quinta-feira, 14 de agosto de 2025

IA

Estou falando do futuro. Não estou supondo como será o futuro. O que vou falar para você, agora, é sobre o futuro que eu estou vivendo, neste exato momento. E você, meu ouvinte, ou melhor, meu leitor ou leitora, está no passado, com relação ao tempo que estou vivendo, é claro.

Ficou difícil de entender? Então volte para o parágrafo anterior e leia novamente. Entenda bem o princípio que rege este texto: eu estou no futuro e você está no passado, simples assim. E não me venha com questionamentos ou dúvidas, do tipo: “Como eu posso estar no futuro? Como estas minhas palavras podem chegar até você, em outro tempo, no passado? Como podem coexistir dois tempos ao mesmo tempo?”.

Para terminar de vez esta problemática, peço para que você pense como se estivéssemos nos comunicando por uma espécie de telefone, ou aplicativo de mensagens, para ser um pouco mais moderno. Só que, ao invés de estarmos separados pelo espaço, estamos separados pelo tempo, entende? Se bem que também estamos separados pelo espaço... Bom, é melhor parar por aqui, para não lhe confundir mais...

Entendido onde cada um de nós está, posso prosseguir, pois quero lhe dizer como são, ou como estão as coisas agora, no futuro em que vivo.

Sabe, meu caro ou cara leitora, as coisas mudaram bastante no futuro... Mas quero focar o meu relato em um aspecto em particular: a IA, Inteligência Artificial.

A partir da década de 20, a IA foi ganhando cada vez mais espaço. O mercado de trabalho sofreu um grande impacto, com várias profissões se extinguindo. A automação e a robótica, comandadas pela IA, tomaram o lugar dos empregados nas empresas. Esta perda dos postos de trabalho, causada pelo avanço da tecnologia, já vinha acontecendo antes da IA, mas com ela este processo acelerou exponencialmente.

Não vou aqui discorrer sobre todos os problemas que isto causou, pois são muitos e, se for lhe contar todos eles, com todos os desdobramentos, este texto vai ficar muito comprido e até meio chato. Sim, porque não quero ir por este caminho de ficar desfilando todas as consequências negativas... Digo-lhe somente uma coisa: se quiser escapar deste futuro, indo parar em outro futuro, mais feliz e com menos problemas, então cuide para que não se esqueça de pensar no que fazer com todas as pessoas que perderem seus empregos para a IA. Pois parece bonito e fácil construir um mundo assim, em que o ser humano não precisa fazer mais nada, nem pensar precisa. Ok, mas como isto se encaixa em um mundo capitalista? O que fazer com todas as pessoas que não conseguirem se encaixar neste novo mercado, muito menor em termos de postos de trabalho? O que elas farão? Como encontrar uma saída para fechar a conta da economia?

Ah, neste momento agora você deve estar pensando se, no futuro em que vivo, estes problemas estão equacionados. E eu já lhe adianto que não, eles ainda estão muito presentes...

Mas deixa isso pra lá. Quero continuar te contando sobre todo o espaço que a IA está ocupando aqui no meu futuro. Pois bem... Pensar é algo que está bem em desuso atualmente. Deixa eu ver como eu posso te explicar... No seu tempo, sei que vocês estão bastante envolvidos com os celulares, com toda a infinidade de aplicativos, as redes sociais e tudo mais... Sei que a IA já está surgindo como algo revolucionário e, pode crer, vai revolucionar mesmo... Então agora vou lhe dizer o próximo passo. A grosso modo é assim, imagine que, ao invés de o celular estar na mão das pessoas, esteja dentro da cabeça delas, na forma de um implante cerebral, fazendo com que elas tenham contato direto com a internet e possibilitando uma interação completa entre o ser humano e a IA. Então, pense bem: pra que pensar? É só lançar qualquer questão para a IA, projetando o pensamento no tal implante cerebral e, instantaneamente, obter a resposta dela por meio de um “pensamento-resposta”.

Portanto, no mundo de hoje em que vivo, pensar é algo muito raro. O que se faz, via de regra, é deixar que a IA pense por nós. Pois afinal ela está dentro de nós, basta somente que pensemos em utilizá-la para que o tal implante em nossas cabeças estabeleça a comunicação instantânea com ela. Medonho, não? Mas agora é coisa absolutamente normal e a gente acaba se acostumando muito facilmente com isto. Para que você possa me entender, é como se, no seu tempo, uma pessoa, que está acostumada a dirigir somente carros com câmbio manual, pegue um carro automático para dirigir. Após um curto período de adaptação, não vai mais querer dirigir nenhum veículo com marchas para trocar, não é mesmo?

É lógico que há pessoas que se recusam a usar tais implantes. São os chamados “puristas”, que criticam todo este nosso mundo baseado na IA. Dizem que a criatividade e a arte não mais existem, que as músicas de hoje em dia são o mero resultado de algoritmos. Vivem dizendo que a humanidade ficou refém da IA e que estamos caminhando para onde ela quer. Alertam que isto desembocará no próprio fim da humanidade.

Agora, em sua mente, meu caro leitor ou leitora, deve estar pipocando uma série de perguntas... O que eu, aqui no futuro, penso sobre tudo isto? Eu tenho o tal implante? Este texto que escrevi para você teve participação da IA? Ela escreveu tudo? Por que, realmente, eu não quis lhe contar melhor sobre as consequências sociais provocadas pelo uso massivo da IA? Por que, por que, por quê?

Sinto muito, mas não vou lhe dar estas respostas, pois quero terminar logo este texto. Aliás, não sei como terminá-lo. Acho que vou lançar a questão para a IA e pedir para que ela termine para mim. Mas nem vou colocar aqui o final que ela me der. Afinal, você também pode fazer isso, né? Vai dar no mesmo.

Então posso deixar o texto assim, inacabado mesmo.

domingo, 29 de junho de 2025

ZAP

Não, o título desta crônica não se refere àquela poderosa carta do jogo de truco. Na verdade, coloquei estas três letras encabeçando o texto para tentar dar ideia de algo rápido, instantâneo. Pois foi justamente assim que aconteceu. Um deslize, uma distração, que me custou uma raspada de cabelo com a máquina zero!

Tudo começou após ter completado a tarefa de ter passado, com muita paciência e empenho, a máquina com o pente número quatro em todo o couro cabeludo. Já havia até recolhido os tufos de cabelo no chão. Havia também mostrado para minha esposa o resultado do meu trabalho. Restava somente guardar a máquina e seus apetrechos na caixa e deixar o banheiro em ordem...

Mas eis que me olho no espelho e vejo um pequeno detalhe. Uma leve elevação de uma minúscula mechinha de cabelo. Então decidi, fazendo jus ao meu perfeccionismo, aparar esta quase imperceptível imperfeição. Peguei a máquina novamente e fui direto ao ponto, sem perceber que ela estava sem pente algum. Quer dizer, estava no corte chamado “zero”. E aí aconteceu o tal “zap”. Perfeccionismo mais precipitação dá nisso!

Tão logo percebi a burrada, voltei para a minha esposa, que estava na sala, para que visse o que tinha acontecido. Devo explicar que a região onde eu cortei todos os cabelos até o couro cabeludo não se pode ver de frente. Ela fica acima e um pouquinho atrás da orelha esquerda. Então eu sabia que havia feito algo terrível, mas não conseguia ver o resultado. Então, quando ela viu, soltou uma exclamação: “Ai meu Deus!”. Tirou uma foto com o celular e me mostrou. Realmente e, infelizmente, era mais do que eu supunha! Quando ela mandou a foto para o meu filho, a exclamação dele foi a mesma, escrita em caixa alta no aplicativo de mensagens: “MEU DEUS!!!”.

Pronto. Acho que o leitor conseguiu ter uma ideia do estrago que fiz.

A partir do fato consumado, meio que desesperado, pensei em cortar todo o cabelo com máquina zero, ao que minha esposa protestou imediatamente. Que eu deixasse como está, afinal, no meu trabalho remoto ninguém vai perceber. E, depois, cresce rápido. Porque cortar todo o cabelo vai ficar muito feio! Por fim decidi deixar como está. Daqui a um mês, quando o cabelo já tiver crescido um pouco, passo novamente a máquina quatro em tudo, para deixar a coisa mais linear. E, no mês seguinte, novamente. Estou disposto a deixar meu cabelo sempre bem curto.

Bem que estas máquinas podiam ter um sensor que evitasse esse tipo de coisa. Quando ligada sem nenhum pente adaptado, deveria apitar, piscar uma luz, tudo junto, avisando do iminente desastre. Aí, se o usuário quisesse mesmo cortar com máquina zero, deveria apertar um botão vermelho para que o aparelho parasse de alertar. Bom, a ideia está lançada... Mas talvez não seja interessante os fabricantes gastarem grana com este recurso. Melhor deixar as pessoas cometerem os seus “zaps”, que virarão histórias para contar, crônicas, lembranças cômicas...

sábado, 24 de maio de 2025

MEU NOME É CALMA

Não me desespero. Espero. Aguardo o momento certo, que sempre aparece.

Em um mundo cada vez mais frenético e impaciente, as pessoas me enxergam como um sinal de fraqueza. Mas eu não ligo para o modo como os outros me veem, e mantenho a minha costumeira tranquilidade.

Não me precipito, nem antecipo. Vivo o presente, plenamente.

As pessoas, quando estão nervosas, nem querem saber de mim. Então eu fico no meu canto, esperando. Porque geralmente é depois que as coisas deram errado que se lembram que me esqueceram. Aí ficam se lastimando, dizendo que me perderam. Mas ora essa! Se me tivessem, de verdade, ouviriam os meus conselhos nos momentos mais dramáticos...

