terça-feira, 27 de agosto de 2019

SER BOM, INFELIZMENTE, ESTÁ FICANDO MAIS FÁCIL

Ser bom, infelizmente, está ficando mais fácil.
Em um mundo cheio de preconceito, no qual gays e lésbicas são cruelmente assassinados, quem simplesmente não apoia esta atrocidade, pode ser chamado de bom.
Em um mundo repleto de discriminação, no qual negros, índios e outros indivíduos são eliminados, tão somente porque pertencem a determinadas etnias, quem não concorda com este extermínio pode ser chamado de bom.
Em um mundo em que as pessoas ignoram ou temem os indigentes e pedintes, quem apenas consegue olhar para eles, este pode ser chamado de bom.
Em um país no qual a regra de conduta é levar vantagem em tudo, explorando os outros indiscriminadamente, aquele que não segue este preceito, pode ser chamado de bom.
Em um mundo no qual avançam governos totalitários, que adotam políticas que agravam enormemente a concentração de renda, e que combatem com as mais variadas forças e meios tudo que estiver no seu caminho, quem ousar pensar em democracia e menos desigualdades, este pode ser chamado de bom.
A gente está se acostumando... Se acostumando a ver um presidente que prende mães e filhos imigrantes, cruelmente separando-os por até milhares de quilômetros. Se acostumando a ver outro presidente que, durante a campanha eleitoral, ostentava uma arma imaginária nas mãos. Se acostumando a ver constantes violações de direitos humanos, principalmente dos menos favorecidos...
Não me tornei melhor. Ainda carrego meus defeitos, bagagem de um ser que ainda tem muito a evoluir. Mas, do jeito que o mundo está se tornando, até parece que eu sou bom.
Ser bom, infelizmente, está ficando mais fácil.
Só espero que o mundo não piore tanto a ponto de eu virar santo.

domingo, 4 de agosto de 2019

ONDE ESTÃO AS CHAVES DO PALÁCIO?

O ilustre escritor é convidado a subir ao palco e a tomar o seu devido lugar para proferir o esperado discurso:
– Minhas palavras serão breves e sem formalidades – emociona-se, olha para baixo. Falarei sobre minha bisavó, fonte inspiradora deste meu último trabalho. Batalhadora, migrante da região nordeste do país, sem estudo mas com muita sabedoria, impregnou sua personalidade na história da família.
– Meu avô, o mais velho dos seus cinco filhos, sempre nos falava do jeito alegre e brincalhão que ela tinha. Dizia que todas as vezes que chegavam em casa, ela olhava para os lados e perguntava: “Onde estão as chaves do palácio?”. Era uma moradia simples, conquistada graças ao programa de habitação popular. Também foi devido à iniciativa do governo, em um dos projetos da época que facilitava o acesso ao ensino superior, que ele formou-se em sociologia.
– Este meu novo livro percorre a trajetória de nossa família. Desde este longínquo tempo no qual tudo parecia estar melhorando, até os dias atuais. Passando por todas as turbulências e dificuldades, a história do país se mistura com a dos meus parentes...
– A ascensão do governo de ultradireita, com todos os seus retrocessos. A morte de minha bisavó, esquecida no corredor de um hospital público. O assassinato de seu filho mais novo, por ser preto e pobre – a voz fica embargada pela emoção. E assim por diante...
– Mas hoje, finalmente, a história de minha família pode ser contada. E a do nosso país também...