domingo, 29 de agosto de 2021

SEM RESPIRAR

Faz muito tempo. Aconteceu em alguma noite no começo da década de 90, quando era praticante de tai chi chuan. Primeiro o mestre falou para respirarmos muito rapidamente. E assim ficamos, por um bom tempo, neste processo de hiperoxigenação. Até que ele disse para inspirarmos profunda e lentamente, e então segurarmos a respiração. Prosseguiu dizendo que era para nós imaginarmos que estávamos fazendo a respiração fetal, sem necessidade de ar, mentalizando um fluxo subindo e descendo, entre dois pontos, não me lembro exatamente quais, só sei que eram na parte inferior do tronco.

Fiquei envolvido por esta experiência. Fui fundo, acreditei na tal respiração fetal. Sentia que despertava algo que, de alguma maneira, nutria-me e suplantava a necessidade de usar os pulmões. É lógico que, nos minutos anteriores, saturei-me de oxigênio, o que tornou mais fácil a tarefa de prender o ar.

Os segundos foram passando e eu mantinha a concentração no fluxo imaginário que subia e descia. Não, não era imaginário! Estranha e incrivelmente percebia que este processo estava me levando a uma marca nunca antes alcançada. Sem necessidade de voltar a usar os pulmões, relaxado, o tempo avançava e eu, com certeza, havia entrado em um estado diferente de tudo que vivi até aquele momento, ou depois.

“O mestre ainda não falou para soltarmos o ar e voltarmos a respirar. Mas já passou muito tempo!”. O intelecto brigava contra o inacreditável fato de o meu corpo haver aposentado os pulmões. O cérebro não entendia o que estava acontecendo. Mas eu continuava no sobe e desce do fluxo e, por incrível que pareça, não sentia necessidade de respirar.

Não sei definir quanto tempo assim fiquei. Só sei que foi muito. E que voltei a respirar mais por uma necessidade intelectual do que por uma real necessidade de ar, dando a impressão de que poderia ficar naquele estado indefinidamente. Muito estranho. Não ouvi o mestre dizer para soltarmos o ar ou voltarmos a respirar. Acho que ele queria que cada um chegasse ao seu limite ou descobrisse novas fronteiras. Ou simplesmente esqueceu de dar o comando para que voltássemos a usar os pulmões, e cada um foi voltando quando quis, ao seu tempo.

Esta experiência foi muito marcante. E agora, umas três décadas após o ocorrido, percorri a internet em busca de alguma explicação fisiológica. O que consegui encontrar de nada ajudou, pois a única coisa que ficou clara foi a grande diferença entre o mecanismo de oxigenação do sangue antes e depois do nascimento. Dentro do útero, nada de subir e descer na região mentalizada na aula de tai chi. Sem cordão umbilical e placenta, não há como retroceder à “respiração” fetal para suprir o não uso dos pulmões.

Porém seria interessante que a ciência se debruçasse sobre estas coisas estranhas. Afinal, acho que não sou o único que viveu ou viu por perto algo inexplicável, não é mesmo?