terça-feira, 27 de dezembro de 2016

PAPAI NOEL



“Você montou a árvore?”, pergunto assim que entro na sala. “Tá montada faz tempo”, responde minha esposa. Por quantos dias não enxerguei a árvore de natal de dois metros de altura? Uns três dias, talvez. Também, pra quem não enxergou o novo painel com rack instalado bem no meio da parede da sala, tudo se pode esperar, qualquer distração é pouca... Confesso que esta falta por mim cometida tem a ver somente com extrema distração, ou total desprezo por tudo aquilo que não está no meu foco. Ou seja, como a árvore não estava no meu caminho, ou como não tive que desviar da minha rota de todos os dias normais, igualmente não desviei a vista para o lado, nem ao menos os poucos trinta graus necessários para focalizar a grande árvore, tão cuidadosamente enfeitada... É, a coisa tá ficando séria...
Mas parece que eu não sou o único a ignorar os enfeites de natal. Olhando para as ruas, para as casas e prédios por aí, reparei que neste ano as luzes diminuíram bastante. Foram esquecidas. A causa disto talvez seja a tal da crise, com seus milhões de desempregados e naturais desdobramentos socioeconômicos. Outra possível causa tem explicação na correria do dia-a-dia a que todos nós estamos sujeitos. O tempo passa tão rápido que minha esposa costuma falar que não vale a pena tirar os enfeites em um ano para colocá-los no ano seguinte. “Pra quê? O ano passa tão rápido que não vale a pena”, diz ela... É, a coisa tá ficando séria...
Mas será que a razão destes sintomas “antinatalinos” não se encontra na distração, na crise ou na correria, mas sim em algo mais dramático, como por exemplo, “o espírito de natal está morrendo”? Estas ideias me fazem contar o que aconteceu com minha sobrinha-neta, de quatro anos, nesta noite de natal. Lá foi o meu sobrinho, como vem fazendo nos dois últimos natais, vestir-se mais uma vez com a roupa do Papai Noel. A menina ficou desconfiada, encarava o barbudo, olhava nos seus olhos. Depois de todo o cerimonial clássico, envolvendo aquelas perguntas do tipo “você foi uma boa menina?” e a tão esperada entrega do presente, ele sai de cena, para trocar a roupa de “Papai Noel” pela de “papai”. Quando volta, a pequenina fala, na lata: “Era o papai que estava vestido de Papai Noel”. Diante desta descoberta, parece que foram os adultos que mais sentiram a quebra do encanto natalino. Minha mãe chegou a considerar que ela poderia ter ficado, de certa maneira, chocada com o acontecido. Mas que nada! Pois que agora, quando perguntam para a garotinha se o Papai Noel existe, a resposta é sempre a mesma e sem sombra de dúvida: ”Sim”.
Ela está certa, o Papai Noel existe, acima de qualquer desmascarada. Mesmo que os enfeites diminuam, ou que os distraídos não percebam árvores de natal de dois metros de altura. Apesar de tudo, ele existe.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

MERCADO MUNICIPAL, AQUI AGORA



Dia 14/11, véspera da proclamação da república, segunda-feira, emenda de feriado. Fim-de-semana prolongado, com chuvas igualmente prolongadas... O que fazer nesta tarde, para onde passear? Depois de descartar as demais alternativas, o mercado municipal surge como o lugar ideal. Pode chover que não tem problema, pois é coberto. Lugar histórico, com uma bela e preservada arquitetura.
A família é composta por quatro integrantes, mas só três decidem passear. Odranoel, o filho de 16 anos, quer ficar em casa, jogando no computador. Esinom, a filha de 22, está ansiosa para conhecer o ponto turístico. Asiram, a mãe, 52 anos, faz uns 40 ou mais que seus pés não pisam o chão daquele secular mercado. Também está ansiosa com o passeio. Antes de mencionar o último integrante, devo dizer que a sogra também vai. Dona Ahnizeret, 76 anos, mãe da mãe, ponta firme pra qualquer parada, principalmente as loucas aventuras da família Avlis Onerom. E, fechando o quadro dos participantes desta mais nova expedição do nosso intrépido clã, Rimeda, o pai, 52 anos. Este vai porque vai. Sem entusiasmo. Tanto é que quando todos estão esperando o uber na calçada, em frente à casa, ele ouve da esposa: "Se for para ir com essa cara é melhor ficar!".
