sábado, 26 de dezembro de 2015

É TEMPO DE PENSAR SOBRE O TEMPO

Convido-lhe a fazer uma experiência. A partir de agora, estabelecerei uma conexão direta com o tempo presente. Começará no próximo parágrafo, topas? Vem comigo? Se não quiser, esqueça este texto e continue pulando de galho em galho na árvore "passado-futuro", crucificado entre dois tempos que vivem a nos angustiar. Mas se topar, então vamos lá, somente "aqui-agora". Já!
 
Conjugo todos os verbos no presente do indicativo. Olho somente para o que acontece no instante em que vivo. Não penso no passado, tampouco no futuro. Não associo, percebo as coisas tal como são, pois associações geralmente nos remetem para fora do momento em que estamos.
 
Meus olhos permanecem voltados para a janela. As coisas passam, mas na verdade sou eu que passo pelas coisas. Nada importante acontece. O trem está vazio. Serpente iluminada em meio à noite. Não! Sem associações! Concentro-me nos cinco sentidos. Plataforma da estação Cidade Jardim corre ao meu lado. Fica para trás (...) Desembarque pelo lado esquerdo do trem (...) Atenção! A estação Luz, da CPTM, está interditada (...) Não quero lembrar do incêndio no Museu da Língua Portuguesa. Está no passado. Agora, o passado não existe. Mas lembro. Uma morte. Bombeiro civil (...) Novamente presente. Os sapos coacham na estação Tamanduateí. Sinfonia. Ainda nada importante. O trem chega. Entro. Não quero lembrar de nada. Só observar. Cada um no seu mundo. Ninguém percebe o mundo ao redor. Desço. Saio da estação. Ponto de ônibus. No chão tem uma garrafinha de água mineral e uma lata de coca-cola. Tem também uma pessoa. Dorme ao lado destes dois objetos. As pessoas no ponto não dão importância. São três objetos largados no chão. Chega o ônibus, para, eu entro. Perto do meu ponto de descida, na praça, o motorista conduz o veículo com extrema lentidão, faz a curva muito aberta, em um traçado que não compreendo. Entendo só depois, quando ele fala: "... cachorro folgado... dormindo no meio da rua...". Continua nada importante. Nada importante, mas curioso... Desço do ônibus, ando, chego em casa.
 
Meu tempo presente é este. E o seu? Existe? Você pratica a vivência plena do momento? Exercita os cinco sentidos? Por exemplo, em outro "agora" estou no ônibus fretado... Volta do serviço... Sinto o vento que entra pela janela aberta. Cabeça recostada no encosto da poltrona. Venta só na orelha esquerda. Faz barulho. Outra coisa sem importância. Mas agora é importante. Importante porque é presente. Porque é real.
 
Tenho a impressão que o tempo não existe. Não é bem assim... Sinto-o, sei que ele passa... Mas acho que é uma ilusão. E desconfio que quanto mais nos libertarmos desta ilusão, aplicando concentração total no presente, vivendo-o plenamente, mais nos aproximaremos da verdadeira felicidade que está reservada aos reles mortais. Mortais? (...)
 
Mas você pode achar que isto tudo é uma grande baboseira e que só perdeu "tempo" ao ler este texto... Olha o tempo aqui de novo! Tudo bem... Afinal, cada um lida com o tempo do seu modo, não é mesmo?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

