sábado, 22 de outubro de 2011

A grande experiência


Olá!

Seja bem-vindo ao meu blog.

O texto de inauguração ficou mais longo do que eu queria, ou do que deveria ser... Mas prometo que os próximos sairão bem mais curtos. É como uma série de televisão que começa com um longa-metragem.

Então pare. Largue a mão da correria e da pressa que sufoca a todos nós. Sei que você está com uma tentação enorme de sair desta página. Já olhou o tamanho do conto abaixo. O “X” no canto superior direito parece clamar: “Clique-me, clique-me, clique-me...”. Ou, melhor ainda, o “Favoritos” está até piscando, ansioso para ser acionado. MAS NÃO FAÇA ISSO! Dê um tempo, reserve alguns minutos e leia “A grande experiência”. Você vai gostar, valerá a pena. É uma ideia maluca, mas nem tanto... E talvez, ao final da sua leitura, você coloque o contogotas no “Favoritos”. Será uma honra para mim.


A GRANDE EXPERIÊNCIA

Cinquenta mil. Esta é a quantidade de pessoas que participarão da grandiosa experiência. Nem um a mais, nem um a menos. Exatamente cinquenta mil. Selecionados de um total de aproximadamente um milhão de indivíduos que se interessaram em contribuir...
Chegam ao estádio entusiasmados. Cada um deles se sentindo parte de algo maior, movidos por um grande propósito comum. Pouco falam. Mas parece que todos se comunicam sem palavras.
Uma ansiedade no ar. Uma pressa em ver tudo chegar ao ponto culminante. Todos acreditam que dará certo. Não há céticos. Passam pela catraca eletrônica com olhar de Dom Quixote, acreditando piamente que seus moinhos de vento são gigantes a vencer.
Uma esperança no ar. Depois do que acontecer no centro do campo de futebol (se acontecer), o mundo não será mais o mesmo. Certamente não.
Vários cientistas, dentre eles os mais desconfiados e descrentes, justamente aqueles que se pronunciaram contra esta revolucionária experiência, foram convidados a inspecionar todo o processo. A maioria deles recusou o convite, porém alguns poucos aceitaram. Não importa, assim já está bom. É o suficiente para dar credibilidade ao projeto...
“Projeto, experiência, afinal, o que está acontecendo? Não estou entendendo nada!”, com estas palavras (ou algo parecido) deve estar reagindo você, leitor, e também todos os outros leitores... Mas eu peço para que tenha paciência. Não posso seguir no ritmo que você deseja...
É preciso dizer agora que toda esta iniciativa, esta “megaexperiência” que comecei a narrar, nada disto estaria acontecendo se não fosse pela recente descoberta de um certo neutrino, uma partícula subatômica, que conseguiu viajar a uma velocidade ligeiramente superior à da luz. Este fato chacoalhou o mundo científico. O que parecia comprovar que a Teoria da Relatividade de Einstein estava errada, foi o estopim para uma série de discussões e mobilizações... A fim de entender o comportamento estranho do neutrino que ousou superar a velocidade da luz, surgiu a explicação de que a tal partícula subatômica teria entrado em outra dimensão. Em sua viagem instantânea, escapou da dimensão em que vivemos e foi parar em outra, em algum lugar fora da nossa realidade, para depois voltar ao nosso mundo, bem mais adiante, passando a perna na insuperável velocidade da luz. Enfim, a “outra dimensão”, tão falada pelos ocultistas, místicos, religiosos e outras correntes do gênero, deixava de ser algo abstrato para se tornar parte de uma explicação científica.
Não havia como negar. Um fragmento de um mundo desconhecido pela ciência dos homens acabou por se intrometer em uma avançadíssima pesquisa na área da física subatômica. Para os mais místicos e esperançosos, era o começo de uma nova era, na qual a ciência se aproximaria da religião. O que sempre pareceu serem polos opostos, uniriam-se as duas em busca de uma “verdade científico-religiosa”... E no bojo de todo este movimento, alguém teve a ideia de colocar cinquenta mil indivíduos em um estádio de futebol, dentro de um experimento absolutamente controlado, com o intuito de comprovar que pessoas normais, quando unidas em grande quantidade e com um propósito comum, são capazes de realizar feitos incríveis...