Para você me conhecer melhor, que tal fazermos de conta que estamos no final daquelas entrevistas em que se faz um bate-bola, com perguntas e respostas? Vamos lá?

Onde eu costumo estar? Onde há confiança, costumo estar lá também.

Do que eu não gosto? Que me confundam com apatia.

Uma alegria? Apaziguar uma briga.

Um medo? De as pessoas não mais conseguirem me encontrar.

O que me deixa impaciente? Nada.

O que me irrita? Nada.

Um ditado? Devagar se vai ao longe.

E finalizando, se você, leitor ou leitora, está ansioso e impaciente por eu não ter ainda me apresentado... Calma, meu nome é calma.

domingo, 27 de abril de 2025

MEU NOME É DEMOCRACIA

Ando sofrendo muitos ataques ultimamente. Querem me destruir, acabar comigo. Os meus inimigos chegam ao poder utilizando-se da minha estrutura. Enchem a boca para falar o meu nome. Mas, sempre que podem, procuram me enfraquecer.

Não é de hoje que este tipo de coisa acontece. Desde que surgi no mundo é assim: quando apareço, querem me derrubar. No entanto, mais recentemente, com a disseminação das redes sociais, ficou muito mais fácil de criar e alimentar os elementos destrutivos que se voltam contra mim. Tais elementos atendem pelos nomes: idolatria, fanatismo, negacionismo e outros mais.

Neste meio de cultura que se esforçam em promover, cujo único objetivo é a minha eliminação, é preciso colocar mais alguns importantes ingredientes. O primeiro deles é o ódio, muito ódio, que pode ser, por exemplo, direcionado para os imigrantes, refugiados, comunistas (mesmo que não existam...), esquerdistas, e assim por diante, não importa quem seja. O que importa é ter um inimigo, para destruir! Isso lhes mantêm o foco e serve como combustível, a alimentar a insanidade.

Outros ingredientes, muito bem trabalhados e usados contra mim, são o preconceito e a intolerância. Enfim, acho que já deu para perceber que todas as armas empregadas pelos meus algozes vêm com uma carga muito negativa. E, dentro deste cenário, a religião, que poderia servir como um elemento apaziguador, muitas vezes e, infelizmente, é empregada justamente no sentido contrário, a promover o sectarismo e a repressão.

Mas sabe o que mais me incomoda? Não é nem toda esta carga, toda esta artilharia contra mim, não é nem isso. Isso a gente sabe que é assim mesmo, sempre foi assim e sabe-se lá por quanto tempo mais que assim será. São ondas, fases, que vêm e vão. Regimes totalitários ganharam espaço e culminaram na Segunda Guerra Mundial. E agora... Bom, agora vamos ver onde vai dar... Mas sabe, como ia dizendo, o que mais me incomoda é ver as pessoas que deveriam me defender fazerem justamente o contrário. Tem uma expressão que se usa hoje em dia: “passar pano”. Então é isso que elas fazem, ficam “passando pano” em golpistas. Um golpe de estado é tentado, os culpados são identificados, prédios públicos são depredados e depois, quando a justiça é aplicada, acham que é injusto. Minimizam os atos criminosos daqueles que tentaram derrubar um governo legitimamente eleito.

Por isso gostaria de deixar aqui registrado o meu apelo. Não deixe que me enfraqueçam. Aqueles que tentaram acabar comigo devem ser punidos. Toda a cadeia de ação, desde os arquitetos, as cabeças pensantes que idealizaram e planejaram tudo, passando pelos financiadores e apoiadores, chegando por fim nos que colocaram a mão na massa, invadindo e quebrando patrimônio público com violência, todos, todos eles devem ser punidos.

Em 1964 fui apunhalada. Estive morta por mais de duas décadas. Naquela ocasião, meus algozes saíram impunes. E esta impunidade ajudou a formar um novo cenário contra mim, que culminou em 2023, com um golpe tentado e, felizmente, malsucedido, pois senão agora eu estaria novamente morta. Apesar de eu ter a capacidade de sempre ressuscitar, demorando mais ou menos tempo para que isto aconteça, não deixe que me matem novamente.

Anistiar golpista é agir em favor do golpe. É alimentar outro golpe, mais adiante.

Sem anistia!

Meu nome é democracia!

sábado, 29 de março de 2025

A ARTE DE ESCREVER SOBRE ABSOLUTAMENTE NADA

Estava voltando de uma caminhada noturna, disposto a, antes de chegar em casa, obter alguma inspiração para uma crônica, quando me veio a ideia de escrever sobre "absolutamente nada".

Será realmente um desafio redigir um texto que não fale sobre nada. Você, que desde já decidiu, motivado pela curiosidade, acompanhar-me até as últimas palavras, a fim de ver como farei para sair desta enrascada na qual voluntariamente me meti, pois bem, se você, ao final da leitura, não souber dizer sobre o que escrevi, então me darei por satisfeito.

Mas prometo que não vou trapacear e procurarei ser claro em minha redação, fugindo assim da tentação de usar palavras difíceis, com frases bonitas e ininteligíveis, pois esta seria a maneira mais fácil de não passar conteúdo algum para o leitor, cumprindo assim a minha meta. Vou deixar esta tarefa para os escritores que julgam ter algo muito importante a dizer, mas que em suas obras não conseguem dizer nada. Eles são especialistas em não passar nada para o leitor de maneira rebuscada, enquanto eu, por outro lado, tentarei apresentar conteúdo algum de forma absolutamente clara. Ah, somente queria deixar registrada aqui uma observação: na verdade, estes escritores de "nadas rebuscados" são sempre muito "entendidos" pelos seus leitores, pois nenhum deles quer dar o braço a torcer e admitir que nada entendeu. Assim sendo, afirmam com convicção que compreenderam cada palavra, todos os conceitos envolvidos, atentos à linha de raciocínio que cada um deles consegue ver, e que cada um vê a seu modo.

Pois bem, vamos lá! Escrever sobre absolutamente nada de modo absolutamente claro, este é o desafio. O nada, ausência de tudo. Não pode haver pensamento algum, ideia nenhuma. Sem imagens, sem sons, sem cheiros, sem gostos, sem tatos. Nenhum dos cinco sentidos, e se houver mais algum ou alguns além destes, como pregam os místicos, todos estes sentidos sobressalentes também não podem ser estimulados, porque o nada, como o próprio nome diz, nada estimula. Então, se há alguma coisa que este texto possa estimular, essa coisa é só e somente uma: vontade de meditar. Para atingir, realmente, o pleno estado de meditação: esvaziar a mente, não pensar em nada, não sentir nada, nada para tudo, tudo dando em nada.

Este parágrafo é bem curtinho mesmo, só isto, para que você aproveite e interrompa a leitura para meditar.

Mas eu não posso sugerir isso para você, pois se assim o fizesse estaria dizendo alguma coisa e, como eu não quero dizer nada, melhor é deixar isso contigo, você só para a leitura para fazer uma breve meditação de um minutinho se quiser. Certo?

Meditou? Teve algum contato com o nada? Assusta-se com estas minhas palavras? Não, não responda, pois neste texto nada deve ficar registrado.

Neste momento, acredito que uma boa parte dos leitores já abandonou a leitura. Então prossigo com você, insistente, que persiste até chegar à última palavra deste texto. E sinto que devo te falar uma coisa: caso, ao final da leitura, restar-lhe uma forte sensação de tempo perdido, de que nada aqui foi dito, de extrema inutilidade... caso tudo isto aconteça, peço-lhe desculpa, antecipadamente. Não tenho intenção de prejudicá-lo. Na verdade, não tenho intenção nenhuma, de ordem alguma, mantendo-me assim apegado ao nada, ponto central e essência de todo este texto, em sua totalidade ou em qualquer de suas partes.

Uma grande vantagem de escrever sobre nada, é que não preciso me preocupar em elaborar um bom final para o texto. Ou seja, a redação simplesmente acaba em qualquer ponto, sem conclusão, sem desfecho, sem nada. Porque estes elementos são necessários quando se lida com algum conteúdo e, se este não existe, não faz sentido se importar com a problemática de encontrar o desfecho ideal... Muito bom! Gostei disso! Fica muito mais fácil. É só colocar um ponto final, e pronto!

No entanto, não colocarei este ponto final agora, pois quero escrever mais um pouquinho, apesar de não ter nada a dizer sobre o nada. É só para a crônica ficar com mais volume, uma quantidade maior de palavras. Porém tenho que tomar cuidado para não entrar em nenhum assunto, pois aí estaria escrevendo sobre alguma coisa e, portanto, fugindo do meu propósito inicial. Assim sendo, infelizmente, não poderei discorrer sobre uma questão que me surgiu na mente neste exato instante. Não, não posso falar sobre a mesma. E você pode até morrer de curiosidade em saber, mas jamais saberá. Porque não posso colocar conteúdo algum aqui, mantendo assim, intocável e absoluto, o nada.

Nada mais a declarar sobre o nada.

E ponto final.

sábado, 15 de março de 2025

O MAIOR PROBLEMA DA HUMANIDADE É O SER HUMANO

O maior problema da humanidade é o ser humano. Esta frase desabou sobre o meu pensamento como uma verdade absoluta. Talvez a mesma já tenha sido utilizada muitas vezes, por inúmeros pensadores e filósofos. Ou por muitos "quaisquer uns" que se meteram a pensar na situação do mundo. Mas isto não impede que eu a coloque como base deste meu texto.

Confesso que fico um tanto desconfortável em centralizar minhas ideias e argumentos em torno deste conceito bem negativo, que não dá margem a qualquer expectativa de melhora, pois se o maior problema da humanidade é o ser humano, como ela melhorará se sempre carregará consigo a causa maior das suas desventuras, que é o próprio ser humano que a compõe?