LINHA DE PRODUÇÃO

Foi pensando a respeito do fechamento das escolas estaduais que comecei a buscar alguma razão para este nosso mundo insano... Procurei os motivos, tentando encontrar a mola mestra que impulsionaria todas as decisões descabidas, tudo aquilo que é torto e que, infelizmente, vai tomando conta de nossas miseráveis vidas... Uma sensação estranha me levava a crer que descobriria uma espécie de origem única para explicar (não para justificar) o porquê das coisas.
Caminhava, voltando do serviço, carregando estes pensamentos na mochila da mente, quando eis que um zíper dela se abre e despeja a resposta: LINHA DE PRODUÇÃO.
Isso! Aí está a explicação de tudo! Então as ideias vieram limpas e claras...
Voltei para o fechamento das escolas estaduais. Depois de instaurar a aprovação automática, nada mais lógico que amontoar os alunos em salas de aula superlotadas. Assim o processo fica otimizado. Ninguém repete, para não atrasar a esteira. Todo mundo junto, compactado, para garantir o ganho de escala. Linha de produção. Qualquer semelhança com aquela clássica cena do consagrado filme Pink Floyd - The Wall não é mera coincidência. Os alunos sobre a esteira no moedor de carne da escola.
A partir daí, meu pensamento começou a pipocar e a fechar todas as pontas...
Visualizei a linha de produção do consumismo, do capitalismo desenfreado. Comprar produtos, consumir bens ou serviços, tudo isso representa o último estágio da esteira que não para, nunca. Pelo contrário, vai acelerando, cada vez mais. É preciso comprar, comprar sempre. Bombardeados pelas propagandas, acreditamos ter a necessidade de adquirir os mais variados objetos de consumo. E ficamos infelizes se não conseguirmos este objetivo...
Linha de produção. Agora sei o porquê da pressa que nos oprime e nos torna opressores, vítimas e algozes. Alguém nos apressa e apressamos alguém. Contágio progressivo que nos torna eficientes engrenagens de um mundo cada vez mais acelerado. Engrenagens e esteiras devem correr o mais rápido possível, para que se lucre cada vez mais. E correr o impossível. Não podemos parar. Não podemos parar pra pensar. Linha de produção.
Mundo assim é um completo inferno para os perfeccionistas ou detalhistas como eu. Não há tempo para perfeição ou detalhe. Resta-me o consolo de poder fazer poucas coisas do jeito que quero. Escrever, dentro da literatura, é uma delas. Nesta crônica, posso demorar o tempo que eu quiser em busca da palavra perfeita. Fico imaginando se a realização do meu sonho realmente me traria felicidade. Escritor profissional. Até aí, tudo bem. Mas e o editor, no meu cangote, pressionando acima dos limites para ter altos volumes de produção, sobre os temas mais vendáveis? Neste contexto, onde fica a qualidade? Qualidade? Parece que ninguém mais está se importando com isso. Ultimamente fala-se muito em qualidade, mas pratica-se pouco. Afinal, na linha de produção do mundo não há tempo ou espaço para qualidade.
Tô fora! Pare o mundo que eu quero descer!

sábado, 17 de outubro de 2015

QUERO


Quero ver e enxergar.
Quero ouvir e escutar.
Quero sentir e me arrepiar.
Que tudo sempre tenha significado.
Quero viver instante após instante, para que a vida não passe sem que eu perceba.
E que esta obsessão pelo presente acabe com toda minha ansiedade.
Quero ter uma relação mágica com o tempo. Ampliá-lo ao sabor da imaginação.
Quero não me perder.
Quero estar sempre atento... ao que merece atenção.
Quero me distrair... quando for possível.
Quero acabar com a tagarelice mental. Menos pensamentos. Mais sensações e sentimentos. Pensar sem palavras.
Quero não me precipitar. Sentir-me sempre centrado. Dar-me ao luxo de pensar um segundo antes de falar ou fazer qualquer coisa. Mesmo que ao meu lado uma multidão me pressione, exigindo pressa e urgência para tudo... Aonde querem chegar?
(...)
Quero não querer mais nada.
Quero não querer mais n
Quero não querer m
Quero não que
Que
Q
(...)

