Estava me preparando para começar a regar o
quintal. Carretilha com a mangueira a postos. Eis que olho para a copa do pé de
romã e vejo um bem-te-vi. O bonito pássaro parece estar com sede, pois, de
quando em quando, abre o bico, em um gesto que parece pedir água. Então começo
a falar com ele, dizendo que tem água em uma tigela de plástico junto à ponta
da cerca, perto do muro. Para que a imensa maioria dos leitores, que obviamente
não conhece o meu quintal, explico, para ficar mais fácil, que este recipiente estava
abaixo da tal ave com a qual dialogava. Fui falando e, para a minha surpresa,
parecia que ela se interessava pela minha explicação, pois acabou se
aproximando um pouco, passando para um dos galhos do pé de atemoia. Falei,
falei, insisti em convencê-la a saciar sua sede com a minha generosa oferta,
apontei para o local da tigela e, quando já achava que estava aprendendo a me
comunicar com os pássaros, vejo que o bem-te-vi se afasta e vai pousar em cima
do muro, para, instantes depois, voar para longe...
Depois deste primeiro contato com o mundo animal
do meu quintal, parti para a tarefa de regar as plantas e a horta, para
amenizar a alta temperatura de um dia de primavera, resultado de uma onda de
calor totalmente atípica, graças às mudanças climáticas que vivemos atualmente...
Quando regava o canteiro das cenouras e das
cebolinhas, comecei a ouvir uns pequenos estalidos, e logo identifiquei que os
mesmos vinham de uma mariposa que, sobre a terra, batia as asas. Foi fácil
perceber, de imediato, que ela estava morrendo. “Pois é, os animais, todos os
seres vivos, também morrem... Chegou a hora desta mariposa”, este foi o meu
primeiro pensamento ao ver a cena a uma certa distância. Mas, como os
movimentos de agonia do inseto continuavam, resolvi observar mais de perto.
Coloquei nos olhos os óculos que trago sempre pendurados no pescoço e aí pude
constatar o que realmente acontecia. Ela estava sendo comida viva por muitas
formigas! A cena era impressionante. Com as asas coladas na terra, o inseto
alado expunha todo o seu corpo para o banquete de outros pequeninos insetos,
que já haviam se deliciado com boa parte das entranhas da agonizante. Não
consegui entender como ela ainda estava viva!
Voltei à atividade da rega, mas meu pensamento
não deixou a mariposa. Imediatamente se instalou, dentro de mim, um debate
sobre o que fazer a respeito desta situação. Reconheci que as formigas apenas
buscavam a sua sobrevivência, dentro de mecanismos perfeitamente naturais e
legítimos. Outro fato que não deixava dúvida era que a pobre mariposa, de modo
algum, poderia sobreviver. Mesmo que encontrasse algum modo de livrá-la das
formigas sem prejudicá-la mais ainda, mesmo assim era impossível que escapasse à
morte. E a primeira decisão que tive foi não interferir e deixar que a natureza
seguisse o seu curso.
Mas aquelas batidas de asas tiravam a frágil estabilidade
desta minha decisão. Como ela ainda podia estar viva? Que tamanho sofrimento
ela estaria sentindo? Não podia deixar que este terror em miniatura
continuasse...
Então deixei a mangueira de lado, fechei a
torneira e fui em busca de um cano que fica encostado em um dos cantos do
quintal. Segurando-o firmemente, procurei posicionar a ponta bem sobre a cabeça
da sofredora. Apertei. O movimento das asas se intensificou, juntamente com as
patas. Tirei o cano de cima dela e verifiquei que ainda vivia. Caramba! Não queria
que ela sofresse ainda mais! O meu movimento deveria ter sido mais forte e
certeiro. Outra vez posicionei o cano sobre a pobrezinha, mas desta vez apertei
ainda mais, movimentando a arma do meu crime de um lado para outro. E assim
fiquei por alguns segundos, torcendo para que este tenha sido o golpe fatal.
Levantei o cano e constatei que, enfim, ela
havia se libertado daquele incrível sofrimento. Agora as formigas poderiam
seguir com o seu banquete sem a agonia do prato principal.