No entanto prosseguirei assim mesmo, com o desconforto de quem não quer cair no pessimismo, ou, em outras palavras, daquele que não quer trair os seus conceitos evolucionistas, acreditando sempre na evolução do mundo.

E cabe aqui outra confissão. Sinto que está cada vez mais difícil acreditar no tão falado "mundo melhor", esta esperança tão propagada entre os espiritualistas, esotéricos e assemelhados. É muito bom, revigora a alma, acreditar que este nosso planeta passará por uma transformação positiva, em um futuro próximo no qual haverá a preponderância do bem sobre o mal e onde a espécie humana poderá expressar toda a sua humanidade. Porém, infelizmente, esta bela crença não para em pé quando nos deparamos com a realidade atual.

Nos últimos tempos, as redes sociais passaram a servir como ferramentas para propagar toda sorte de coisas ruins: mentiras, preconceitos, negacionismos, retrocessos inimagináveis... A ciência e a civilização perderam terreno para a bestialidade. A democracia nunca foi tão atacada pelo autoritarismo. A extrema direita ganhou grande espaço no espectro político. Enfim, muitas e muitas coisas, que nem sei como condensar tudo neste texto, mas que, infelizmente, todas estas coisas vão justamente em sentido contrário do tal "mundo melhor".

Então fico pensando que não vai dar tempo, pois, se é como dizem alguns, que já estamos entrando em uma nova era, e que o mundo está passando e que continuará a passar por transformações que, em um futuro próximo, nos colocarão em um patamar superior de evolução espiritual, então, vendo a grande distância que nos separa desta bem-aventurança, fica a forte impressão de que não vai dar tempo. Ou de que este mundo melhor nunca venha a acontecer, atestando o fracasso da humanidade.

“Fracasso da humanidade”, esta expressão realmente tem um peso, uma carga negativa muito forte. Porém, como aqui já demonstrei, não quero que este texto caia no pessimismo e não deixe nem um fio de esperança. Então poderíamos dizer assim: “Sinto muito, mas o tal ‘mundo melhor’ não vai chegar neste milênio. Que tal no próximo, a partir do ano 3000? Assim está bom?”. É lógico que não está bom. Mas pelo menos o “nunca” foi tirado e conseguimos vislumbrar tempos melhores lá na frente, mesmo que seja daqui a muito tempo.

Infelizmente, dentro de um futuro próximo, não consigo ver coisas melhores. O planeta está agonizando e produzindo catástrofes, uma reação natural ao aquecimento global e outras agressões causadas pela humanidade, que não sabe habitar decentemente este mundo chamado Terra. O poder e o dinheiro é o que move o ser humano, que segue uma trajetória de exploração insana dos recursos naturais. O materialismo e o imediatismo dominam o cenário, não sobrando espaço para preocupações com o futuro das próximas gerações.

O que será preciso acontecer para chacoalhar a humanidade o bastante para que haja mudanças realmente efetivas? Para que o ser humano se comporte, enfim, como ser humano? Para que os valores que nos orientam sejam realmente valores positivos, calcados em virtudes e em coisas boas? O que será preciso? Já passamos por muitas guerras, duas delas mundiais. Será que será preciso a terceira? Será que sobreviveremos a ela? E pandemias então? Quantas mais serão necessárias? Até que ponto o planeta reagirá às agressões do homem, como um cavalo xucro que não aceita a montaria, dando coices, sendo que cada coice é uma catástrofe? Qual será o fim disso?

Sim, sim, tenho que admitir que também há muita coisa boa no mundo... E que talvez este texto esteja sendo injusto ao mostrar só o lado negativo. Mas penso que há momentos em que vozes precisam se levantar, escancarando a perigosa realidade que nos cerca...

Enfim, eu acredito no ser humano. Acredito que o bem sempre vence o mal. Acredito que o futuro nos reserva um “mundo melhor”. Mas caramba, como isso parece tão distante!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

PRECIPITAÇÃO

Estou no trem, voltando do serviço. Mas isto não é a minha rotina, pois meu trabalho é 100% remoto. Então, de vez em quando, vou para a empresa, porque ficar sempre trabalhando de casa, sem nenhum contato presencial, parece que fica meio estranho. Assim sendo, mais ou menos uma vez a cada dois meses, lá vou eu, de São Caetano do Sul até Alphaville, na cidade de Barueri. Uma longa jornada.

O vagão está relativamente vazio, com muito poucas pessoas em pé. Eu sigo sentado, ao lado da janela, vendo as coisas se afastarem de mim, enquanto vou, cada vez mais, me aproximando de casa. Decido então, com o celular na mão, pesquisar os concursos literários que estão em andamento. É um hobby muito gostoso esse meu, de escrever e participar destes certames. Uma vez ou outra acaba dando certo, e sou contemplado com mais um prêmio para "engordar" o meu currículo literário. E assim vou, olhando os regulamentos e avaliando, para poder selecionar aqueles concursos nos quais pretendo participar.

Encontro dois bem interessantes. Em um deles vejo que posso mandar meu livro “Contos Sem Escritor”. Vamos ver se desta vez este meu trabalho obtém reconhecimento. Sabe aquelas obras que você bota fé, insiste em mandá-las para concursos, mas nada acontece? Essa é uma delas... Outra obra em que acredito bastante é o conto “Carreta, Encaixotado, Acidente”, também sem premiação alguma. Mas agora estes textos têm uma nova chance, cada qual com o seu concurso.

Após esta tarefa de direcionar os próximos passos do meu hobby, parto para outra vertente do mesmo, pois lembro que preciso colocar o meu blog em dia, cumprindo a meta de postar um texto por mês. Então fico buscando alguma ideia e inspiração. Mas é duro. Nada aparece. Olho pela janela do trem, vejo as luzes e a movimentação lá fora, enquanto a composição segue o seu curso e nada, nada aparece. Dentro do vagão, também nada desperta a minha criatividade. E em meio a esta busca por alguma ideia, desço na estação Barra Funda, para fazer baldeação. Desloco-me pela estação como mais uma formiguinha no meio de um formigueiro, situação esta que é perfeitamente normal.

-.-.-

Até agora, leitor, só coloquei contextualizações: o trem, a volta do serviço, a procura dos concursos literários, a busca de alguma ideia... Nada disso tem importância. O que importa é a próxima cena que lhe narrarei. Se esta próxima cena não tivesse ocorrido, nada teria a escrever. Eu estava caçando alguma ideia do que escrever, e eis que aconteceu algo, algo para escrever, o que motivou este texto. Mas voltemos para aquelas cenas.

-.-.-

Desço a escada e, na plataforma, oriento-me pela sinalização para saber em qual dos dois lados devo pegar o próximo trem. Sentido Rio Grande da Serra, é deste lado que tenho que ficar. O trem chega, abre as portas, e quando eu estou a um passo de entrar na composição, uma moça surge ao meu lado e pergunta:

– Moço, esse trem vai pra estação da Luz?

No instante imediatamente posterior a esta indagação, não consigo me situar geograficamente e nada respondo. Mas há urgência e certa afobação por parte dela, que logo em seguida repete a pergunta de outra maneira:

– Ou é do outro lado?   

Esta interrogação soa em meus ouvidos como uma afirmação: sim, é do outro lado. E, ato contínuo, digo um “sim” e concordo rapidamente com a cabeça.

Tudo acontece muito rápido. Quando ainda estou entrando no vagão, uns dois passos para dentro, mais ou menos equidistante das laterais do mesmo, é exatamente neste instante que percebo o erro. “Não, é este trem que vai para a estação da Luz!”, é a frase exclamativa que surge em minha mente, tão logo resgato a orientação geográfica. Mas esta constatação acontece justamente quando as portas do trem estão se fechando. Agora não há mais nada a fazer.

Em pé, com as costas na lateral da composição, fecho os olhos e levanto a cabeça. Só me resta ver passar, em minha mente, as consequências do meu ato:

“Caramba! Que besteira eu fiz! A coitada agora vai pegar o trem errado, contratempo, atraso, problema, tudo por minha causa! Mais uma vez a minha precipitação leva ao erro! O que custa esperar mais um segundo e procurar, na cabeça, alguma orientação para responder com certeza, fundamento, sem correria e sem querer se livrar logo da situação? O que custa?”.

Muitos outros pensamentos e sentimentos surgem como consequência deste incidente. Não vale a pena colocá-los todos aqui. Apenas quero colocar um deles, para fechar este meu relato:

“Queria uma ideia para um texto e agora já tenho algo para escrever! Mas não precisava ser desse jeito! Coitada da moça!”.

domingo, 19 de janeiro de 2025

ESCREVER À MÃO

 


 

Estou escrevendo, neste exato momento, em um caderno que usava em uma (ou mais?) das minhas tentativas de escrever um livro. Isso aconteceu há muito tempo... A ideia era usar este caderno durante os longos tempos passados no ônibus fretado, nos trajetos sempre longos para chegar ao serviço.

No fim, o meu primeiro livro acabou sendo escrito no Palm. E aqui cabe uma breve explicação, pois muitas pessoas, hoje em dia, nem sabem o que é um Palm. Ou melhor, o que era um Palm, pois o mesmo saiu do mercado há um bom tempo, atropelado pela tecnologia dos celulares. A proposta do Palm era ser um computador de bolso e, dentro deste propósito, era bem mais que suficiente para mim, que o utilizava somente para escrever, empunhando uma canetinha que acionava um tecladinho que aparecia na parte inferior da tela, ou através de outra maneira, na qual “escrevia” cada letra em uma área da tela, também na parte inferior. O interessante é que a gente tinha que decorar um alfabeto específico, movimentando a canetinha sobre a tela para desenhar cada letra com os movimentos corretos. Não era muito difícil, pois a escrita era semelhante à escrita no papel, tal qual faço agora...