sábado, 26 de setembro de 2015

O MELHOR DE TODOS OS JOGOS

Você gosta de jogar videogame, jogos de computador ou eSports? Pois bem, agora vou lhe apresentar o melhor de todos os jogos...
Uma das coisas mais legais é o avatar usado neste jogo. Ele é dotado dos mais avançados recursos. De tão perfeito que é, os jogadores chegam até a pensar que eles mesmos são seus próprios avatares. Os recursos multimídia são de última geração. Pode-se ver, ouvir, sentir o cheiro, o tato e até o gosto dos elementos do game.
Quando você entra no jogo, os outros jogadores que entraram antes de você escolhem o seu nickname. Este é um dos poucos pontos negativos. Depois você pode até mudar o seu nickname, mas dá muito trabalho.
Os cenários são extremamente ricos e variados, o que leva os jogadores a não enjoaram ou se cansarem. Mas, por outro lado, esta imensa variedade de opções pode fazer com que muitos até se esqueçam do verdadeiro objetivo do jogo... Na verdade, não há um objetivo fixo e definido para todos, pois cada competidor traça as suas próprias metas. Pode parecer confuso, e realmente é, mas lhe garanto que, mesmo assim, o game é sensacional...
Os jogadores mais experientes dizem que já encontraram o padrão do jogo, mas que, mesmo assim, não "fecharam" o game, pois afirmam que ele não tem fim... Comentam que as melhores jogadas são aquelas nas quais o competidor procura ajudar os outros jogadores, principalmente os adversários. Ganha-se muitos pontos com isto.
Outra dica que os mais avançados no game dão é ficar ligado no seu anjo da guarda. Muitos outros dizem que eles não existem, ou que, no máximo, pode-se invocá-los apenas no começo do jogo. Mas quem entende do game garante que os mentores, como também são chamados, acompanham todos os participantes, durante todo o tempo. Basta apenas identificar os sinais e, aos poucos, conforme for subindo de nível na competição, melhorar o avatar para que ele possa captar as mensagens vindas do seu anjo. Asseguram, ainda, que esta sintonia é essencial para obter os melhores resultados no jogo.
Uma diferença deste game com relação aos demais diz respeito ao tratamento que se deve dar ao avatar. Você deve estar acostumado a não dar muita importância para ele, não é mesmo? Arrisca-se sem medir muito as consequências, só para ganhar mais pontos, porque se for destruído pode, logo em seguida, contar com um novo, não é assim que funciona? Mas este game é completamente diferente. Deve-se cuidar muito bem do seu avatar, pois se ele morrer dentro do jogo, aí então... Bom, aqui a coisa fica meio indefinida. Há aqueles que afirmam que é game over na certa. Mas muitos outros dizem que o jogo continua de uma outra forma... Há até quem diga que o jogador pode voltar aos mesmos cenários, com um novo avatar, para uma nova partida...
É isso aí meu caro gamer, este é o melhor jogo de todos. É o JOGO DA VIDA! Disponível para download gratuito em todo o Universo!

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

COM QUANTAS PALAVRAS SE FAZ UMA CRÔNICA?


Com quantas palavras se faz uma crônica? Com quantos paus se faz uma canoa? Com quantos anos se aprende a viver?
Com quantos revolucionários se faz uma revolução? Quantas andorinhas são suficientes para que se faça verão? Quantos beijos esgotam uma paixão?
Quantos medos cabem em uma vida? Quantas incertezas nos atormentarão? Quanta ansiedade cabe em um coração?
Quantas repetições do mesmo erro antes de se acertar? Quantas vezes nem perceberemos nossos próprios erros? Quantas oportunidades de mudar desperdiçaremos?
Com quantas rimas se faz uma poesia? Quantos orgasmos antes da meno(ou andro)pausa? Quantos teremos depois?
Quantos dias antes da morte? Quantas vidas viveremos? Quantos Sóis há no Universo?
Quantas invasões na história do mundo? Quantos tiranos tomarão o poder? Quanto sangue ainda vai correr?
Quantas vezes os mesmos pensamentos cíclicos e embolorados rondarão nossa mente? Quantos dias viveremos sujeitos a uma mesma rotina? Quantos anos faltam para a aposentadoria?
Quantos filhos queremos ter? Quantos filhos tivemos? Quantos filhos perdemos?
Quanto dinheiro guardaremos? Quanto foi gasto? Quanto foi roubado?
Quantos sonhos tivemos? Quantos sonhos restaram? Quantos sonhos ainda sonharemos ter?
Quantas mentiras nos farão engolir goela abaixo, travestidas de verdades inquestionáveis? Quantos de nós seremos manipulados em favor de interesses indignos? Quantos escaparão da extensa e desumana massificação?
Quantos menos favorecidos ainda serão vítimas de ações truculentas da polícia? Quantos mais destes crimes passarão impunes? Quantas balas ainda serão perdidas em crânios e peitos inocentes?
Quantos políticos continuarão legislando em causa própria? Quantos deles dilapidarão o patrimônio público? Quantos ainda conseguirão nos enganar?
Quanto contaremos até perdermos a conta? Quanto mais suportaremos até perdermos a paciência? Quanto esperaremos pela mudança sem nada fazermos para mudar?
Quantos carros cabem na cidade de São Paulo? De quantos quilômetros será, daqui a cinco anos, o congestionamento recorde? Quanto resistirá nosso pulmão diante de tanta poluição?
Quanto tempo ficaremos imersos no mundo virtual enquanto o mundo real clama a nossa presença? Quantos vícios sugarão nossa energia e nossa alma? Quantos de nós estaremos acordados?
Quantos mais "quantos" serão necessários para dizer tudo que deve ser dito? Quantas interrogações continuarão sem resposta? Com quantas palavras se faz uma crônica?

sábado, 18 de julho de 2015

MUNDO ESTRANHO


O mundo está ficando cada vez mais estranho, ou sou eu que estou ficando cada vez mais chato... Ou então mais distante da realidade, pois é assim que a gente começa a questionar a própria realidade, e passa a encontrar estranheza onde todos os outros acham normal.