Da viagem de ida, duas coisas merecem destaque: a longa duração do trajeto e as habilidades do motorista. Durante a hora e meia de prisão no congestionamento, ouvem o condutor do veículo desfilar as suas diversificadas atividades. Neste cansativo percurso, que demora três vezes mais que o normal, ficam sabendo que ele, além de motorista de úber, é corretor de imóveis, marceneiro, padeiro e, ainda por cima, seu filho de oito anos já namora, desde os seis... Família prodígio.
Para quem não conhece, o mercado municipal de São Paulo tem dois pavimentos. O inferior comporta as muitas lojas, o mercado propriamente dito. O superior, que ocupa uma faixa lateral da grande área interna da portentosa construção, abriga alguns restaurantes. Rimeda, o pai, ao ver o preço destes restaurantes, chega à seguinte conclusão: ”Shopping é passeio de pobre. Mercado municipal que é coisa de rico!”. Então decidem comer algo mais barato, ou menos caro, na parte de baixo. Descem a escada e dão de cara com um tal de “Tigrão”, uma lanchonete e pastelaria. Pedem dois pastéis de camarão com catupiry (um para a filha, e outro para o pai), dois bolinhos de bacalhau (um para a mãe, e outro para a sogra) e dois sucos (de laranja para Esinom e de goiaba para Rimeda). Asiram, a mãe, fica indignada ao ver quanto custa o pastel: “Por esse valor eu compro quatro pastéis na feira e ainda sobra!”. Mas ela não sabe que esse do mercado é diferente. Olha, não dá pra reclamar do recheio não. Tem muito camarão mesmo, daqueles meio grandinhos. Nada daquela papinha de camarão. E ainda por cima com uma generosa quantidade de catupiry de verdade. Uma verdadeira refeição. Vale o preço.
Enquanto Rimeda e a filha deliciam-se com as últimas mordidas em seus caros e saborosos pastéis, Asiram e sua mãe vão ao banheiro. Na volta, se perdem. Precisam até ligar para marcar um ponto de encontro: “Estamos em frente ao ‘Porco Feliz’ (um açougue)”. O encontro acontece no local marcado e logo Asiram vai explicando: “A gente saiu do banheiro e chegou no ‘Tigrão’. Mas era tudo diferente, o caixa... e lá tinha mesas... Sabe esses filmes em que o cara volta pro mesmo lugar e tá tudo diferente?”. Mas isto não é nada, meu caro leitor ou ouvinte, espere só para ver. A volta destes quatro indivíduos para casa promete... Porém, antes de contar os desencontros e peripécias no retorno de nossa aventureira família, vamos passear um pouco mais pelo mercado.
“Tem pimenta?”, Rimeda pergunta ao vendedor. E este já vai lhe colocando um tantinho da farinha na palma da mão. Ele prova, constata, e comenta, ao apertar o passo e novamente se aproximar da família: “Esta é apimentada mesmo! Se a mãe comer essa farinha, pega fogo!”. Asiram tem sensibilidade com coisas apimentadas. Também tem sensibilidade com preço alto. Acha tudo caro e vive procurando os preços mais baixos. Este tipo de alergia á saudável para a saúde financeira da família Avlis Onerom, mas aqui no mercado municipal ela está sofrendo, pois não encontra nada barato. Porém, depois de muita procura, acaba por encontrar lascas de bacalhau com um valor aceitável para os seus padrões. “Tá mais barato”, ela fala e mostra para os outros três. Momentos de indecisão. Apesar de a filha dizer para aproveitar e já comprar, a mãe decide comprar depois, no final do passeio.