A telecinese nunca foi reconhecida pela ciência. A movimentação de objetos pelo poder da mente, ou por qualquer outra força fora das leis da física, pertencia, segundo os cientistas, ao terreno da fantasia e seria, ainda, uma das modalidades do charlatanismo, com o propósito de explorar a fé das pessoas mais impressionáveis.   
Cinquenta mil. Mesmo contando com um número enorme de participantes, ficou decidido que esta primeira tentativa teria como propósito movimentar um objeto bastante leve. Caso haja sucesso, as próximas iniciativas buscarão metas mais ousadas...
O estádio é coberto. Assim é melhor, pois evita que as intempéries do tempo, como chuva ou vento, atrapalhem o resultado. Mesmo assim, o dia está colaborando. Uma bonita manhã de primavera, com céu limpo e ar fresco...
Os olhares das pessoas se cruzam, entusiasmados. Sorriem umas para as outras. É um estado de concentração coletivo. O silêncio predomina, pois as palavras estragariam, quebrariam o encanto. Deslocam-se entre as fileiras de cadeiras com gestos de cordialidade. Sentam-se e esperam.
Mas é fácil perceber aqueles que estão se contendo. Na verdade querem falar, falar bastante, comentar esta grande realização, discorrer sobre cada detalhe de tudo que as levaram a estarem aqui e agora, como protagonistas de algo que, se bem sucedido, certamente ficará registrado na história da humanidade. Querem dizer aquilo que ouviram sobre os próximos passos, o que está previsto para as fases seguintes do projeto maior, caso o mesmo continue como planejado. Os desafios que novas multidões de pessoas, reunidas nos mais variados cantos do planeta, teriam pela frente. Desafios cada vez maiores, que não se limitariam apenas à movimentação de objetos. Outras coisas, fascinantes coisas... No entanto não ousam abrir a boca. Sabem que poucas palavras economizam energia. Entendem que esta atitude potencializa o enfoque sobre o grandioso e imediato objetivo a cumprir... Mas seus olhos os traem. Os lábios apertados esforçam-se para conter a enxurrada de palavras, porém tudo que aí foi represado acaba transbordando pelos olhos, que se movimentam rapidamente de um lado para outro, transparentes, brilhantes, úmidos de emoção...
Todos estão nos seus devidos lugares. Pela catraca eletrônica do estádio não passará mais nenhum participante. Cinquenta mil. Exatamente cinquenta mil. Ninguém faltou. E agora todos estão olhando para o centro do campo de futebol. Somente se desconcentram deste alvo quando vão procurar os mostradores dos seus relógios. Olham, conferem o horário. Voltam a atenção para o ponto onde a bola é colocada no início do jogo. Por enquanto, nada de diferente.
De repente as cabeças buscam o telão do estádio. Estava apagado, mas agora começa a apresentar o horário, em números bem grandes. Foi acionado exatamente às 10h30min. Faltam menos de seis minutos. Dez horas e trinta e seis minutos. É a hora marcada para começar.
Mas por que um horário assim quebrado? Por que não 10h30min, 11h00min ou mesmo 10h45min? Trinta e seis, tinha que ser 36? Bom, para encurtar a explicação, direi apenas que se trata de decisão do idealizador deste grande projeto. O mesmo diz que o 36 lhe perseguiu durante vários momentos de sua vida, principalmente nos mais marcantes, relacionando-se quase sempre a fatos positivos. “Então, de uns tempos para cá, decidi passar de ‘perseguido’ para ‘perseguidor’ ”, disse ele, em entrevista coletiva, há algumas semanas. “Agora, sempre que posso, coloco o 36 em tudo aquilo que for importante para mim. É por isso que está marcado para começar exatamente às 10h36min”, concluiu Rimeda, o visionário que está à frente de todo este movimento que pretende abalar os alicerces da ciência tradicional.