Pois, veja bem, você não acha estranho que as pessoas quase não se falam mais? Quando meu celular toca no ônibus fretado, no caminho de volta para casa depois de um dia de serviço, e me vejo falando com minha esposa em meio aos colegas de transporte coletivo, todos eles quietos e absorvidos em seus celulares, trocando mensagens, jogando, navegando na internet, nas redes sociais, vendo e-mails ou vídeos, ouvindo músicas, enfim, fazendo tudo aquilo que é possível fazer com os celulares de hoje em dia além da sua função básica e teoricamente principal que é falar como telefone normal, pois bem, quando a minha fala rompe a barreira de silêncio do silencioso mundo virtual, aí então me sinto diferente... Diferente por usar o celular de maneira antiquada... Aliás, o meu celular é um exemplo concreto de antiguidade. Poderíamos dizer que é anterior à era dos smartfones, pois de “smart” não tem nada, é um autêntico “burrofone”. Sem internet, sem câmera, sem nada... Então, um dos sintomas da crescente estranheza do mundo atual é que as pessoas não se falam mais. Onde já se viu? Achar-se diferente, ou até sentir-se envergonhado por falar ao celular?

As pessoas vivem mais no mundo virtual do que no mundo real. Perdem tempo em construir perfis nas redes sociais, muitas vezes tão distantes de como realmente são...

Quando estão passeando ou se divertindo, preocupam-se mais em tirar fotos ou filmar – para logo registrar com algum comentário nas redes sociais – do que passear ou se divertir propriamente dito, ou seja, não vivem o momento presente, o mundo real, a vida e as pessoas de carne e osso que estão ao seu lado justamente naquele preciso instante...

Nos almoços, jantares, festas ou quaisquer outras reuniões sociais, ao invés de interagirem com aqueles que os cercam nos ambientes onde se encontram, mergulham em seus celulares, em uma alienação voluntária do mundo real. E aqueles que não mergulham nesta alienação, por sua vez também se sentem alienados, visto que se encontram abandonados, cercados por indivíduos isolados, cada qual com o seu celular na mão...

O motorista do fretado me pergunta: “Tem WhatsApp?”. Não, não tenho. Alguém do banco me liga, oferecendo um aplicativo que tornará minhas transações financeiras mais “seguras”. “Obrigado, meu celular não baixa aplicativos”. O vendedor de uma grande loja, depois de me dar algumas orientações técnicas sobre bombas d'água, percebendo que estou fazendo uma pesquisa de mercado, sugere: “Tire uma foto da etiqueta do produto”. Não dá, meu celular não tira fotos.

Dentro deste contexto, o estranho sou eu. No entanto, ainda acho que o mundo está muito estranho ultimamente. Só queria saber onde isto tudo vai dar... Você sabe?

segunda-feira, 22 de junho de 2015

BASTA!!!


O Senhor do Mundo está sentado. Na parede à sua frente um relógio de ponteiros. Ele se distrai observando o tique-taque do ponteiro mais fino, saltando a cada segundo, para marcar o tempo, para provar que o tempo existe. Tique taque tique taque tique taque tique taque tique taque tique... Ideia! O Senhor do Mundo acaba de ter uma ideia. Ideia para torná-lo ainda mais rico e poderoso.

“Vou acelerar os relógios!”, esta frase sintetiza tudo. “Vou acelerar todos os relógios do mundo”, prossegue ele falando sozinho, maravilhado com a sua descoberta. Tão simples e ao mesmo tempo tão lucrativa. Por alguns instantes pensa nas dificuldades para implementar a sua ideia. Mas então se lembra que é o Senhor do Mundo. Para o Senhor do Mundo não há dificuldades. Nenhuma.

Imediatamente entra em contato com o Senhor da Tecnologia, seu subalterno, e ordena-lhe que invente um aparelho que controle todos os relógios do mundo. Não há nada impossível para o Senhor da Tecnologia. Quando este apresenta o aparelho pronto para o seu superior, recebe outra ordem: “Acelere os relógios! Vamos começar devagar... Faça com que o dia tenha 25 horas”.

