Era uma vez um planeta
chamado Terra. Havia muitas espécies de animais e plantas neste astro que foi
agraciado com uma vida realmente exuberante. Porém, uma espécie em particular
desenvolveu-se muito além das demais, e passou a considerar-se superior às
outras. Denominavam-se homens.
Após notáveis avanços nas
mais variadas áreas, chegou o tempo em que os homens dominaram o conhecimento
do código genético, que norteava a formação dos seus próprios corpos. Assim
sendo, pouco tempo após a concepção já se podia saber tudo sobre o novo ser que
estava por nascer. Este mapeamento do futuro dos filhos, aliado a um
acompanhamento da gravidez que possibilitava detectar os mínimos problemas na
formação da vida intrauterina, tais fatores começaram a modificar a procriação
da espécie.
O aborto já era
totalmente permitido em grande parte do planeta. Em muitos países podia-se
interromper a vida que se desenvolvia ou, em outras palavras, matar o embrião
ou o feto, por qualquer motivo, ou até sem motivo algum. Por outro lado, outra
grande parte do planeta só permitia o aborto em condições específicas diversas,
como, por exemplo, para salvar a vida da mulher ou preservar sua saúde física
ou mental, para interromper a gravidez decorrente de estupro ou incesto, em
caso de malformação fetal, ou por razões econômicas ou sociais. E, finalmente,
em poucos países a prática era totalmente proibida.
Então, além de todos os
motivos que já existiam para abortar, começaram a surgir outros... Os grandes
problemas detectados na vida intrauterina foram os primeiros a causar
alterações no comportamento com relação ao aborto. Os pais queriam evitar o
sofrimento. Malformação grave, microcefalia, hidrocefalia, debilidade mental,
grandes problemas neurológicos ou sensoriais, síndrome de Down e muitas outras
síndromes... Onde o aborto era totalmente permitido, tais situações foram cada
vez mais alvo da interrupção da gravidez. E, nos outros países, as leis
começaram a ser alteradas para incluir a legalidade da prática nestas
situações. Até que não mais nasceram seres nestas condições. E os homens julgaram-se
mais felizes por isto.
Mas a espécie humana não
parou por aí. O próximo passo foi erradicar aquelas vidas nas quais, ainda no útero,
detectava-se alguma doença. Não bastava evitar o nascimento das grandes
desgraças, os problemas menores também passaram a ser evitados. Era preciso
garantir saúde perfeita. Ter um filho era como comprar um carro zero
quilômetro. Falhas no controle de qualidade não eram toleradas. Então todos os
filhos nasciam sem problema algum. E os homens julgaram-se mais felizes por
isto.
Prosseguindo nesta
escalada em busca da “perfeição”, o mapeamento genético intrauterino denunciava
aqueles DNAs que poderiam causar problemas futuros. Os primeiros alvos desta
nova fase foram aqueles embriões ou fetos que carregavam grande probabilidade
de gerar indivíduos que desenvolveriam, na infância ou na juventude, algum tipo
de câncer ou outra doença igualmente grave. Eram todos eliminados. Por outro
lado, a engenharia genética permitia o nascimento de seres que levavam uma
espécie de selo de qualidade, com a saúde garantida pelos próximos 10 ou 20
anos. E cada vez mais se exigia selos de qualidade que garantissem a saúde por
um tempo cada vez maior: 30, 40, 50 anos... E os homens julgaram-se mais
felizes por isto.
E esta busca frenética do
que se julgava “perfeito” desembocou por caminhos estranhos... Não somente a
saúde absoluta era procurada, mas também outras características. Cor da pele,
dos olhos, tipo físico, feições faciais... Tudo era cuidadosamente escolhido. E
evitado. Problemas genéticos foram extintos. Por outro lado, tentava-se
elaborar o melhor código genético, aquele que garantisse, ou que, pelo menos,
melhorasse a probabilidade de gerar “indivíduos” com grandes acréscimos de qualidades
como inteligência do tipo QI, inteligência emocional, criatividade, etc... E os
homens julgaram-se mais felizes por isto.
Porém, estranhamente, os
homens não se tornaram mais felizes. Lá no fundo, tornaram-se até mais
infelizes. Faltava algo... O que estava faltando?
Nenhum comentário:
Postar um comentário