmo nome. Então descobri que o
sujeito é um torcedor pra lá de fanático do Santo André. Só para ilustrar o
grau de fanatismo, por várias vezes perdeu o emprego em consequência disto.
Trabalhava como motorista e abandonava as entregas para prestigiar o time do
coração. Certa vez, por seu chefe não deixá-lo ver uma final de campeonato na
qual o Santo André heroicamente lutava pelo título, isto porque este chefe era
torcedor do São Caetano, este incidente acabou por desagradá-lo a tal ponto
que, dois meses depois, pediu as contas. Foi aí que entendi a sua reação quando
lhe perguntei se jogava no São Caetano...
Bom, voltando à tocha,
devo dizer que tivemos a maior sorte no revezamento da mesma, isto porque este
importante momento aconteceu bem diante dos nossos olhos, nem um metro a mais,
nem um a menos. Neste ponto levamos vantagem, pois se tivéssemos chegado a
tempo no Parque Chico Mendes, com certeza teríamos visto muito pouco da tocha,
pois ali ela estaria cercada por um número bem maior de pessoas e de seguranças,
sujeita à grande badalação que só faz aumentar a distância, afastando-a dos
reles mortais que querem, mas não conseguem, vê-la de perto... Pois bem, o tal
Esquerdinha aguardou a chama olímpica, que chegou pelas mãos de uma mulher que
eu não conhecia (e que ainda não conheço, pois nada pesquisei na internet). A
sua tocha foi acesa e lá foi ele, sob gritos e aplausos...
Foi assim. Rápido. Mas
valeu a pena. Um momento marcante.
E que venham os jogos
olímpicos! E que ocorram em paz... Que as sombras do terrorismo passem longe,
ou melhor, que nem passem, nem aqui no Brasil e nem em qualquer lugar do mundo.
Mas este assunto de terrorismo é coisa para outro texto... O que importa é que
agora, neste fim de semana, irei para o Rio de Janeiro, coração das olimpíadas
de 2016, prestigiar uma das eliminatórias do tênis de mesa. É isso mesmo! Eu e
meu filho, Leonardo, gostamos deste esporte que aqui no Brasil é
marginalizado... Vamos nós quatro: “AdeMáMôLéo”! Talvez esta aventura renda
mais um texto... E que Deus nos proteja!
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