Mas o Senhor do Mundo não dá ponto sem nó. Sem demora faz com que todos saibam que a hora excedente deve ser utilizada para o expediente do trabalho. Portanto, a ordem é retardar a saída do serviço. Outra determinação é não estabelecer novos prazos ou metas. Se alguém, antes da mudança no horário, cumpria uma determinada tarefa em, por exemplo, exatas duas horas, após a mudança no horário deverá manter o prazo de duas horas. Porém a nova hora do dia com 25 horas será menor que a antiga hora do dia com 24 horas, fato este que obrigará o sujeito a acelerar um pouco o seu ritmo a fim de não exceder o novo horário...

E a pressão aumenta: dia com 26 horas, depois com 27, 28, 29 e assim por diante... Até que o dia fica com 36 horas. O sujeito entra na empresa às 8 horas e o expediente só termina às 23 horas. Meia-noite só chega quando o relógio bate 36 horas... Resultado: para acompanhar o aumento da velocidade dos relógios, todo mundo vai correndo cada vez mais, produzindo cada vez mais e tornando o Senhor do Mundo cada vez mais rico e poderoso. A pressa toma conta de todo mundo, em tudo que estiverem fazendo, no trabalho ou fora dele. É preciso correr para acompanhar o relógio.

E a pressão continua aumentando. Não há limites para o Senhor do Mundo. Cada vez mais horas no dia, os relógios cada vez mais rápidos, as horas cada vez menores, e todo mundo correndo cada vez mais para dar conta de tudo...

Mas o limite do Senhor do Mundo foi o Senhor do Tempo.

O Senhor do Tempo viu que estava tudo errado.

Então o Senhor do Tempo deu um enorme grito: BASTA!!!

E o tempo parou.

E esta estória acabou.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

MORTE PADRÃO


Deveria existir uma morte padrão, igual para todo mundo. Sem sofrimento, apenas desaparecer. Então seria assim, o sujeito daria falta de alguém e perguntaria para outro: onde está fulano? E este alguém responderia para o sujeito: morreu.


Para que se tivesse certeza da morte, seriam necessárias algumas condições. Alguém teria que ver o indivíduo morrer, ou melhor, desaparecer. Ou então, caso não houvesse ninguém por perto no momento fatídico, poderiam ser observadas as pistas: peças de roupa caídas no chão, sobre cadeiras ou poltronas, enfim, sobre qualquer lugar onde a pessoa tivesse morrido. Deu para perceber que só a pessoa sumiria, sobrando apenas suas vestimentas. Cenas inacabadas também denunciariam a morte, como, por exemplo, uma mangueira aberta vazando água pelo chão, uma bicicleta caída na rua, um guarda-chuva rolando ao vento, um cachorro perdido com coleira e guia arrastando pela calçada...


Por pura questão de lógica, as doenças acabariam. Afinal, qual é a função principal da doença? Matar o corpo, de uma vez ou aos poucos. Mas a questão da morte já estaria resolvida, seria um simples desaparecimento, independente de qualquer doença. Câncer, ataque cardíaco, AVC, tudo isto perderia a razão de existir. O sujeito não precisaria de nada disto para morrer.


No entanto, para que houvesse uma certa ordem, seria necessário que ninguém morresse dirigindo ou pilotando algo que colocasse em risco outras pessoas, como um avião, uma locomotiva, ou até um carro ou uma moto. Quando se tivesse no comando destas ou de outras máquinas que trouxessem prejuízos quando abandonadas instantaneamente, nestas situações seria proibido morrer. Enfim, a morte chegaria apenas em situações inofensivas, para atingir somente aquele que deve morrer. Exemplo de situação inofensiva é eu morrer, ou melhor, desaparecer agora, deixando cair a caneta (é, eu não estou escrevendo no computador, e sim com caneta) sobre o caderno com o texto inacabado... Ou você, que está lendo estas palavras, não chegar ao final da frase...


Para garantir o funcionamento deste esquema de mortes por simples desaparecimento, também seriam proibidas as mortes por acidente, de qualquer tipo. Igualmente não permitidos os meios de abreviar a vida, por assassinatos, suicídios, ou quaisquer outras maneiras possíveis. Os acidentes poderiam até acontecer, os tiros poderiam ser dados, mas os corpos permaneceriam intactos. Não me pergunte como, mas seria assim que aconteceria. A morte viria sem traumas, sem acidentes, sem ninguém provocar, apenas com a desintegração instantânea e indolor do corpo, quando chegasse a hora...