E, com o tempo, escrever à mão foi ficando atividade cada vez mais rara. Mesmo no dia-a-dia, com o celular sempre à mão, é muito mais fácil escrever nele, abandonando o papel.

Lembro agora do meu primeiro conto premiado em concurso literário, em 1987... Foi escrito à mão, tenho em mente até a lembrança da imagem do papel com as linhas escritas, com partes riscadas, corrigidas e assinaladas... E depois o texto foi datilografado, naquilo que hoje é uma peça de museu, a máquina de escrever. Recordo até que o trabalho saiu com as letras um pouco apagadas, pois já havia passado a hora de trocar a fita da máquina, que estava com pouca tinta. O passo seguinte foi tirar as cópias, ou tirar xerox, como falávamos. E depois preparar tudo para enviar ao concurso pelo correio...

Mas escrever à mão tem certa magia... Parece que desperta outros sentimentos e sensações. Acredito que, em determinadas situações, pode dar mais inspiração ao trabalho criativo. Foi por isso que desta vez decidi escrever aqui no blog a partir de um manuscrito. Na verdade, se não fosse esta iniciativa, este texto não teria saído, pois estava sem inspiração. Mas ela logo veio quando tive a ideia de escrever à mão... Empunhei a caneta e lá fui eu! E acabou dando nisto aqui!

É isso aí, até o próximo texto! Se vai ser também manuscrito, ou não, isto eu não sei dizer. Mas posso garantir que não será feito pela IA (Inteligência Artificial). Ora essa! Quero ver se essa tal IA escreve textos com estilo, qualidade e criatividade apurados... Prefiro voltar a escrever à mão do que deixar a redação à cargo da IA...

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

MADE IN U.S.A.

Meto a mão no bolso e tiro o panfleto dobrado. Desdobro e o coloco sobre o colo. Na minha frente, o computador. Tudo pronto para registrar os meus comentários. Afinal, esta propaganda de um empreendimento imobiliário é um verdadeiro atentado à língua portuguesa...

“More infinitamente bem”, são estas as palavras que encabeçam a página final do panfleto. Por enquanto tudo bem, uma frase de efeito, escrita no nosso idioma. Mas a coisa já entorta logo em seguida, quando são relacionadas todas as vantagens para o futuro morador.

“Gourmet Grill & Pizza Lounge”. Bom, vamos lá... Primeiramente devo informar ao leitor que, para facilitar, utilizarei somente um dicionário para verificar se o vocábulo pertence à nossa língua. Assim sendo, todas as consultas serão feitas no Michaelis (https://michaelis.uol.com.br/busca?id=OWQE). Procuro por “gourmet” e verifico que esta palavra já foi dicionarizada. Mas “grill” não. “Lounge” também não. De quatro palavras, duas não existem no idioma português brasileiro. Um mau começo, mas espere, tem mais. Porém, antes de partir para o próximo item, vamos traduzir e tentar entender o que significa esta primeira vantagem relacionada no panfleto. Para tanto, vamos lançar mão da IA (Inteligência Artificial), tão na moda atualmente. Então pergunto ao Copilot: “O que quer dizer ‘Gourmet Grill’?”. E ele me responde: “’Gourmet Grill’ é um conceito de culinária que combina técnicas de cozinha gourmet com o uso de grelhados. Em vez de apenas preparar alimentos simples na grelha, o Gourmet Grill busca oferecer pratos sofisticados e elaborados, utilizando ingredientes de alta qualidade e técnicas culinárias refinadas”. Ok, entendido. E quanto à “Pizza Lounge”? Eis um trecho da resposta, pois a mesma veio um tanto longa: “’Pizza Lounge’ geralmente se refere a um ambiente descontraído e confortável onde as pessoas podem desfrutar de pizzas gourmet em um ambiente mais sofisticado e estiloso do que uma pizzaria tradicional”.

Partindo para o segundo item, temos o “Pet Place e Dog Wash”. Muito bem! Parabéns senhor redator deste glorioso panfleto! Só a palavra “e” pertence à nossa linguagem. Por que não então substituí-la por “and”? Já que quer estrangeirar, que estrangeire tudo, vai fundo, vamos esculachar de vez! (...) Sobre estes termos, a IA me deu respostas relativamente extensas, mas que, simplificando, dá pra entender que o tal empreendimento imobiliário terá um lugar para o seu cão ficar e também um local próprio para lhe dar banho.

Vamos lá, prosseguindo em nossa jornada de tradução, encontramos “Arena Beach”. Caramba! Agora o leitor brasileiro, o cidadão comum que para em um farol de trânsito, e que recebe pela janela do carro um maldito panfleto com a maioria das palavras em inglês, fazendo propaganda de um imóvel aqui no Brasil (não, não é nos Estados Unidos!), então, continuando o raciocínio, este sujeito é bombardeado por inúmeras palavras estrangeiras, como se a sua língua, como se o idioma do seu país não fosse capaz de dizer todas as coisas... É triste, é humilhante, é uma humilhação para a nossa cultura! Ora essa! Então todo potencial comprador deste imóvel tem que saber que a palavra “lounge”, repetida quatro vezes neste panfletinho de m#rda, quer dizer “saguão”? E que “beach” quer dizer praia? Mas deixa eu me acalmar... Vamos ver, então, com a nossa companheira IA, o que significa “Arena Beach”: “pode se referir a um local específico ou a um conceito de espaço recreativo à beira-mar. Geralmente, esses lugares são áreas de praia equipadas com instalações e atividades para entretenimento, esportes e lazer”. Desvendado o que significa mais este estrangeirismo, partiremos para o próximo.

“Lounge Gourmet”. Estas palavras já são nossas conhecidas! Você já sabe que “lounge” não tem nada a ver com “longe”, apesar da grafia muito parecida. Como disse há pouco, “lounge” quer dizer “saguão”. Sendo assim, dá para termos uma ideia do que seria mais este item citado na propaganda, mas, lançando mão novamente da inteligência artificial, ficamos sabendo que “é um espaço que combina um ambiente sofisticado e confortável com uma experiência gastronômica de alta qualidade”.

Finalmente chegamos a um item que está inteiramente escrito em português! “Piscina Adulto e Infantil”. Mas, logo em seguida, já volta para o idioma original: “Espaço Kids externo I e II”. Poxa! Por que não usou a palavra “infantil” novamente? O que a palavra “kids”, que quer dizer “crianças”, tem de mais importante para roubar o espaço do nosso vocabulário? Que mania é essa de achar que enrolar a língua no inglês torna as coisas melhores? Não me conformo com isso! Mas ainda bem que, para aliviar a situação, as duas próximas vantagens não têm nada de estrangeirismo: “Quadra Recreativa” e “Brinquedoteca”. Aqui o redator do panfleto foi vencido pela nossa língua que, mesmo atacada frequentemente, ainda resiste bravamente!

“Lounge Games” é o que vem logo em seguida. Neste caso, a palavra “game” (“jogo” em inglês) até que existe no Michaelis, mas apenas no sentido de “videogame” ou “videojogo”. E “lounge” já é nossa velha conhecida! Então a gente acaba deduzindo que se trata do que chamamos por aqui, em terras brasileiras, de um “Salão de Jogos”. Mas não, onde já se viu? Colocar “Salão de Jogos” no panfleto? Não, nunca! Fica muito mais bonito “Lounge Games”, não é mesmo? Aí o sujeito vai querer saber o significado exato disto que está escrito em outra língua e acaba perguntando para a IA. E aqui darei a resposta, outra vez resumida, para poupar o leitor de detalhes desnecessários: “’Lounge Games’ refere-se a um conceito de entretenimento em ambientes sociais e relaxantes, onde os participantes podem desfrutar de jogos de forma descontraída. Esses espaços geralmente oferecem: jogos de tabuleiro e cartas, jogos digitais e videogames, ambiente aconchegante, serviços de alimentos e bebidas. A ideia principal é proporcionar um espaço onde as pessoas podem se divertir, relaxar e socializar ao mesmo tempo”.

Aguente, meu caro leitor! Estamos apenas na metade da estrangeirada! Respiremos fundo e vamos lá! Mas, para abreviar a análise linguística deste pitoresco panfleto, colocarei aqui, de uma só vez, os nove itens que faltam: Delivery Hub, Fitness Externo, Fitness Interno, Beauty Care, Mini Market, Fire Lounge, Bike Station, Coworking e Horta. Só as palavras “externo”, “interno”, “míni”, “bike” e “horta” constam no dicionário Michaelis. No entanto, no mesmo, “bike” tem somente o significado de um tipo de bicicleta específico e, ainda, faz-se necessário lembrar que se trata de uma palavra importada da língua inglesa...

Fico pensando... Qual é a dificuldade de redigir no nosso idioma? Por exemplo, porque não escrever “Academia Externa” ou “Academia Interna”? E, por que não, “Salão de Beleza”? Há algum problema em usar “Minimercado”? E “Bicicletário” então, será que seria um termo não apropriado para o grau de sofisticação que o tal empreendimento imobiliário pretende transparecer? Sim, porque é muito mais bonito empetecar o panfleto com um monte de palavras inglesas, fica mais chique, não? Mesmo que o pobre coitado do sujeito que pega a propaganda no farol não entenda boa parte do que está escrito... Mesmo que pense que “Fire Lounge” tem a ver com algo relacionado a extintores de incêndio ou mangueiras para bombeiros...