Corredores cheios, muita gente. Neste cenário um tanto conturbado, os vendedores nem se preocupam em gritar ou anunciar suas mercadorias. Ficam quietos, afinal tem tanta freguesia pra lá e pra cá que nem precisam fazer propaganda. Também quase não oferecem os seus produtos para degustação. Além da farinha apimentada, o que aparece para provar é somente uva, queijo e café, sendo que este último só é saboreado por Rimeda, que fica sabendo do preço: o dobro do normal, pois se trata de café orgânico, proveniente do interior... Sertãozinho? Muzambinho? O pai já não mais se lembra do nome da cidade. Quanto ao queijo, em pequenos pedaços sobre a bandeja, enquanto uma multidão de dedos procura capturá-los, recebe a aprovação de Rimeda e Esinom. Asiram, a mãe, pergunta se é muito salgado. O pai e a filha respondem que não, que o queijo é bom, macio. A uva, ao contrário, não agrada os paladares. Primeiro se interessam pelo seu formato, bastante comprido. Comentam algo e logo o vendedor oferece a fruta, dizendo que é usada para produzir a bebida “chandon-sei-lá-de-quê”. É somente Esinom que ouve este comentário, mas logo esquece o nome.
Do mercado, acabam comprando quatro paçocas e um pacote de balas. Uma paçoca para cada um deles e as balas para Odranoel. Compram também castanhas quebradas. Com relação às lascas de bacalhau, procuram por aquela que está com um preço bom, mas não mais a encontram. As lojas já estão fechando, fato este que leva à seguinte conclusão de Rimeda: “Deve estar em uma loja que já fechou”. Esinom, dirigindo-se à mãe, não deixa por menos: “Eu te falei para já comprar naquela hora!”. Após dizer isto, fala algo mais para a mãe e afasta-se, sozinha. Rimeda pensa que ela vai procurar as tais lascas, mas depois ela lhe aparece com um enorme espeto com gigantescos morangos cobertos com calda de chocolate. Ele não entende como pode caber tanta comida naquele corpinho miúdo, sem barriga nenhuma.
Pronto. Aos nossos quatro aventureiros só lhes restam o caminho de volta. E, quanto a você, estimado leitor ou ouvinte, pode se preparar. Logo adiante vêm muito mais aventuras e trapalhadas dessa turma. Vamos começar a relatar os acontecimentos a partir do ponto em que eles estão em frente ao mercado municipal, esperando o uber.
“Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”, gritam dois rapazes, postados na calçada. São os garotos-propaganda dos taxistas, uns três ou quatro que se enfileiram com seus carros brancos, rente ao meio-fio. Revezam-se nos gritos, os nossos indivíduos encarregados do marketing. E sabem fazê-lo, pois, conforme o tempo passa, a proposta “vai de táxi” fica cada vez mais tentadora, apesar do preço, consideravelmente maior. A primeira reserva do uber é cancelada pelo motorista. A segunda chamada demora a chegar, pois o trânsito está intenso. Na tela do aplicativo, o tal carrinho que aparece no mapa custa a se aproximar. Fica dando voltas, travado há vários quarteirões de distância. Enquanto isso: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”.
Então, depois de muita espera, o motorista liga para Esinom. Diz ele: “Estou em frente ao mercado municipal”. Mas que “em frente” é essa que não acham? Não entendem. Saem em busca do automóvel procurado. Modelo: Sandero. Quanto à placa, já está gravada na memória de Rimeda, que se adianta em passadas apressadas pela Avenida do Estado. Quer encontrar logo o carro encomendado, pois não deseja expor a família em andanças por lugares arriscados. Mas o problema é que ele está sem o seu celular, que, sem carga, repousa tranquilamente na mesinha da sala. Geralmente acontece isso. Ele deixa a bateria acabar e, quando está saindo, ao notar a inoperância do aparelho, acaba largando-o em casa. Mas ele, neste momento, nem está pensando em celular. O que faz somente é cravar o olho nas chapas dos carros. Quer achar rapidamente o transporte para que todos saiam logo dali. Vira a esquina e continua, sem nada encontrar. Passa por outra esquina, vai dando a volta no mercado, sem olhar para trás, e nada do uber.