Imagine só um jogo de futebol. O narrador falaria mais ou menos assim: “Fulano arranca pela lateral direita, dá o breque, dribla o zagueiro, cruza para a cabeça da área em busca do centroavante que está sozinho, que... Morreu!!!”. Restaria apenas o uniforme e as chuteiras largadas sobre o gramado.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

NÃO COMPREENDO


Se você não tem paciência de ler, então nem comece. Hoje em dia já não se para pra mais nada. Ler perde tempo. Cansa. Eu compreendo.

Se você chegou neste parágrafo, mesmo assim não vou me alegrar. Sei que a leitura pode ser interrompida a qualquer momento. Uma mensagem no celular, um e-mail, alguma novidade na rede social... São coisas mais importantes. Eu compreendo.

Se você ainda está lendo, pode ser porque está curioso em saber no que vai dar este texto. Mas eu já lhe adianto: não vai dar em nada. Pode parar de ler. Eu compreendo.

Se você insiste em continuar na leitura, isto pode ser sintoma de uma simples teimosia. Ou então você é um daqueles sujeitos que têm, por princípio, não interromper nada que tenha começado... Eu compreendo.

Se você não está gostando deste texto, se está entediado com tantos “se você” e “eu compreendo”, tudo bem, eu compreendo.

Se você já percebeu que eu me ferrei com esta crônica ridícula, amarrada por uma regra idiota, sem saber como continuar este textinho safado, e se com isto está com ódio ou pena deste pobre pretenso escritor que vos escreve... Tudo bem. Eu compreendo.

Se você agora só está pensando em acabar de ler, com o único objetivo de ter mais elementos para me criticar, tudo bem, eu compreendo.

Se você pulou algumas linhas deste texto, com o intuito de diminuir o sofrimento, tudo bem, eu compreendo.

Agora se você, leitor, chegou até este ponto sem pular nada e, ainda por cima, gostou deste meu texto e até sentiu-se preso por ele, então eu, sinceramente, não compreendo...

quinta-feira, 12 de março de 2015

QUAL É A COR DO VESTIDO?


Qual é a cor do vestido? Esta é a pergunta que meu colega de serviço me faz, mostrando no celular a foto de um vestido listrado. Dourado e branco, é o que respondo. Eu vejo azul e preto, diz ele. Outra colega também vê estas mesmas cores. Uma terceira colega empata novamente o jogo ao dizer dourado e branco. E o placar segue disputado, sem definição. Surgem comentários e explicações:

“Acho que os mais velhos veem dourado e branco”,

“Eu vi a explicação de um especialista. Tem a ver com a cor do fundo e a luminosidade. Quando a gente vê, acaba fazendo uma compensação”,

“Tá bombando na internet”,

“Um cara postou essa foto do vestido da madrinha de casamento dele. Aí correu o mundo. Cada um vê de uma cor”.

Chego em casa e, antes de sair da sala para ir jantar, o telejornal também fala do tal vestido que muda de cor. Na cozinha, comento com minha esposa sobre o intrigante vestido capaz de parar a internet. “Não acredito que vocês também estão falando sobre esse vestido”, diz minha filha ao chegar perto da mesa. A refeição é interrompida. Vamos todos ao computador onde o meu filho está. É preciso saber e conferir que cores cada um de nós vê. Caminho até lá com a certeza de ver novamente dourado e branco, mas vejo azul e preto, as mesmas cores que minha esposa, filha e filho veem. “No serviço eu vi dourado e branco, mas agora estou vendo azul e preto!”, falo eu, surpreso com a mudança. “Tem gente que vê as duas cores”, explica minha filha. E meu filho não se conforma: “Como que você viu dourado e branco?! Impossível! É azul e preto!”.

Cansado de vestidos e cores, após o jantar sento no sofá e distraio-me em frente a televisão...

Minha filha entra na sala e acende a luz. “Nossa, pai! Não sei como você consegue ver TV com tudo escuro!”. Não acredito! Ela está preto e branco! Como nos televisores antigos! Minha filha e sua roupa também em diversos tons de cinza! Esfrego os olhos. Ela ainda está monocromática. Faço de conta que tudo está normal. Deve ser algum piripaque momentâneo, logo logo vai passar.

Mas levo um novo susto quando meu filho também entra na sala. Está esbravejando, revoltado com a derrota no jogo de computador. De sua boca vejo irradiar-se uma luz vermelha. Cada vez mais vermelha a cada palavra raivosa.