Não vou, aqui neste texto, ficar transcrevendo todas as explicações que a IA me deu para cada um dos itens. Quanto àqueles que faltam, você pode fazer suas consultas por conta própria, não é mesmo? Não encare isto como falta de educação para com o leitor. Trata-se somente de manter a característica literária deste texto, cujo objetivo é expor, em forma de crônica, o quão patético é “entupir” um mero panfletinho com uma porção de estrangeirismos para impressionar os potenciais compradores. Não quero continuar, com o auxílio da IA, a tornar mais inteligível um texto escrito com a maioria das palavras em inglês. Isto é trabalho de tradutor, e não de escritor (sem desmerecer, de modo algum, o primeiro).

Para finalizar, tenho que admitir, infelizmente, que os potenciais compradores, aos quais este panfleto pretende atingir, ficam sim impressionados de maneira positiva, ao lerem todas as vantagens que este empreendimento imobiliário promete aos seus futuros moradores...

Ah, mas tem que ler em voz alta, e enrolando bem a língua! 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

JOGO DA MEMÓRIA DE CARROS DO BRASIL, COM PEÇAS REDONDAS, DADO COMO BRINDE EM UM SALÃO DO AUTOMÓVEL, POR VOLTA DE 1970

Acho que a maioria dos meus textos tem seus títulos criados somente no final, quando já concluídos. Mas desta vez está sendo bem diferente. Nunca tive tanta certeza a respeito de um título, que tinha que ser assim, bem completo mesmo, a fim de facilitar o impossível... Cheguei até a jogá-lo no Google, em busca de alguma imagem, referência, qualquer coisa. Nada encontrei. Só existe na minha lembrança... Mas vai que, por um milagre da internet, quando colocar este texto em meu blog, alguém, que tenha esta raridade em mãos, entre em contato comigo...

Tenho em minha mente as imagens gravadas, que atravessaram décadas. Gordini, Decavê, Dodge Charger R/T, Variant... Tenho certeza que, se este jogo com peças redondas estivesse novamente em minhas mãos, despertaria lembranças muito vívidas. Mais ou menos parecidas com as que tive quando revi as fotografias estampadas no livro “História do Automóvel”. Quando meu irmão estava se desfazendo dos livros para mudar de apartamento, logo lhe pedi para me dar este grosso volume, por mim folheado muitas e muitas vezes, quando, ainda criança, mais de cinco décadas atrás, admirava os carros e fixava na memória aquelas belas ilustrações. E, depois de tanto tempo, quando voltei a ver aqueles carros que foram cravados no imaginário infantil, ah... que sensação boa!

Engraçado... De certo modo, eu levei ao pé da letra, pois este jogo da memória foi memorizado para sempre... Sei que a probabilidade de eu encontrar algum exemplar deste objeto, por mim tão venerado e decorado, é muito remota. Primeiro porque, por ter sido dado de brinde em um salão do automóvel, provavelmente nunca houve uma grande quantidade deles. Somente aquele número limitado, para ser distribuído naquele determinado evento, só isso... Só se alguém guardou... Alguém como eu, que ficou admirando aqueles carros coloridos. Sim, porque antigamente os carros eram bem mais coloridos, e isto era muito bom. Bem diferente de agora, com os carros quase todos da mesma cor. Cinza e branco dominam, restando pouco espaço para os pretos e vermelhos. E fica praticamente só nisso, um mundo chato, sem variação de cores. Mas voltando ao hipotético leitor, que, por um maravilhoso acaso, acabe se deparando com este texto, este leitor que não só se deslumbrava em ver aqueles carros coloridos, mas que, principalmente, teve o cuidado que eu não tive, de guardar o objeto tão querido... Sim, dirijo-me agora a este leitor! Entre em contato comigo! Estou disposto a comprar o seu jogo da memória de carros do Brasil, com peças redondas, dado de brinde em um salão do automóvel, há muito tempo atrás, por volta de 1970... Mesmo que não cheguemos a um acordo que viabilize a compra, gostaria de somente vê-lo, manuseá-lo, deixando despertar antigas lembranças...

E você, leitor que nunca viu este jogo da memória, deve estar achando meio sem sentido toda esta minha veneração. E talvez até não haja sentido mesmo. Escritor tem dessas coisas, potencializa os sentimentos para tentar tornar suas obras mais atraentes... Mas bem que eu queria ver esse jogo da memória novamente... Quem sabe um dia? Quem sabe o tal hipotético leitor realmente existe e acabe lendo estas linhas... Bom, fiz a minha parte. A sorte está lançada. E, de quebra, o texto deste mês, aqui no blog, está pronto!

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

MANOEL

Agora não vai ter mais pastel e caldo de cana por cinco reais cada um. Muita gente vai sentir falta destes preços baixos. Já faz um bom tempo que o pastel da feira passou para 10 reais. Mas o do Manoel, embaixo do viaduto, em frente à entrada lateral do Carrefour, manteve-se, heroicamente, nos cinco reais, e com uma qualidade muito boa.

Porém isto só se manteve até anteontem, sexta-feira. Neste dia, o meu irmão, em sua costumeira caminhada matinal, passou por lá e, parando na Kombi do Manoel, comeu o seu pastel e, como sempre, manteve aquela boa conversa com ele, pessoa de bom papo, amigo da nossa família.

Manoel tinha planos de se aposentar logo, tão logo completasse 65 anos, no ano que vem. Queria deixar os pastéis e o caldo de cana de lado, para criar porcos, galinhas, e cuidar de um pedaço de terra que pretendia comprar lá pelos lados de Ribeirão Pires.

Antes dos pastéis, ele trabalhou como pedreiro. Também lidava com jardinagem. Aqui em casa dá para ver as várias coisas que ele fez... O canil do Bob, englobando a casinha, o cimentado, os canteiros e a cerca. Ao lado disto, outro cimentado, redondo, para suportar a piscina de encher. Nesta obra do cimentado redondo, usou suas habilidades de jardinagem para transplantar um pé de amora de um ponto a outro do quintal. E assim foi, sempre nos socorrendo com os seus serviços... E até para nos tirar de situações difíceis! Lembro-me agora de uma vez que o chamamos para tirar o Bob do porta-malas do carro. Com muito medo e disposto a morder, ninguém conseguia tirá-lo de lá. Mas o Manoel conseguiu! Tinha jeito com cachorros e o nosso cão gostava bastante dele. Ao leitor que ficar intrigado para saber mais desta história do porta-malas, ficarei devendo explicações, pois não quero misturar as histórias. Aquela é curiosa, inusitada, e esta é triste, chocante...

Realmente foi um choque para todos nós. Uma vida acabar assim tão de repente, inesperadamente. Tentamos encontrar alguma razão, algum sentido nisso tudo. A sensação é de algo interrompido, um filme inacabado. Gostava de conversar com ele, tinha uma sabedoria que transparecia naquilo que falava, de um modo simples e verdadeiro.

Foi tudo muito rápido. Infarto fulminante. Pelo que sua esposa, agora viúva, me contou, deve ter durado nem cinco minutos. Estava tudo bem naquela noite de sábado, viram TV normalmente, ele tomou café, e depois foi ao banheiro. Foi quando ela começou a ouvir respirações ofegantes... Não, não vou contar detalhes. De nada adiantará.

O fato é que está tudo acabado. Seus planos em Ribeirão Pires e todos os seus projetos... Tudo interrompido, assim como este texto, que morre junto com ele.

domingo, 1 de setembro de 2024

OBRAS PERDIDAS

Conecto o HD externo no notebook e... nada! Não é reconhecido. Insisto várias vezes e obtenho o mesmo resultado. Vou para o quarto do meu filho e peço para ele conectar o HD no PC dele. Ainda nada!

E agora?!? Neste HD estão muitas fotos e filmes, registros da família, viagens... Além de grande quantidade de obras que escrevi, contos, livros...

A sensação de perda é muito ruim. Com relação às fotos e filmes, ficam lá guardados e nós, praticamente, nunca os vemos, mas saber que não existem mais, isto provoca um vazio na gente. Como vamos recordar momentos, ver nossos entes queridos mais novos, inclusive nós mesmos, e nos admirarmos com as diferenças, e puxarmos aqueles sentimentos indescritíveis? Com relação às obras perdidas, talvez ficassem perdidas para sempre, nunca publicadas, nunca mais lidas por ninguém, mas saber que não existem mais, isto me dá uma sensação de que algo muito importante foi tirado de mim, criações totalmente perdidas, todo um trabalho que, de repente, deixa de existir.

O próximo passo é começar pela hipótese menos impactante ou dramática. Pode ser um simples mau contato. Compro um novo cabo USB para conectar o HD externo. Quando a mercadoria chega em casa, vejo que no pacote há dois cabos. Oba! Veio em dobro! Sorte a minha! Mas a sorte acaba aí, pois, quando troco o cabo, nada acontece. Nenhum dos dois novos cabos é capaz de ressuscitar o meu HD.

O estágio seguinte é buscar um serviço especializado. Nesta etapa percebo como funciona a precificação neste mercado onde o público consumidor é formado por pessoas que não medem esforços para recuperar valiosíssimos registros perdidos. Os preços começam muito, muito altos. Mas podem abaixar bastante. No meu caso, abaixa para duas vezes e meia mais barato, mas ainda assim fica muito caro! Mas vale a pena! Acredito que este serviço será bem-sucedido e terei tudo de volta!

Mas a resposta deste serviço de recuperação de HD não vem tão logo... Enquanto isso, procuro maneiras alternativas de reaver os arquivos perdidos. Vou em busca de um Netbook, um pequeno computador encostado aqui em casa. Para minha felicidade, encontro todas as minhas criações literárias e também muitas fotos e vídeos, valiosos registros de família. Porém, tudo isto até 2014. O que veio depois não dá para resgatar. No entanto, já é uma grande coisa!

