quinta-feira, 20 de junho de 2019

VELOCIDADE DA LUZ

O trem suburbano para na estação Tamanduateí. As portas se abrem. Pessoas saem da composição e outras entram. Fecham-se as portas. Na plataforma, alguns lamentam. Poucos segundos de atraso são a causa de eles estarem, agora, lá fora. Mas eu digo que não devem se lamentar, muito pelo contrário...
Boas vindas só são transmitidas no começo da linha, o que não é o caso. Sendo assim, surge, inesperadamente e com conteúdo muito estranho, a seguinte mensagem pelos alto-falantes dos vagões:
“Senhores passageiros, este trem tem como destino outra dimensão, não obedecendo parada intermediária em nenhuma estação. A CPTM deseja a todos uma boa viagem!”.
A grande maioria dos passageiros não percebe o quão bizarra é a informação, pois estão mergulhados em seus mundos virtuais, com os olhos pregados no celular.
A composição vence a inércia com o tranco normal. Continua a acelerar também de maneira usual. Até aqui, fora a doida mensagem da dimensão, tudo normal. Mas a aceleração continua...
Passam sobre o rio Tamanduateí, divisa entre São Paulo e São Caetano do Sul, em alta velocidade. “Agora tem que começar a frear”, é o que pensam os passageiros, que começam a despregar os olhos do celular. Só que o trem não freia. Acelera mais. Espantados, veem a plataforma da estação de São Caetano passar diante de seus olhos arregalados em poucos segundos.
Quando chegam em Mauá, já não conseguem distinguir as paisagens que, de tão rápido que passam pelas janelas, parecem um mesmo borrão. Desesperam-se e já imaginam o trem descarrilando ou espatifando-se em algum fim de linha qualquer.
E a aceleração continua aumentando absurdamente. Perto de Paranapiacaba, os incrédulos viajantes notam que o chão começa a se afastar. A composição está flutuando! No interior dos vagões, desorientação e comoção. Do lado de fora, na região muito pouco habitada, é provável que ninguém esteja vendo um trem voando e ganhando cada vez mais velocidade e altitude, deixando para trás e para baixo a serra do mar...
E a alucinante aventura dos passageiros continua, agora dando a volta em torno da Terra. Uma volta, duas, e assim por diante... Rumo à velocidade da luz!
(...)
Após esta impossível jornada, a composição desacelera, perde altitude, pousa suavemente no mesmo trilho e chega normalmente na estação Tamanduateí, que não é a mesma... Muito mais moderna...
Antes de abrir as portas, uma nova mensagem nos alto-falantes dos vagões:
“Senhores passageiros, agradecemos a participação em nosso pioneiro e audacioso projeto intitulado ‘Velocidade da Luz', cujo objetivo é desbravar novas fronteiras do conhecimento, alçando o nosso país ao mais elevado patamar científico do planeta. Sintam-se honrados por terem contribuído, mesmo que involuntariamente, para a realização desta gloriosa empreitada. Mesmo assim, não podemos deixar de pedir desculpas pela ligeira distorção do tempo, causada pela altíssima velocidade, próxima à da luz...”.
E, no exato instante em que as portas do trem se abrem, ouve-se:
“Sejam bem-vindos ao ano de 2136!”.
Enquanto poucos minutos se passaram para eles, aprisionados em um fantástico trem, na Terra passaram-se muitas décadas. Todos os seus entes queridos estão mortos.
Atordoados, os passageiros cambaleiam para fora do trem. Nem sequer percebem o arremate final da mensagem governamental:
“Tudo pelo bem da pátria!”.