Tudo fica mais doido ainda quando chega minha esposa, com um perfume na mão. “Comprei da cabeleireira. Dá uma cheirada.”. Inalo a fragrância e minha vista se ofusca com tanta luz amarela que sai do vidro de perfume.

Acordo, sozinho na sala.

Após alguns instantes desnorteado, penso: “Então foi tudo sonho. Depois que sentei em frente a TV, acabei dormindo...”.

E falo para mim mesmo: “Chega de vestido colorido! Não quero nem saber que cor que ele é ou deixa de ser...”.

domingo, 1 de março de 2015

VIDA LONGA E PRÓSPERA


Hoje a sua vida acabou Sr. Spock. A lógica perdeu o seu maior expoente. Justamente agora, quando vivemos em um mundo tão necessitado de lógica.

A bordo da Enterprise ou teletransportado em um planeta qualquer, seus comentários e atitudes transmitiam sempre a segurança de quem atingiu a sabedoria através do caminho da razão.

Lutando sempre com sua parte humana, mostrava somente as qualidades de um vulcano. Controle das emoções, calma, precisão sob qualquer circunstância. Em seu corpo, mente e espírito, tudo parecia fluir de maneira perfeita, para que, logicamente, se gastasse o mínimo de energia para proporcionar o melhor resultado.

Nós, que não temos sangue vulcano, vivíamos e vivemos querendo absorver alguma essência dessa genética extraterrestre, para que nos permita ao menos controlar um pouco mais o cavalo xucro dos sentimentos e emoções que nos levam de um lado para outro, desequilibrando-nos. Ah, Sr. Spock, como invejamos a sua estabilidade, sempre senhor de si. Contrastando maravilhosamente com o Dr. McCoy, formavam um binômio de forças que tinha, ao centro, a figura marcante do Capitão Kirk.

Lógica perfeita, sem indecisões. Quando o capitão lhe questionava sobre algum ponto que demandava cálculos complexos, seu cérebro superior reunia rapidamente todas as variáveis e o resultado surgia, praticamente de maneira imediata, com uma precisão que, para aqueles que se debatem e sofrem pelos meandros da Matemática, chegava até a causar raiva.

Se todos nós, humanos, tivéssemos a sua lealdade e integridade, certamente boa parte dos problemas que enfrentamos, principalmente no campo da política, seriam todos resolvidos. Mas ainda temos que nos conformar com a nossa condição, entendendo que você está em um estágio superior, o “além do homem”... No entanto, a mensagem que disto fica é de esperança. Um dia todos nós, dentro da escalada evolutiva, mereceremos, e viveremos, em um mundo melhor...

Lembramos também da “sonda mental”. Ah, a sonda mental... Quem não desejaria ter esta capacidade? Qual homem, perturbado com os mistérios e contrariedades da mulher, da sua mulher, não gostaria de nela aplicar uma sonda mental? Desvendando assim as correntes de pensamentos e sentimentos que a conduz por caminhos aparentemente desprovidos de lógica...

Ninguém mais levantará a sobrancelha daquele jeito... Continuarei tentando imitar, mas sentindo que a referência foi-se embora. Mão espalmada com os dedos colados dois a dois. Vida longa e próspera, Sr. Spock, onde quer que você esteja.