Certo tempo depois, vem o retorno da empresa especializada, que não é nada agradável: não foi possível recuperar nada do HD!

Após este baque, ainda consigo recuperar mais uma obra literária, por meio daqueles programas que possibilitam reaver até arquivos excluídos. Baixo uma versão gratuita e vou em busca de obter novamente um livro inacabado, escrito após 2014, que sei ter removido de outro computador encostado.

Desta maneira, com relação às obras literárias que escrevi, acredito que consegui resgatar tudo. Porém, ainda resta uma lacuna considerável nos registros de imagens, fotos e vídeos, da família...

Ainda tentarei, por meio de outros profissionais, ressuscitar o meu HD externo morto.

Só me resta, para completar este texto, recomendar a você, que me lê, para que cuide bem das suas informações valiosas, colocando-as na “nuvem”, onde há uma garantia dos provedores em manterem todos os arquivos, ou fazendo backups em outros HDs, mas nunca confiando, como eu, que o tal HD externo, no qual estão concentrados os dados (e só nele!), vai durar para sempre...

quarta-feira, 31 de julho de 2024

SOLEMAR – O RIOZINHO E A CONVERSA COM XXXXXX (PARTE 3 DE 3)

Havia um objetivo maior para aquela caminhada, além de catar conchas e molhar os pés na água do mar: propus à minha esposa chegarmos até o riozinho. Ah, o riozinho... Contei a ela que quando éramos crianças, lá íamos, eu e meu primo, pescar pitus, uma espécie de camarão de água doce, que era capturado em latas abertas na parte superior e perfuradas em vários pontos. Eram mergulhadas na parte mais funda do riozinho, sustentadas por fios para serem puxadas depois, e tinham em seu interior uns pedaços de miolo de pão, que atraiam os pobres crustáceos para esta armadilha.

– Não é muito longe não! É perto! Tá vendo aquela casa meio grande e isolada? Ela fica bem do lado do riozinho. É a referência que a gente tinha. Ela tá mais ou menos do mesmo jeito... – foi assim que a convenci para esticarmos a nossa caminhada até lá.

Lá chegando, seguimos o curso tortuoso do pequeno rio, afastando-nos do mar por algumas dezenas de metros, até atingir uma área onde ele ficava bem mais largo. Mais à frente, tinha até uma garça pousada em algo que se elevava no meio do leito. Envolvendo esta piscina natural, havia uma vegetação. Foi neste cenário que avistamos uma pessoa, sentada em algo que não me lembro agora, a contemplar as águas tranquilas diante de si. Ao nos aproximarmos dele, logo surgiu uma conversa, na qual ficamos sabendo um pouco da sua vida. Creio que não há nenhum problema em colocar aqui algumas coisas que ele nos disse, pois elas não revelarão a sua identidade, porque são coisas da vida...

Perdeu os pais muito jovem, ainda criança e na adolescência. O pai com 12 e a mãe com 16, se não me engano eram estas as idades. Disse que sua mãe sempre lhe falava para estudar. Comentou que ela mesmo era estudiosa. Mas confessou que ele não seguiu este conselho materno, pois não dava para os estudos. Mencionou escolha errada na vida e nos informou que morava na rua. Disse-nos sua idade e que tinha uma irmã. Gostou da figura estampada em minha camiseta, achando que era algum grupo de música mexicana (mas eram os Beatles, com aquelas roupas de cores berrantes do álbum Sgt. Pepper’s), então emendou que gostava de samba. Em algum ponto da conversa, contou-nos que era da Bahia. E assim soubemos um pouco da sua vida... Na nossa conversa, comentamos sobre a Natureza, sua beleza e a tranquilidade que ela nos dá (motivados, é lógico, por aquele belo pedaço de Natureza diante dos nossos olhos). Foi depois deste primeiro comentário que ele começou a revelar os elementos que aqui coloquei.

Assim está bom, já está de bom tamanho. Não contarei mais nada sobre você, meu caro XXXXXX (não vou revelar o seu nome). Mas vou deixar aqui registrado que o papo foi bom, e acho que ele gostou ainda mais que nós. E, por fim, mostrou-se bem satisfeito com o nosso sorriso ao nos despedirmos, comentando algo a respeito. Deixamos ele no mesmo lugar no qual o encontramos e iniciamos o caminho de volta. Logo que nos distanciamos um pouco, comentei que as pessoas que vivem na rua ficam extremamente gratas quando alguém conversa com elas. Infelizmente, elas sofrem um processo de invisibilização... São ignoradas, como se não existissem. Ou são evitadas, como se a sua existência representasse um mal por si só. Então, quando simples palavras lhes são dirigidas, tratando-os normalmente como seres humanos que são, neste momento sentem-se muito bem.

Pronto! Não há mais nada a descrever ou narrar sobre Solemar. Porque, a partir daí, ao chegarmos no carro que ficou estacionado na rua Cecília Meireles, logo entramos no mesmo e seguimos para almoçar no shopping da Praia Grande, deixando Solemar para trás...

Espero que você, leitor ou leitora que me acompanhou nesta trilogia de pequenos textos sobre Solemar, tenha captado ao menos um pouco dos sentimentos que vivi durante este breve passeio saudosista... O saudosismo é assim: vibra muito mais forte naquele que viveu o passado. Aqueles que ouvem a história, podem até achar meio sem graça... Mas deixe eu lhe perguntar uma coisa: você não tem um lugar que lhe traz esse saudosismo gostoso de boas recordações?

terça-feira, 9 de julho de 2024

SOLEMAR – O GRANDE PRÉDIO, AS BOLACHAS-DO-MAR, E OS EMISSÁRIOS (PARTE 2 DE 3)

Talvez o principal motivo que me levou a visitar Solemar foi a construção de um grande prédio bem ao lado da casa em que lá ficávamos. O novo empreendimento, com quatorze andares e ampla frente para o mar, ocupa a área do que era um terreno vazio e, pelos meus cálculos, avançou para uma ou mais casas ao lado. O quintal onde nos demorávamos nas redes ou cadeiras, vendo as crianças brincarem na piscina, parte desta área virou o estande de venda deste prédio vizinho. No que restou da nossa ex-casa, pude ver, na parte da frente, que o imóvel ganhou uma nova estrutura, aumentando para cima e virando um sobrado. A parte de trás, maior em comprimento, não foi possível ver, por estar escondida por um alto muro ou parede azul. O que aconteceu com as três janelas (da sala, banheiro e quarto) e com o corredor lateral? Foram “engolidos” pelo avanço do telhado e deixaram de existir? Ou estão atrás do muro azul? Agora, vendo detalhadamente o vídeo que fiz para registrar a cena, decidi pela primeira hipótese. Mas nada disso importa, pois o resumo da história é que tudo foi muito, muito modificado mesmo, e tudo que me lembro não existe mais!

Até a praia estava diferente, com o mar bem mais recuado quando comparado com minhas lembranças. E neste cenário que constantemente era contraposto com nossas memórias, lá fomos, eu e minha esposa, caminhar na beira da água, molhando os pés. Estávamos quase só nós dois na imensidão de areia, pois, apesar de o dia estar bonito naquele começo de inverno, era segunda-feira. Se o feriado não fosse em Barueri, mas sim na cidade de São Paulo, aí sim a praia estaria com muito mais gente. Porém é melhor assim, vazia, pois o contato com a natureza se faz mais presente.

Em algumas regiões a água se acumulava, formando rasíssimas piscinas onde a areia era um pouquinho mais baixa. Nesses lugares os pés sentiam a temperatura ligeiramente maior. Logo começamos a pegar algumas poucas conchas que surgiam, mas o que mais nos chamou a atenção foi o que parecia ser uma estrela-do-mar. Na verdade não era uma estrela-do-mar, mas sim “bolacha-do-mar”. Fiquei sabendo seu nome correto justamente agora, quando fui pesquisar na internet o nosso achado. Mais um pouco de conhecimento: a tal bolacha-do-mar pertence à ordem Clypeasteroida e é parente próxima da estrela-do-mar. De cor acinzentada e com o desenho de uma flor ao centro, encontramos algumas na areia molhada, mortas. Uma delas estava inteira, nenhuma parte quebrada, um achado que mereceu ser guardado em um saquinho plástico. No entanto, minutos depois, ao olharmos novamente para este brinde que roubamos da natureza, constatamos que havia se quebrado, e aí percebemos que se tratava de algo muito frágil, que logo depois voltou para a areia, pois não valia a pena guardá-la daquele jeito.

A caminhada continuava e, justiça seja feita, nem tudo piorou com o passar dos anos, pois não posso deixar de registrar que não passamos por nenhum esgoto a céu aberto. Antigamente, de quando em quando, tínhamos que pular os caminhos tortuosos, que seguiam poluindo a areia até atingirem a água do mar. Alguns, menores, não conseguiam atingir as primeiras ondas. Morriam em algum ponto do percurso arenoso, mas nem por isso deixavam de degradar o meio ambiente. Mas agora o cenário é bem diverso. Foram construídos emissários, que levam o esgoto em longas tubulações até regiões mais profundas do mar. Não que isto deixe totalmente de poluir, mas acaba sendo, vamos dizer assim, uma poluição mais bem comportada, pois se aproveita da “grande capacidade de depuração do oceano, em função de seu enorme volume de água” (com as próprias palavras, entre aspas, que encontrei no site da CETESB – Companhia Ambiental de Estado de São Paulo).