Dezenas de milhares de olhos arregalados acompanham a passagem dos segundos pelo telão que virou um enorme relógio digital. Só desviam a atenção deste alvo para mirar o centro do campo.
No instante em que os dígitos indicam “10:34:00”, inicia-se a abertura automática de uma espécie de alçapão, de um metro quadrado, situado exatamente no centro do campo de futebol. Agora o telão mostra, de perto, o que está surgindo debaixo da terra. Mas não deixa de apresentar, ainda com números bastante visíveis no canto superior esquerdo, a dança dos segundos com seu rígido compasso.
Falta um minuto. Está tudo preparado. Todos veem a bola de pingue-pongue repousada sobre a base de um pequeno cone oco em posição invertida. O vértice do cone prende-se a uma estrutura tubular metálica de um metro de altura. Uma parede circular de vidro, de alguma maneira fixada na estrutura tubular, protege lateralmente a pequena bola de eventuais rajadas de vento que a derrubariam, ou que prejudicariam a experiência... Enfim, trata-se de uma engenhosa base para sustentar uma leve esfera branca.
Restam poucos segundos para começar. As atitudes se dividem. Há aqueles que simplesmente baixam as pálpebras, interiorizando-se serenamente, mantendo o pescoço ereto. Outros cerram os olhos e voltam o rosto para baixo, com as têmporas ligeiramente contraídas. Outros, ainda, mantêm cravados os olhos na bola de pingue-pongue, quer seja através do telão ou diretamente voltados para o centro do gramado. Respirações apertadas, friccionadas, focalizando as energias para um único ponto, uma única vontade. Mas há também as respirações tranquilas, que parecem tudo envolver, carinhosamente. Realmente, vemos que existem muitas maneiras dos indivíduos se concentrarem.
O colorido das roupas, alguém veste uma fina blusa marrom, uma mão ajeita uma mecha de cabelo loiro... O tempo parece parar. Ninguém mais liga para o relógio digital no canto do telão. Ele continua, em sua monótona tarefa de contar os segundos, querendo provar que o tempo não parou. Todos sabem que o momento é agora, quando todas as atenções devem se voltar para a pequena esfera branca, no propósito único de suspendê-la.
Passam-se alguns instantes. Não há sinal de movimentação da bolinha. Ela continua absolutamente estática, sobre a estrutura que foi especialmente criada para apoiá-la. Algumas mentes perdem a intensidade de vibração. São daqueles mais fracos, menos persistentes. Por outro lado, existem outros que buscam concentrar-se ainda mais, que reforçam a certeza do sucesso, a fé de que é possível, de que vai acontecer.
Uma leve inquietação percorre as arquibancadas. Cinquenta mil pessoas. Um exército de forças mentais, psíquicas, espirituais, não importa o nome. Enfim, de tudo que não é matéria, na tentativa de erguer um pequeno pedaço de matéria. Uma batalha invisível.
Até que, finalmente, a bola de pingue-pongue rompe o seu estado de inércia e flutua no espaço. Começa tímida, elevando-se a menos de um centímetro de altura. Algo que só é percebido através da imagem ampliada no telão. Mas é o suficiente para espalhar uma onda de certeza por todo o estádio, que vai envolvendo e contaminando todos os presentes. É possível sim. Está acontecendo.
Então a pequena bola branca ergue-se mais e mais. Aproximadamente meio metro. Muitos se emocionam. A grande experiência foi um sucesso. Mas isto é apenas o primeiro passo... O que se pode dizer, com certeza, é que o mundo, daqui pra frente, nunca mais será o mesmo.