segunda-feira, 31 de agosto de 2020

EFEMERÓPTERO

Sou uma das espécies de animal que menos vive no mundo. Na verdade, eu já vivi antes, mas sob formas diferentes. Comecei como uma ninfa, vivendo na água por um ano. Depois subi à superfície e me transformei em um subimago. Nesta nova forma, voei e pousei sobre a vegetação. No dia seguinte, ou seja, hoje de manhã, passei por outra transformação, e aqui estou eu! Mas não tenho consciência destas duas existências anteriores, então, para mim, vale mesmo esta vida de inseto na qual me encontro. Ah, você deve estar se perguntando como eu sei destas coisas... Mas você também não sabe que viveu na barriga de sua mãe? E por acaso se lembra desta vida em que vivia mergulhado dentro do útero? Acho que isto nos coloca em situações meio que parecidas, mas nem tanto... Afinal sua vida será, em média, de uns 28.000 dias, enquanto a minha será de apenas um dia.

Enquanto você ocupa seus milhares de dias com coisas como crescer, brincar, estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, constituir família, ter filhos, se aposentar, e todas as outras milhares de coisas que têm aí no meio, enquanto isso eu só tenho um propósito em minha vida: acasalar. Agora os mais assanhadinhos ou assanhadinhas vão querer estar no meu lugar, hein? Mas é melhor pensar bem! Gostariam de uma existência assim tão breve? Só tenho a lhe dizer que, quando se tem tão pouco tempo de vida, cada segundo é importante!

Só para ter uma ideia, este tempo, em que estou falando contigo, representaria, se fosse em sua vida, uns 3 meses. Pois é, estou gastando o maior tempão nesta boa ação de lhe aconselhar... Então é esta a mensagem que gostaria que ficasse em sua mente: aproveite todos os instantes da sua vida!

Enquanto isso, aqui do meu lado, vou aproveitando! Acabei de ver uma fêmea que entrou agora no enxame! Não posso perder tempo! É com essa que eu vou!

sábado, 1 de agosto de 2020

DARWIN E O MOSQUITO

Onório deitou-se. Após poucos minutos, o mosquito começou a zunir em seu ouvido. Então ele colocou o espanta-mosquito, aquele que vai na tomada e esquenta uma pastilha. Para garantir, também colocou, em outra tomada, um aparelhinho que funciona com luz ultravioleta, que atrai e mata os insetos.
“Pronto! Agora tá resolvido”.
Mas não. Enganou-se. Não contava que este mosquito, o único que por ali rondava, por alguma inexplicável razão, não seria espantado pelo cheiro exalado pela pastilha. Algo em seu pequeno organismo garantia esta imunidade, um desvio genético lhe trouxe esta vantagem. E, para a desgraça de Onório, a vantagem também se estendia à ação da outra arma, conectada na outra tomada, pois a luz ultravioleta não exercia influência alguma sobre o enxerido zumbidor alado.
A única influência capaz de atingir o estranho e incomum inseto era a atração que orelha de Onório lhe provocava.
O tempo escoava, embalado pelos zunidos, uma serenata de amor de um mosquito apaixonado por uma orelha.
Imagine se este incomum inseto, acidentalmente dotado de uma genética que lhe garantia uma vantagem competitiva enorme, imagine se, ao procriar-se, passasse estes dotes aos descendentes... Seria o início de uma nova espécie... Um supermosquito! Uma verdadeira proeza da seleção natural de Darwin!
Mas Darwin não contava com a raiva, a explosão e o reflexo de Onório que, agarrando e girando o travesseiro no movimento em arco do braço, estatelou o mosquito na parede, esmagado pela fronha!