Quero
falar sobre um cachorro. Não é meu cachorro de estimação, não
morreu, nem saudades, nem nada disso. Muito pelo contrário. Não
cultivo nenhuma estima por aquele ser peludo, que insiste em apavorar
a vida da minha família. Suas ações terroristas sempre acontecem
no caminho entre a nossa casa e a da minha mãe...
Bom,
mas vamos começar do começo. Pelo que me lembro, a aversão que
este cão tem para comigo não foi sempre assim tão intensa. Acho
que ele aprendeu a me odiar com outro cachorro. Este sim, apresentava
uma raiva tão fortemente arraigada em cada nervo do seu corpo, que
dava até gosto de ver. Colava a cabeça repleta de dentes nas grades
do portão... Para minha felicidade, nunca realizou o seu desejo
ardente de arrancar qualquer pedaço do meu corpo, mas penso que deve
ter dito – em cachorrês, é lógico – algo para o outro, cão de
rua, peludo, que sempre perambulava por ali, coisa do tipo: “Pega
esse maldito sujeito que vive passando aqui em frente, no nosso
território. Só não faço eu mesmo porque tem esse maldito
portão...”.
E
a ordem foi seguida, à risca. Sorte que o cachorro sem dono tem um
porte pequeno, mas nem tanto... Porém se fosse do tamanho e com a
força do seu mestre, que ordenou o ataque à minha pessoa, ah! Aí
eu estaria frito!
Sobre
mim as suas investidas não me metem medo. Já dei umas carreiras
nele. Correu com o rabo entre as pernas. Os latidos saíram
esganiçados, meio que sumindo pela boca assustada. Ficou uns tempos
respeitoso. Quando eu passava pelo que ele julga ser seu território,
na calçada, não ousava se aproximar... Porém, com o tempo, acabou
perdendo o medo e recuperando a coragem.
O
odiento ser peludo reina no terror contra minha família,
principalmente com a minha esposa e minha filha. A rotina delas foi
alterada, evitam aquele trecho da calçada, passando do outro lado da
rua ou até dando a volta no quarteirão... Quanto a mim, não mudo a
minha rota. Se o faço, é somente para acompanhá-las. Mas não
adianta, aquela coisinha raivosa e peluda não tem jeito, cismou com
a gente... Acho mesmo que o problema é só comigo.
Porém
acabei tomando uma decisão. Quando ele começar a latir e vier se
aproximando, eu simplesmente vou parar e esperar. Só isso. Até ele
se cansar de me odiar. E se ele ousar me morder, se ele encostar em
mim, aí então levará um chute que vai se lembrar pelo resto da
vida.
Só
que depois desta decisão, nunca mais encontrei o ousado e insano
cão. E isto já faz um bom tempo... Chego até apensar que o dito
cujo morreu... Mas se ele ainda estiver no reino dos vivos, na
próxima ocasião em que nos encontrarmos a nossa questão será
resolvida de uma vez por todas. Ah, com certeza da próxima vez não
passa.
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