Vamos agora acompanhar os outros integrantes da família, que veem Rimeda se afastar mais à frente. De repente o celular de Esinom toca. É o motorista, novamente. Ele explica que, na verdade, não está bem em frente do mercado, mas sim um pouco distante, no quarteirão ao lado. Diz o nome da rua e o número. Então, com esta nova informação, alcançam finalmente o tão procurado Sandero. Logo que Esinom avista o veículo, espera encontrar seu pai lá dentro do carro, sentado, aguardando-os. “Saiu na frente e encontrou antes da gente”, pensa ela. A surpresa não é somente dela, mas de todas as três, quando constatam o sumiço de Rimeda. Asiram sai em busca do marido, enquanto Esinom e Dona Ahnizeret acompanham a espera do motorista. Este, por sua vez, já demonstra sinais de irritação e impaciência, devido à demora e principalmente porque seu carro está parado em local totalmente irregular, sujeito a multas. Então pergunta: “Quantos anos ele tem?”. Refere-se ao indivíduo que está desaparecido, imaginando tratar-se de alguém idoso, talvez bem idoso, que está perdido por qualquer incapacidade característica da idade. A filha hesita em responder, um tanto envergonhada pelo pai. “Ele tem 52 anos”, acaba falando. O condutor do uber rebate, com uma expressão nada boa: “É mais novo que eu”.
Mudando de cena, vemos neste momento a busca de Asiram, que vai outra vez até a entrada do mercado onde ficam parados os táxis. Olha para um lado, para outro, e nada do marido. Irrita-se ao ouvir a propaganda, dita a plenos pulmões: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”. Tem que achá-lo rapidamente, pois o motorista do uber está esperando.
Onde, afinal, está Rimeda? Arrisca algum palpite? Bom, o que eu posso dizer é que ele acaba dando duas ou três voltas em torno do mercado. Quando passa em frente àquela mesma entrada, escuta a mesma ladainha: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”. Isto lhe causa uma mistura de sentimentos: arrependimento, irritação e vergonha. Olhando os propagandistas, pensa: “Será que eles me reconheceram? Será que se lembram que eu estava aqui com a minha família e que não quisemos pegar táxi? Será que perceberam que eu estou perdido, que a família se perdeu?”. E ele continua, com um olho cravado nas chapas de todos os carros e com o outro olho em busca dos seus familiares. Preocupa-se, imagina um sequestro dos entes queridos. Mas ao mesmo tempo não dá muito crédito para este cenário trágico. “É muito azar. Já não basta o azar de terem se perdido, é preciso ter outro azar em cima para serem vítimas de um sequestro”, este é o pensamento que lhe passa pela cabeça. Então muda a estratégia e inclui outro elemento para procurar. Busca por um telefone público, os “dinossauricos” e quase extintos orelhões. Encontra um em frente a uma das entradas do mercado, do outro lado da rua. Pega o aparelho e leva-o ao ouvido: sem linha. Prossegue na tentativa de encontrar uma maneira de se comunicar com a família. Cogita a ideia de pedir emprestado um celular ou entrar em algum bar ou qualquer estabelecimento comercial a fim de ligar para a esposa. Porém acha que ainda não precisa adotar esta atitude que, de certa maneira, lhe parece um tanto abusiva ou exagerada. Decide continuar a sua caça aos orelhões. Afasta-se um pouco do mercado. Até que chega a um cruzamento onde lhe aparecem três espécimes do dinossáurico meio de comunicação. “Um deles deve estar funcionando. Não é possível que os três estejam quebrados”, conclui Rimeda. E ele tem sorte, pois logo o primeiro dá linha.
Digita o número de Asiram, a cobrar. Tem certa dificuldade para ouvir a gravação, mas entende que ela quer dizer que este tipo de ligação não é permitido. Assim sendo, liga para sua casa. Odranoel atende. Ele explica para o filho a situação. Pede para ele ligar para a mãe. “Fala pra ela que é para se encontrar comigo na mesma entrada do mercado em que a gente estava antes”, estas são as palavras do pai. Então Rimeda espera, pois quer aguardar o contato do filho com a mãe, para saber como estão. Pretende conversar mais uma vez com Odranoel, antes de partir para o local do encontro.
Asiram recebe a ligação do filho com alívio, pois a mesma comprova que o marido encontra-se bem. Mas o alívio cede lugar para a impaciência quando nota a demora de Rimeda. “Já era para ele estar aqui”, conclui ela. Não consegue ficar parada, só esperando. Vai para a esquina da Avenida do Estado. Volta. Então liga para Odranoel. Depois para Esinom, para falar que podem ir embora com o uber, para não atrasar ainda mais o motorista. Mas, de alguma maneira, continuam esperando, pelo menos mais um pouco, pelo resgate do pai.
