quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O QUE ESTAVA FALTANDO?

Era uma vez um planeta chamado Terra. Havia muitas espécies de animais e plantas neste astro que foi agraciado com uma vida realmente exuberante. Porém, uma espécie em particular desenvolveu-se muito além das demais, e passou a considerar-se superior às outras. Denominavam-se homens.
Após notáveis avanços nas mais variadas áreas, chegou o tempo em que os homens dominaram o conhecimento do código genético, que norteava a formação dos seus próprios corpos. Assim sendo, pouco tempo após a concepção já se podia saber tudo sobre o novo ser que estava por nascer. Este mapeamento do futuro dos filhos, aliado a um acompanhamento da gravidez que possibilitava detectar os mínimos problemas na formação da vida intrauterina, tais fatores começaram a modificar a procriação da espécie.
O aborto já era totalmente permitido em grande parte do planeta. Em muitos países podia-se interromper a vida que se desenvolvia ou, em outras palavras, matar o embrião ou o feto, por qualquer motivo, ou até sem motivo algum. Por outro lado, outra grande parte do planeta só permitia o aborto em condições específicas diversas, como, por exemplo, para salvar a vida da mulher ou preservar sua saúde física ou mental, para interromper a gravidez decorrente de estupro ou incesto, em caso de malformação fetal, ou por razões econômicas ou sociais. E, finalmente, em poucos países a prática era totalmente proibida.
Então, além de todos os motivos que já existiam para abortar, começaram a surgir outros... Os grandes problemas detectados na vida intrauterina foram os primeiros a causar alterações no comportamento com relação ao aborto. Os pais queriam evitar o sofrimento. Malformação grave, microcefalia, hidrocefalia, debilidade mental, grandes problemas neurológicos ou sensoriais, síndrome de Down e muitas outras síndromes... Onde o aborto era totalmente permitido, tais situações foram cada vez mais alvo da interrupção da gravidez. E, nos outros países, as leis começaram a ser alteradas para incluir a legalidade da prática nestas situações. Até que não mais nasceram seres nestas condições. E os homens julgaram-se mais felizes por isto.
Mas a espécie humana não parou por aí. O próximo passo foi erradicar aquelas vidas nas quais, ainda no útero, detectava-se alguma doença. Não bastava evitar o nascimento das grandes desgraças, os problemas menores também passaram a ser evitados. Era preciso garantir saúde perfeita. Ter um filho era como comprar um carro zero quilômetro. Falhas no controle de qualidade não eram toleradas. Então todos os filhos nasciam sem problema algum. E os homens julgaram-se mais felizes por isto.
Prosseguindo nesta escalada em busca da “perfeição”, o mapeamento genético intrauterino denunciava aqueles DNAs que poderiam causar problemas futuros. Os primeiros alvos desta nova fase foram aqueles embriões ou fetos que carregavam grande probabilidade de gerar indivíduos que desenvolveriam, na infância ou na juventude, algum tipo de câncer ou outra doença igualmente grave. Eram todos eliminados. Por outro lado, a engenharia genética permitia o nascimento de seres que levavam uma espécie de selo de qualidade, com a saúde garantida pelos próximos 10 ou 20 anos. E cada vez mais se exigia selos de qualidade que garantissem a saúde por um tempo cada vez maior: 30, 40, 50 anos... E os homens julgaram-se mais felizes por isto.
E esta busca frenética do que se julgava “perfeito” desembocou por caminhos estranhos... Não somente a saúde absoluta era procurada, mas também outras características. Cor da pele, dos olhos, tipo físico, feições faciais... Tudo era cuidadosamente escolhido. E evitado. Problemas genéticos foram extintos. Por outro lado, tentava-se elaborar o melhor código genético, aquele que garantisse, ou que, pelo menos, melhorasse a probabilidade de gerar “indivíduos” com grandes acréscimos de qualidades como inteligência do tipo QI, inteligência emocional, criatividade, etc... E os homens julgaram-se mais felizes por isto.

Porém, estranhamente, os homens não se tornaram mais felizes. Lá no fundo, tornaram-se até mais infelizes. Faltava algo... O que estava faltando?