(continua)

sábado, 6 de julho de 2024

SOLEMAR – AS TRÊS CASAS E AS ESTRADAS (DE ASFALTO E DE FERRO) (PARTE 1 DE 3)

Solemar é uma praia que pertence à cidade de Praia Grande, no estado de São Paulo.

Decidi começar a crônica com esta frase, que dá a localização geográfica de um lugar que fez parte de minha vida por mais de quatro décadas. Desde 1966, quando tinha dois anos idade, até 2010, ano em que a casa foi vendida. Mas não foi somente esta casa que atravessou todo este tempo. Na verdade, foi uma espécie de corrida de bastões. O primeiro imóvel, vindo dos anos 60, atravessou a década seguinte e, no começo dos anos 80, passou o bastão para outro imóvel. Este prosseguiu até a virada do milênio, quando delegou a tarefa de acompanhar a minha família para o terceiro e último “corredor”, uma construção com quatro suítes cercando uma cozinha e sala conjugadas, tudo isto na parte posterior do terreno, pois a frente era embelezada por um jardim.

As três construções muito próximas, e todas elas muito próximas também da praia. A do meio em termos cronológicos, a que atravessou as décadas de 80 e 90, esta era em frente à praia, pé na areia mesmo. E foi assim, passando as férias de final de ano, que minha família passou de um imóvel para outro, sempre naquele final da rua Cecília Meireles, sempre Solemar. A primeira casa me viu crescer e chegar até a adolescência. A segunda presenciou meus anos de juventude, conheceu minha esposa e, em seu quintal de frente para o mar, alegrou-se ao ver minha filha brincando com os primos na piscina de armar. Meu filho, na barriga da mãe, conheceu as paredes recém-levantadas da terceira casa. São tantas recordações em cada uma delas... Nem sei por qual começar...

Não quero parecer injusto com nenhuma memória, lembrando de algumas e esquecendo outras, que dirão serem mais importantes que as primeiras, assim sendo tentarei deixar todas elas, as antigas, no passado, e procurarei relatar aqui o que aconteceu em uma rápida visita que lá fiz, há onze dias atrás. São memórias frescas, recentes, de um bate-volta entre São Caetano e Solemar, coisa que já estava querendo fazer há algum tempo.

Aproveitei o feriado em Barueri, cidade na qual trabalho, para dar esta escapada da rotina. Na verdade, há uma certa mentira quando digo “cidade na qual trabalho”. Isto porque atuo remotamente, no chamado regime home office. Mas tudo bem, isto não importa. O que vale é que é feriado na cidade da sede da empresa na qual eu fui registrado e, portanto, feriado para mim, oba! E lá fomos nós, eu e minha esposa, nesta jornada saudosista.

Ainda na estrada, mas já dentro da Praia Grande, observei que havia muito mais prédios pelo caminho, sinal do avanço da ocupação imobiliária. Fazendo as contas, acredito que não passava por ali há uns oito anos, tempo suficiente para mudanças significativas. Porém, uma das que me surpreendeu logo no começo, foi quando, ao sairmos da estrada, passamos por onde havia o trilho do trem. Aqui havia o trilho do trem! Aonde foi parar o trilho do trem? Só asfalto, asfaltaram tudo! Agora sim que não há mais chance de esta linha de trem ser reativada. Que pena! Tudo acabado! Agora, escrevendo estas linhas, lembro-me da viagem que fiz, ainda criança, com minha família e meus tios, de Solemar até Juquiá, naquele trem com bancos de madeira... Mas vou cumprir aqui o objetivo que já disse de deixar as memórias antigas no passado, certo? Não só para não cometer injustiças com as memórias, mas também para não me alongar muito, pois se fosse dar vazão a todas as lembranças, esta crônica viraria um livro de recordações...

(continua)

terça-feira, 11 de junho de 2024

ETERNIZADOS

Chegará o tempo em que a espécie humana, de alguma forma, conquistará a imortalidade.

Inteligências artificiais atingirão um grau inimaginável de aperfeiçoamento. E será com elas que as personalidades humanas se eternizarão.

Serão instaladas espécies de chips nas pessoas, que coletarão uma infinidade de dados, por um longo tempo, transmitindo-os para centrais de processamento. Memórias, sensações, ações, reações, condutas, procedimentos, hábitos, aprendizados, pensamentos, sentimentos, senso de humor, enfim, tudo o que se passa com o indivíduo e que o torna único, com sua identidade inigualável a qualquer outra. Tudo isto será utilizado para construir uma inteligência artificial que, aos olhos de qualquer um, refletirá totalmente a própria pessoa fornecedora das informações.

Unidades centrais de processamento, do tamanho aproximado de um cérebro humano, abrigarão suas respectivas inteligências artificiais, resultando em réplicas perfeitas de consciências e mentes.

Os corpos, que receberão os comandos destas mentes, serão construídos usando um nível de engenharia tão avançado que será muito difícil distingui-los dos corpos orgânicos. Inclusive até será possível escolher a idade na qual uma determinada pessoa será “eternizada” (este é o termo que usarão).

Por exemplo, aos sessenta anos, um homem decide implantar em si o tal chip que coleta todas as informações necessárias para replicar a sua mente. Ao fechar o contrato com a empresa que fornece os produtos e serviços relativos à eternização, disponibiliza vídeos e hologramas diversos nos quais aparece com a idade de trinta e seis anos, pois é com esta aparência que deseja se eternizar perante o mundo. O tempo passa e ele morre por uma causa qualquer, lá pela casa dos oitenta anos, dando assim início ao processo contratado. A réplica da sua mente é armazenada em uma unidade central de processamento. Um corpo com exatamente a sua aparência aos trinta e seis anos é construído. Por fim, mente e corpo unidos dão origem a mais um eternizado na face da Terra.

Será assim o processo de criação destes novos seres, que nem podem ser chamados de vivos, pois nunca morrerão, desde que sejam feitas as manutenções periódicas programadas. Quanto à energia para manter em funcionamento esta maravilha da engenharia, a mesma será obtida de diferentes maneiras. Cada corpo estará preparado para adquiri-la por meio da luz solar, ou de quaisquer outras fontes luminosas. Outro meio de obtenção de energia será através dos sons, ruídos ou vibrações. E, para fechar o leque de captação, o magnetismo terrestre também servirá para carregar suas baterias.

Depois de ter deixado aqui registrado todo um avanço em termos de tecnologia, penso que você, ao ler este meu exercício de futurologia, agora deve estar pensando como seria a humanidade desta época. Haveria também um grande avanço na área do bem estar social, resultando em uma humanidade mais justa e com menos diferenças e privilégios? Não, infelizmente digo que não, frustrando os mais otimistas. Na verdade, frustro a mim mesmo, pois, no fundo mesmo, acredito na evolução do ser humano como ser humano. Parece pleonasmo, mas não é. Trata-se de acreditar que o avanço moral do ser humano acompanha, mesmo que com atraso, o avanço científico e tecnológico. Mas, nesta minha experiência de retratar um cenário futurista, prefiro mostrar uma humanidade com ainda mais mazelas em suas estruturas do que as que vemos hoje...

Assim sendo, diria que haveria uma classe de privilegiados, aqueles que estariam no topo da pirâmide social. Portanto, a eternização, por ser um pacote de produtos e serviços extremamente caro, poderia ser adquirida somente por estes indivíduos, os mais abastados. Diria também que a maior empresa neste mercado da eternização seria comandada por um eternizado, pois o fundador do império não quis deixar o comando da organização para ninguém, mas somente para uma cópia de si mesmo.

Pronto, assim completo esta crônica futurista, que vai para o meu blog. Ficará registrada em um ínfimo e perdido blog, em meio a um oceano de informações. Mas poderia ser o pano de fundo para um livro ou um filme, talvez. Fique à vontade, pode usar esta ideia, do jeito que quiser. Do meu lado, eu só fico aqui pensando se estas coisas vão mesmo acontecer... Será?

domingo, 26 de maio de 2024

DIA DAS MÃES

Casa cheia. Não cabe todo mundo em torno de uma só mesa. Há duas, portanto, uma hexagonal e outra retangular. Família reunida para comemorar o dia das mães. Esta é a primeira cena que quero deixar registrada aqui neste meu relato.

Mas vamos detalhar um pouco mais os integrantes deste almoço festivo. Não, festivo não. Não chegava a tanto. Acabei exagerando no adjetivo. No entanto posso garantir que todas as pessoas falavam descontraidamente, dando a impressão que lá estava uma multidão com incontáveis conversas paralelas. Não, outra vez não usei a palavra correta. Não eram propriamente conversas, pois isto pressupõe que as falas se conectem em um enredo contínuo. Porém isto não ocorria, eram comentários soltos e curtos, que pulavam de um lado para outro, relacionados ao momento presente: elogios à comida, uma brincadeira aqui, outra lá...

No parágrafo anterior queria, pelo menos, ter dito quem estava em torno das mesas, mas acabei somente dando uma ideia do falatório que ocorria. Vamos então relacionar os indivíduos que estão comendo o delicioso estrogonofe preparado pela anfitriã. Além desta, já mencionada, temos: seu marido, sua filha mais velha acompanhada do marido, seu filho mais novo (são dois os filhos da anfitriã), a mãe do seu genro, a sua mãe, a irmã e seu marido e, finalmente, sua sobrinha. Ah, não posso esquecer do cachorro da casa, um filhote esbelto e pretinho, agitado que só ele, que está preso na coleira para não bagunçar com todo mundo, em sua incansável busca por comer, comer, comer, comer... Quem o vê, pensa que está a morrer de fome, ainda mais quando percebe as costelas que aparecem em seu esguio tronco. Pensamento errado, pois é bem alimentado e come bem. Então, diante disto, podemos concluir que há duas coisas com este animalzinho: não consegue engordar (deve ser o seu biotipo mesmo) e não tem aquela trava no organismo que indica que está satisfeito, ou seja, é como já disse, comer, comer, comer, comer...

