sábado, 30 de outubro de 2021

MILIONÁRIOS

O assunto é o quanto a gente ganhava antigamente. Então eu, para ilustrar a conversa, vou em busca do pacote onde guardo todos os meus holerites. De volta à sala, exibo o calhamaço de papéis e digo: "Olha o tanto de holerite que eu tenho! E ainda faltam quatro anos para eu me aposentar!".

O "genrão" faz uma conta rápida e rebate: "Sogrão, mais 48 desses e você já se aposenta!".

Sento e começo minha procura pelos pagamentos da época em que trabalhava como programador de computador no CREA-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo). Sei que são deste tempo os valores mais expressivos. Mês a mês vou comparando as quantias. Até que chego na maior, logo antes de um corte de três zeros.

Encho o peito para dizer a estupenda cifra que consta no campo "Salário Base": 39.263.301,00. Mais de 39 milhões! Sei lá que moeda é essa!

Os mais velhos, eu e minha esposa, comentamos sobre coisas que os mais jovens, nossa filha e seu namorado, nunca viram... Os preços só valiam para a semana. Na seguinte já aumentavam. Geralmente se ouvia: "Na segunda-feira vai aumentar!". Além de ser uma verdade, era uma maneira de assegurar a venda.

Eu com os holerites e ela com a carteira de trabalho. Lembranças do passado. Constato que foi justamente neste mês do recorde numérico em meu salário base que casamos. Ela, compradora internacional, ganhava mais do que eu. Se eu já contava com algumas dezenas de milhões, imagine a renda conjunta dos noivos! Casamento milionário!

Como resultado dessas recordações, volto ao presente com uma afirmação sobre o meu futuro: "Eu ainda voltarei a ganhar isso!".

E, logo em seguida, arremato: "Não pelo meu mérito, mas sim por esse nosso governinho desgraçado de ruim, que está se empenhando em fazer com que isso aconteça!".

Hiperinflação, eu já te conheço!

terça-feira, 5 de outubro de 2021

DOR

Momento: eu voltando com o carro da minha filha, após ter feito a revisão na concessionária.

Momento mais específico: farol fechado à frente, carros parados, eu paro também, um jovem magro e alto andando entre os veículos, mostrando um papelão menor que uma folha sulfite.

Duas palavras escritas no papelão: fome dói.

Minha atitude: procuro a bolsa, já preparada para estas frequentes ocasiões, pego um achocolatado e um pacotinho de bolacha, ofereço.

Reação do rapaz: recebe minha pequena doação e, com um sorriso no rosto, agradece.

Meus pensamentos após este acontecimento: atualmente, muita coisa, infelizmente, dói...

Miséria dói.

Desemprego dói.

Inflação dói.

Pandemia dói.

Negacionismo dói.

Corrupção dói.

Desmatamento dói.

Violência dói.

Injustiça dói.

Preconceito dói.

Ignorância dói.

Desprezo dói.

Racismo dói.

Autoritarismo dói.

Petulância dói.

E a maior dor é não saber por quanto tempo isso tudo vai doer.