sábado, 3 de outubro de 2020

REFLEXO

Estou no banheiro, em pé, em frente ao vaso sanitário. Ao alívio de esvaziar a bexiga segue-se a aparição de uma barata. Vem de trás do pedestal do lavatório. Corre, em uma trajetória curvilínea, e estanca, ainda perto do pedestal. É pequena. Então penso que deve se tratar de um ser jovem.

Com os olhos cravados no indesejado inseto, dou o laço no cordão da bermuda. Não sei o porquê, talvez a ciência ainda explique um dia, mas algo faz com que as baratas paralisem quando lhes pregamos a vista. Não é garantia. Às vezes falha. No entanto, algo as prende com o nosso olhar.

Realizo o movimento de me abaixar, com o braço esticado em busca do chinelo que está no pé. É um momento crucial. “Agora ela escapa”, é o pensamento que surge em minha mente. Pego o chinelo e me preparo para o ataque. “Poxa, que bom, ainda está no mesmo lugar!”, outra vez a voz interior do caçador de insetos.

Aproximo a sola do chinelo até a distância exata. Se for mais longe, torna o movimento mais demorado, aumentando assim as chances da presa. E, se for mais perto, acaba espantando a caça antes do bote. Concluo esta etapa também com sucesso.

A preparação para o golpe fatal envolve mentalização. Explico. Imagino a “ida” e a “volta” do chinelo. Concentro-me no ato concluído. Só existe a cena do movimento finalizado. Crio uma tensão e ansiedade... Como só existe a ação terminada, este estado mental faz com que meu braço se movimente tão rápido como um salto no tempo...

PLAFT!

Sucesso!

Agora o “eu caçador” fala em voz alta:

– Você tem que melhorar o seu reflexo...