Algo
me chama a atenção e olho para o alto. Vejo um beija-flor, aflito, voando de um
lado para outro, tentando escapar por uma das janelas lacradas com vidro
transparente. Penso: poxa, por que ele não passa por baixo?
Tenho
que explicar o cenário para o leitor. Vamos lá! Está preparado? Imagine um
estacionamento coberto. Ótimo. Agora amplie o pé direito. Não tem nada a ver
com o seu pé ou quanto você calça. Refiro-me ao termo “pé direito”, comum em
engenharia civil ou arquitetura. Entendido? Então, o vão entre o piso e a laje
superior tem bem uns oito metros ou até mais... Em dois dos lados não há
paredes, e é justamente por aí que o tal do beija-flor pode escapar. Um espaço
livre, com os seus cinco metros de altura, acima do qual começam as paredes nas
quais estão as já citadas janelas, mostrando retângulos de céu azul.
Descrito
o cenário, agora você pode então compartilhar da angústia retratada neste
terrível problema vivido pelo nosso belo e rápido espécime de pássaro. Fica ele
lá no alto, fascinado pelos retângulos azuis. Para na frente de um, de outro,
de um, de outro... Mantém-se a uma distância de uns dois ou três metros do
vidro. Não avança. De alguma maneira sabe que não dá para passar.
Tento
uma comunicação impossível. Falo em volume baixo, mas mesmo assim sinto-me um
pouco envergonhado, pois desconfio que sou ouvido por alguém que passa ao meu
lado. “Abaixa amiguinho, abaixa!”, é o que digo. Falar sozinho não é
conveniente. Tampouco conversar com pássaros em lugares públicos. Mas isso não
importa. Estamos diante de um grave problema de um pequeno ser que se sente
preso sem estar preso. Ele não sabe como sair, não consegue ver. Pousa em um
cano que passa lá no alto, perto do teto...
Para
nós, que estamos olhando de outro ângulo, é tão óbvio. É só voar mais baixo,
para então vislumbrar todo o espaço aberto por onde se pode escapar. Porém, a
atração das janelas azuis é forte. Como uma lâmpada para uma mariposa. Luz, céu
azul, liberdade. Mas tem a questão das limitações. O beija-flor nem sequer se
lembra de que abaixo das janelas há um grande vão, pois certamente por aí
passou, antes de encurralar-se. Falta-lhe memória. Sobra-lhe o anseio por
liberdade. Por isso não consegue distanciar-se das janelas que lhe mostram o
maravilhoso céu azul, seu tão adorado campo de voo.
Afasto-me
da cena. Não se tem tempo para libertar um beija-flor... Mas minha mente e meu
espírito lá ficaram...
Imaginei
um desfecho para o fim deste drama. O pobre pássaro, exausto de tanto voar, vai
ao chão. E lá embaixo movimenta-se, débil, no perigo dos carros que manobram ao
seu lado. Para então olhar para o alto e ver todo o espaço livre à sua frente.
Está livre!
Já
que não sei o fim real deste fato verídico, imagine você o seu fim. Alegre ou
triste. Maravilhoso ou trágico. Fantástico ou banal. E pode também elaborar mil
analogias, comparando a situação vivida pelo beija-flor com nossas vidas. Crie
uma moral da estória... E busque a sua janela azul...
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