domingo, 4 de agosto de 2019

ONDE ESTÃO AS CHAVES DO PALÁCIO?

O ilustre escritor é convidado a subir ao palco e a tomar o seu devido lugar para proferir o esperado discurso:
– Minhas palavras serão breves e sem formalidades – emociona-se, olha para baixo. Falarei sobre minha bisavó, fonte inspiradora deste meu último trabalho. Batalhadora, migrante da região nordeste do país, sem estudo mas com muita sabedoria, impregnou sua personalidade na história da família.
– Meu avô, o mais velho dos seus cinco filhos, sempre nos falava do jeito alegre e brincalhão que ela tinha. Dizia que todas as vezes que chegavam em casa, ela olhava para os lados e perguntava: “Onde estão as chaves do palácio?”. Era uma moradia simples, conquistada graças ao programa de habitação popular. Também foi devido à iniciativa do governo, em um dos projetos da época que facilitava o acesso ao ensino superior, que ele formou-se em sociologia.
– Este meu novo livro percorre a trajetória de nossa família. Desde este longínquo tempo no qual tudo parecia estar melhorando, até os dias atuais. Passando por todas as turbulências e dificuldades, a história do país se mistura com a dos meus parentes...
– A ascensão do governo de ultradireita, com todos os seus retrocessos. A morte de minha bisavó, esquecida no corredor de um hospital público. O assassinato de seu filho mais novo, por ser preto e pobre – a voz fica embargada pela emoção. E assim por diante...
– Mas hoje, finalmente, a história de minha família pode ser contada. E a do nosso país também...

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