E por falar em uber, vamos dar uma olhada nos acontecimentos que cercam o cada vez mais irritado motorista. Ele sabe que se tomar uma multa, isto inviabiliza totalmente a corrida e tira-lhe também o lucro de muitas outras viagens. Enerva-se por estar estacionado em local proibido, por atrapalhar o complicado fluxo local, composto por pedestres, automóveis e carrinhos puxados por sucateiros, e vai disparando: “Por que vocês não andam todos juntos? Por que a família não anda junta? (...) Ele está sem o celular? Então que pegue o celular de alguém na rua! Fala que é uma emergência!”. Enquanto isso, Dona Ahnizeret, com seus 76 anos, sente-se cansada pela caminhada, pela espera prolongada, e já vai procurando onde se encostar, ao mesmo tempo em que diz: “Acho que dá para eu encostar aqui... Se o dono do carrinho chegar, aí eu saio”. Esinom, sempre assustada com tudo, já vê a vó desabar junto com o carrinho, no que lhe parece ser um frágil e arriscado equilíbrio... ”Já cheguei”, anuncia o sucateiro, que surge por trás da sogra de Rimeda e já vai falando: “Pode ficar, minha senhora. Eu vou sair daqui a pouquinho, mas até lá pode ficar...”. E o condutor do uber continua inquieto, pra lá e pra cá, cavando um buraco no chão com a sua impaciência.
Daquele mesmo olherão, Rimeda procura falar novamente com o filho. Tenta umas duas ou três vezes até que, por fim, a ligação completa e Odranoel atende. O pai já vai logo perguntando: “Conseguiu falar com a mãe?”. Quando fica sabendo que sim, tranquiliza-se. “Estão todos vivos e bem! Graças a Deus!”, é o que pensa. Mas o filho interrompe este breve instante graça ao dizer, chamando a atenção do pai: “Você ainda não foi se encontrar com a mãe? Ela tá esperando!”. E lá vai o marido, aliviado, encontrar-se com a esposa.
Ao se aproximar da entrada do mercado municipal, Rimeda lança o olhar ao longe, em busca de Asiram. Encontra-a voltada de costas, na esquina da Avenida do Estado. Agrada-lhe ter esta visão e, principalmente, ter a certeza de que aquelas costas, aquelas omoplatas e ombros, não lhe restam dúvidas que pertencem à sua querida esposa, sua sã e salva esposa. Tão logo se encontram, ela apressa-se em dizer: “Eu já falei pro uber ir embora!”. E imediatamente liga para a filha, na tentativa de reverter a situação.
Agora vamos acompanhar Esinom e a avó, desde o momento em que a mãe manda o uber partir. A jovem aperta o celular contra o ouvido e tenta confirmar o que acaba de ouvir. “Mãe, tem certeza que a gente pode ir embora?”. Após a resposta positiva, entram no carro, Dona Ahnizeret e a neta, com um vazio por dentro, denunciando a falta de dois integrantes da família. Vão quatro e voltam dois. Não está certo... Mas para o motorista está mais do que correto. Engolindo palavras e sentimentos negativos, esforça-se para conter a explosão. Não se conforma com o enorme tempo de espera, com o transtorno da agitação do centro da cidade, com as multas que podem aparecer... A ligação de Asiram surge realmente no último instante. Ao mesmo tempo em que Esinom ouve a boa notícia, o Sandero manobra e começa a sair. “Achou eles!”, exclama a filha. Ato contínuo, o motorista rebate, atordoado: “Eles?!? Tem mais que um perdido?”. “Não não! Eu falei errado...”, justifica-se ela, enquanto percebe que ele volta a manobrar para colocar o carro no mesmo lugar anterior.
Ufa! Tudo está resolvido. Meu caro leitor ou ouvinte, permita-me contar agora a reação de Odranoel, com seus 16 quase 17 anos, ao saber do final feliz do resgate de seu pai. A mãe liga, informa a boa notícia, e ele simplesmente diz: “Amém!”. Olha, partindo do Oel (apelido de Odranoel), este “amém” representa muita coisa mesmo, pode ter certeza.
E assim acaba a odisseia da família Avlis Onerom, só para comprovar que um simples passeio no mercado municipal da cidade de São Paulo nem sempre é tão simples assim...