Já que passamos para o reino animal, continuemos aqui, mas agora explorando um ser bem menor que qualquer cão, e que estava em um lugar incerto... Sim, não tenho condições de saber onde aquela barata estava e, por acaso, alguém sabe exatamente de onde elas vêm? Só se sabe que elas aparecem, principalmente nos dias mais quentes... (os mais observadores estranharão, pois lembrarão que estamos no segundo domingo de maio, dia das mães, e, nesta época do ano, no hemisfério sul, onde vive o escritor deste relato, que, por sinal, sou eu, enfim... voltando ao fio da meada, no hemisfério sul, distante apenas 40 dias do início do inverno, é absolutamente incomum passar por dias tão quentes; mas acredite, os dias estavam bem quentes nesta época do ano, graças ao aquecimento global, que anda provocando mudanças climáticas e atingindo a todos, mesmo aqueles que não acreditam no aquecimento global...).

Perdoe-me o leitor esta digressão climática. Voltemos à barata. Coisas de escritor amador, ficar assim desviando do assunto, tentando imitar o mestre Machado de Assis... No entanto, preciso dizer algo que só um escritor pode saber, que é justamente a motivação desta barata, a razão pela qual ela decidiu entrar em cena neste almoço de dia das mães. A razão é simples e objetiva: saiu em busca de alimento para oferecer às suas crias, pobres baratinhas que choravam de fome. Não acredita, leitor? Por acaso não está gostando do que lhe conto, julgando ser fantasioso ou infantil? Pois sinto muito, esta história vai continuar assim deste jeito, pois retrata a mais pura verdade.

Começarei a descrever a trajetória da barata justamente quando ela foi notada no ambiente. Começou assim: a filha da anfitriã sentiu algo percorrer a sua pele. De imediato até pensou que fosse o filhote agitado, fuçando em sua perna debaixo da mesa. Mas não. Infelizmente não. No instante seguinte percebeu o terrível infortúnio e gritou: “Ai, uma barata! Uma barata na minha perna! Ai, ai, ai!”. Sucedendo o grito, um breve choro meio desesperado. Enquanto isso, a barata já atravessava, por baixo da mesa hexagonal, aparecendo do outro lado e sendo vista pelo marido da anfitriã, que prontamente tratou de perseguir o repugnante inseto.

Logo que passou pela mesa, ela já se enfiou e escondeu-se por baixo dos pedais do órgão musical que ficava ao lado. Nisto, o marido da anfitriã pediu para que esta lhe trouxesse o inseticida, enquanto ele ficaria com o olhar pregado nos pedais (ele acreditava que, com o olhar fixo desse jeito, as baratas ficam imobilizadas, pois percebem que estão sendo observadas e não se arriscam sair do lugar). Verdade ou não, não se viu a barata saindo dali até que o inseticida chegasse às mãos dele.

Nem é preciso mencionar que o almoço foi totalmente interrompido e que tudo girava em torno daquele pequeno e indesejado ser...

Armado com o spray, logo borrifou de um lado a outro do estreito espaço entre os pedais do órgão e o piso da copa. Enquanto o veneno se espalhava, em busca do inseto que dele fugia desesperadamente, a jovem tentava se recompor da horripilante sensação de ter aquelas seis patas nojentas correndo em sua pele. Imediatamente foi em busca do álcool, para limpar-se em todo o caminho traçado pela barata.

O olhar atento do caçador logo percebeu que sua presa corria desesperadamente, metendo-se agora por baixo da mesa retangular, seguindo rente à parede e por detrás de uma caixa que ficava sob esta mesa. Rapidamente ele puxa a caixa que a escondia e aplica nova carga do spray venenoso...

Vamos agora voltar a dar o enfoque para ela, a perseguida, aquela que saiu em busca de alimento para seus filhos, mas que escolheu a hora errada para esta nobre tarefa... Você, que acompanha este meu relato, neste momento deve estar reprovando este espaço que estou dedicando a um ser nojento... No entanto, coloco aqui, a meu favor, o princípio da justiça, dizendo que a barata tem sim o direito de ter o seu lado da história aqui registrado, pois não podemos ficar com somente uma versão dos fatos, não é mesmo? E esta versão, ignorada pela maioria das pessoas, é realmente trágica. Especialmente neste caso em particular, pois a pobre barata estava simplesmente em busca de saciar a fome dos seus rebentos. Há algum mal nisso? Não, de modo algum. O problema, como já coloquei, foi ter escolhido a hora errada para efetuar esta busca... Mas, pensando bem, haveria outra hora? Se os seus filhos estão a chorar de fome, o que você faz? Vai esperar o momento certo de socorrê-los com alimento? Ora essa, o momento certo é agora! Mas bem que os filhotinhos de barata poderiam ter reclamado em outra hora, é o que podemos pensar. Se fosse na calada da noite, com a copa e todos os outros cômodos desabitados por humanos (com exceção dos quartos), se assim fosse ela poderia sair em busca de alimento tranquilamente. Mas não, aconteceu justamente com a casa cheia, naquele cômodo onde todas as pessoas almoçavam, comemorando o dia das mães... E a pobre mãe barata agora estava em uma situação realmente trágica...

A última borrifada do inseticida deixou-a em um estado muito crítico. Seu sistema nervoso sentia o terrível efeito dos agentes químicos. Não me atrevo a dizer o que se passava pela sua cabeça, pois aí já entraríamos na questão de admitir ou não que uma barata seja capaz de ter algum pensamento. Mas não podemos ignorar que este inseto tem um cérebro e que algo deve ocorrer em seus neurônios. Desta maneira, algum tipo de pensamento, por mais simples que seja, deve animá-la. Nada elaborado, sem palavras ou raciocínio encadeado, mas algo relacionado a memórias, talvez. Principalmente neste momento tão crucial, será que ela não está pensando nada? Eu diria que sim, ela está pensando. Agonizando, vítima de um grande sofrimento, talvez lhe passe pela cabeça o arrependimento de ter saído do seu canto com a casa assim tão cheia. Mas não, quando eu, o humano que narra a história da barata, penso um pouco mais a fundo, logo concluo que ela não se arrependeu, pois saiu e se expôs para atender ao apelo dramático dos seus filhos, que choravam de fome. Faria isso mais mil vezes, se preciso fosse! Afinal, quem disse que barata não tem instinto maternal?

Agora me dirijo a você, que ao acompanhar esta narração acabou por sentir pena deste infeliz inseto... E que se surpreende consigo mesmo ao torcer para que o marido da anfitriã desista da caçada, a fim de que a barata possa se recuperar. Sim, porque este ser é capaz de se recuperar de situações realmente graves. Uma pesquisa rápida na internet já nos mostra a grande resistência das baratas... Que elas podem viver por até uma semana quando têm a cabeça decepada... Que, enquanto são ninfas (ou “não adultas”, para simplificar), podem regenerar patas, antenas ou olhos... Que não se afogam com facilidade, pois seu fôlego dura cerca de 40 minutos... Que elas têm uma incrível flexibilidade e conseguem suportar 300 a 900 vezes o peso do próprio corpo... Que, que, que...

Mas vamos partir para o desfecho desta história, e conferir se a torcida dos defensores da barata surtirá algum efeito. Pois bem, após ter puxado a caixa e espalhado mais uma carga do inseticida, o marido da anfitriã logo percebe que a sua vítima se encontra em uma posição vulnerável: de barriga para cima, sob a mesa retangular. Então ele puxa a agonizante com uma vassoura, deixando-a perto de si, totalmente à mercê das suas ações.

Interrompo mais uma vez a ação de perseguição, pois acredito ser conveniente explicar a razão pela qual as baratas acabam por ficar de barriga para cima nestas situações. Isso acontece porque estes insetos respiram através de estruturas chamadas espiráculos, que são poros localizados na lateral do abdômen. Em contato com inseticidas, esses poros se fecham e ela, na tentativa desesperada de respirar, vira de barriga para cima, buscando puxar o ar, em sua luta para se recuperar da ação do veneno.

Enquanto a infeliz barata buscava respirar, o marido da anfitriã, esse gigante, lhe coloca a ponta do chinelo sobre a cabeça, deixando tudo preparado para o golpe fatal.

Aperta o chinelo sobre a cabeça do inseto. Para garantir o sucesso da operação assassina, equilibra-se na ponta de um dos pés e deposita todo o peso do corpo sobre aquele cérebro que já se encontrava vitimado pela ação tóxica do veneno. Ouve-se um pequeno estalar, indicativo de que os miolos da barata estavam devidamente esmagados. Pronto, nada mais resta a contar sobre esta personagem, pois ela não mais pertence ao reino dos vivos.

Mas a nossa história continua... Após a finalização da caçada, era necessário limpar a cena do crime. Então ele foi em busca de papel higiênico, recolhendo o pequeno corpo e ao mesmo tempo limpando o chão sob o cadáver. Ao se aproximar do banheiro, local onde daria um fim aos restos mortais, faz uma graça com a cunhada e a sobrinha, que haviam se afastado da copa, talvez buscando um refúgio seguro, longe daquele ser repugnante. Mostra-lhes o papel higiênico que embrulha a barata morta e obtém delas uma reação de medo e nojo, acompanhada de um breve grito da sobrinha.

Atira o conjunto, barata mais papel higiênico, no vaso sanitário. Aperta a descarga e lá se vai, para o esgoto, uma pobre mãe, que só estava buscando alimentar seus filhos, bem no dia das mães...