O ilustre escritor é convidado a subir ao palco
e a tomar o seu devido lugar para proferir o esperado discurso:
– Minhas palavras serão breves e sem
formalidades – emociona-se, olha para baixo. Falarei sobre minha bisavó, fonte
inspiradora deste meu último trabalho. Batalhadora, migrante da região nordeste
do país, sem estudo mas com muita sabedoria, impregnou sua personalidade na
história da família.
– Meu avô, o mais velho dos seus cinco filhos, sempre
nos falava do jeito alegre e brincalhão que ela tinha. Dizia que todas as vezes
que chegavam em casa, ela olhava para os lados e perguntava: “Onde estão as
chaves do palácio?”. Era uma moradia simples, conquistada graças ao programa de
habitação popular. Também foi devido à iniciativa do governo, em um dos
projetos da época que facilitava o acesso ao ensino superior, que ele formou-se
em sociologia.
– Este meu novo livro percorre a trajetória de
nossa família. Desde este longínquo tempo no qual tudo parecia estar
melhorando, até os dias atuais. Passando por todas as turbulências e
dificuldades, a história do país se mistura com a dos meus parentes...
– A ascensão do governo de ultradireita, com
todos os seus retrocessos. A morte de minha bisavó, esquecida no corredor de um
hospital público. O assassinato de seu filho mais novo, por ser preto e pobre –
a voz fica embargada pela emoção. E assim por diante...
– Mas hoje, finalmente, a história de minha
família pode ser contada. E a do nosso país também...
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