Havia um objetivo maior para aquela caminhada,
além de catar conchas e molhar os pés na água do mar: propus à minha esposa
chegarmos até o riozinho. Ah, o riozinho... Contei a ela que quando éramos
crianças, lá íamos, eu e meu primo, pescar pitus, uma espécie de camarão de
água doce, que era capturado em latas abertas na parte superior e perfuradas em
vários pontos. Eram mergulhadas na parte mais funda do riozinho, sustentadas
por fios para serem puxadas depois, e tinham em seu interior uns pedaços de
miolo de pão, que atraiam os pobres crustáceos para esta armadilha.
– Não é muito longe não! É perto! Tá vendo
aquela casa meio grande e isolada? Ela fica bem do lado do riozinho. É a
referência que a gente tinha. Ela tá mais ou menos do mesmo jeito... – foi
assim que a convenci para esticarmos a nossa caminhada até lá.
Lá chegando, seguimos o curso tortuoso do
pequeno rio, afastando-nos do mar por algumas dezenas de metros, até atingir
uma área onde ele ficava bem mais largo. Mais à frente, tinha até uma garça pousada
em algo que se elevava no meio do leito. Envolvendo esta piscina natural, havia
uma vegetação. Foi neste cenário que avistamos uma pessoa, sentada em algo que
não me lembro agora, a contemplar as águas tranquilas diante de si. Ao nos
aproximarmos dele, logo surgiu uma conversa, na qual ficamos sabendo um pouco da
sua vida. Creio que não há nenhum problema em colocar aqui algumas coisas que ele
nos disse, pois elas não revelarão a sua identidade, porque são coisas da
vida...
Perdeu os pais muito jovem, ainda criança e na adolescência.
O pai com 12 e a mãe com 16, se não me engano eram estas as idades. Disse que
sua mãe sempre lhe falava para estudar. Comentou que ela mesmo era estudiosa.
Mas confessou que ele não seguiu este conselho materno, pois não dava para os
estudos. Mencionou escolha errada na vida e nos informou que morava na rua.
Disse-nos sua idade e que tinha uma irmã. Gostou da figura estampada em minha
camiseta, achando que era algum grupo de música mexicana (mas eram os Beatles,
com aquelas roupas de cores berrantes do álbum Sgt. Pepper’s), então emendou
que gostava de samba. Em algum ponto da conversa, contou-nos que era da Bahia.
E assim soubemos um pouco da sua vida... Na nossa conversa, comentamos sobre a
Natureza, sua beleza e a tranquilidade que ela nos dá (motivados, é lógico, por
aquele belo pedaço de Natureza diante dos nossos olhos). Foi depois deste
primeiro comentário que ele começou a revelar os elementos que aqui coloquei.
Assim está bom, já está de bom tamanho. Não
contarei mais nada sobre você, meu caro XXXXXX (não vou revelar o seu nome).
Mas vou deixar aqui registrado que o papo foi bom, e acho que ele gostou ainda
mais que nós. E, por fim, mostrou-se bem satisfeito com o nosso sorriso ao nos
despedirmos, comentando algo a respeito. Deixamos ele no mesmo lugar no qual o
encontramos e iniciamos o caminho de volta. Logo que nos distanciamos um pouco,
comentei que as pessoas que vivem na rua ficam extremamente gratas quando
alguém conversa com elas. Infelizmente, elas sofrem um processo de
invisibilização... São ignoradas, como se não existissem. Ou são evitadas, como
se a sua existência representasse um mal por si só. Então, quando simples palavras
lhes são dirigidas, tratando-os normalmente como seres humanos que são, neste
momento sentem-se muito bem.
Pronto! Não há mais nada a descrever ou narrar
sobre Solemar. Porque, a partir daí, ao chegarmos no carro que ficou
estacionado na rua Cecília Meireles, logo entramos no mesmo e seguimos para
almoçar no shopping da Praia Grande, deixando Solemar para trás...
Espero que você, leitor ou leitora que me acompanhou nesta trilogia de pequenos textos sobre Solemar, tenha captado ao menos um pouco dos sentimentos que vivi durante este breve passeio saudosista... O saudosismo é assim: vibra muito mais forte naquele que viveu o passado. Aqueles que ouvem a história, podem até achar meio sem graça... Mas deixe eu lhe perguntar uma coisa: você não tem um lugar que lhe traz esse saudosismo gostoso de boas recordações?