27/02/2015

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

CÃO


Quero falar sobre um cachorro. Não é meu cachorro de estimação, não morreu, nem saudades, nem nada disso. Muito pelo contrário. Não cultivo nenhuma estima por aquele ser peludo, que insiste em apavorar a vida da minha família. Suas ações terroristas sempre acontecem no caminho entre a nossa casa e a da minha mãe...
Bom, mas vamos começar do começo. Pelo que me lembro, a aversão que este cão tem para comigo não foi sempre assim tão intensa. Acho que ele aprendeu a me odiar com outro cachorro. Este sim, apresentava uma raiva tão fortemente arraigada em cada nervo do seu corpo, que dava até gosto de ver. Colava a cabeça repleta de dentes nas grades do portão... Para minha felicidade, nunca realizou o seu desejo ardente de arrancar qualquer pedaço do meu corpo, mas penso que deve ter dito – em cachorrês, é lógico – algo para o outro, cão de rua, peludo, que sempre perambulava por ali, coisa do tipo: “Pega esse maldito sujeito que vive passando aqui em frente, no nosso território. Só não faço eu mesmo porque tem esse maldito portão...”.
E a ordem foi seguida, à risca. Sorte que o cachorro sem dono tem um porte pequeno, mas nem tanto... Porém se fosse do tamanho e com a força do seu mestre, que ordenou o ataque à minha pessoa, ah! Aí eu estaria frito!
Sobre mim as suas investidas não me metem medo. Já dei umas carreiras nele. Correu com o rabo entre as pernas. Os latidos saíram esganiçados, meio que sumindo pela boca assustada. Ficou uns tempos respeitoso. Quando eu passava pelo que ele julga ser seu território, na calçada, não ousava se aproximar... Porém, com o tempo, acabou perdendo o medo e recuperando a coragem.
O odiento ser peludo reina no terror contra minha família, principalmente com a minha esposa e minha filha. A rotina delas foi alterada, evitam aquele trecho da calçada, passando do outro lado da rua ou até dando a volta no quarteirão... Quanto a mim, não mudo a minha rota. Se o faço, é somente para acompanhá-las. Mas não adianta, aquela coisinha raivosa e peluda não tem jeito, cismou com a gente... Acho mesmo que o problema é só comigo.
Porém acabei tomando uma decisão. Quando ele começar a latir e vier se aproximando, eu simplesmente vou parar e esperar. Só isso. Até ele se cansar de me odiar. E se ele ousar me morder, se ele encostar em mim, aí então levará um chute que vai se lembrar pelo resto da vida.
Só que depois desta decisão, nunca mais encontrei o ousado e insano cão. E isto já faz um bom tempo... Chego até apensar que o dito cujo morreu... Mas se ele ainda estiver no reino dos vivos, na próxima ocasião em que nos encontrarmos a nossa questão será resolvida de uma vez por todas. Ah, com certeza da próxima vez não passa.

sábado, 3 de janeiro de 2015

DONA CRÔNICA


Agora. Vou escrever uma crônica agora. Tem que ser agora. Já passou muito tempo, tenho que atualizar o meu blog...

Que estória é essa? Pensa que crônica nasce a fórceps?

Quem é você?

Eu sou a Crônica.

Ótimo! Então você já está pronta!

Que nada! Eu ainda sou nada. Você vai ter que me escrever.

Ora essa, então por que você me apareceu?

Para lhe ajudar a decidir sobre o que escrever. Vai falando aí suas ideias...

Pensei em escrever sobre o Tempo.

Que nada, o Tempo é muito complexo e filosófico. Tem gente até que diz que ele não existe, que é uma ilusão. Vai bagunçar a cabeça do leitor.

Que tal sobre o Ano Novo?

Nem comece. Pode desistir. Só porque hoje é o primeiro dia do ano? Que falta de originalidade! Todo mundo fala a mesma coisa sobre o Ano Novo.

(no dia seguinte)

Caminhando em direção à estação de trem. Não são nem seis horas da manhã. Ao cruzar o estacionamento de um grande supermercado para cortar caminho, olho para o céu e vejo um aglomerado de nuvens, iluminadas por fiapos de luzes de uma cor difícil de definir. Algo entre o alaranjado eu rosa, eu acho. Admiro a beleza do cenário pintado pela Natureza... Lembro do filme Vanilla Sky... Que tal escrever sobre essas coisas?

Não. Isso serve mais para poesia... Essas paisagens e coisas do tipo... Não, nada disso.

(no mesmo dia)

Voltando do serviço, no trem, encostado no fundo do vagão. Emenda de feriado é assim mesmo: tem bem menos pessoas nas conduções. O transporte público fica até decente... Daqui onde estou dá pra ver todas as pessoas... E aí, Dona Crônica? Será que daqui sai algum texto interessante?

Depende. Tá vendo algo diferente? Uma situação, um olhar, um gesto, uma expressão, uma vestimenta, um rosto...

Não. Nada. Tudo normal.

São seus olhos que não estão captando... Um bom cronista, quando quer escrever, sempre consegue tirar alguma coisa daquilo que aparentemente não tem nada...

É, confesso, estou sem inspiração...

(no dia seguinte)

Já faz dois dias que estou tentando mas não consigo fazer uma crônica para colocar no meu blog...

Que tal colocar este nosso diálogo?

Você acha que fica bom?

Pelo menos é alguma coisa...

Tá bom, vou colocar sim. Mas da próxima vez, Dona Crônica, vê se pelo menos aparece com alguma ideia.

Que nada seu folgado, ideia é por tua conta! Ora essa!