Meu nome é multidão.
Costumo espalhar-me pelos corredores das estações de trem ou metrô. Desloco-me
com maior ou menor dificuldade, dependendo da minha concentração. Não penso, ou
melhor, sou dotada de um pensamento coletivo.
Às vezes travo; e isto
geralmente acontece nas saídas das escadas ou esteiras rolantes. Nestas ocasiões,
minha densidade aumenta a tal ponto que chego a ficar paralisada. Minhas partículas
se desesperam, porque se veem sem saída, umas prendendo as outras. Por trás é a
escada ou esteira rolante que não para de empurrar para frente, aonde tudo vai
amontoando... Aí então começam os meus movimentos descontrolados. Perco a compostura.
Meu equilíbrio é instável,
e pode ser afetado por uma interferência mínima qualquer. Mínima para mim, com
minhas gigantescas proporções, mas que pode ser uma situação dramática para
algumas de minhas partículas. Por exemplo, um empurrão, um grito, ou até um
tiro, tudo isto para mim são coisas pequenas, pois é uma questão de
relatividade. Se você sente uma agulhada momentânea, localizada em algum ponto
qualquer do corpo, sem consequência alguma, vai se preocupar com isso? Lógico
que não! Pois é o que deveria acontecer comigo. Mas o problema é que minhas “células-pessoas”
são muito sensíveis. Vão transmitindo e reagindo umas com as outras, reação em
cadeia que vai se espalhando e amplificando...
Muitas vezes, meu
pensamento coletivo é irracional, diria que até bestial, o que pode parecer
incoerente, visto que cada um dos meus ínfimos elementos se julga tão inteligente.
É quando a soma das partes dá algo bem menor que o todo. Isto acontece quando,
por algum motivo, acredito estar passando por algum perigo. Verdadeira ou não,
esta sensação em mim provoca grandes convulsões. Sou capaz de tudo. É por isso
que dizem que sou imprevisível.
Os políticos, líderes e
ditadores, todos eles me adoram. Conduzem-me por caminhos convenientes, quase
nunca os melhores. Sabem muito bem da minha força, conhecem o poder
transformador que tenho. Pena que sou muito manipulável, sugestionável, e não
sei distinguir quem está querendo o meu bem de quem não está...
Mas tudo bem, vou tocando
a vida, pelos corredores das estações de trem ou do metrô, em frente aos palanques,
palcos, inundando ruas... Aonde quer que eu esteja, serei sempre a mesma. Irracional,
instável, bestial, imprevisível, manipulável, ingênua... Esta sou eu. Meu nome é
multidão.
2 comentários:
Parabéns Amigo!
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