Estava voltando de uma caminhada noturna,
disposto a, antes de chegar em casa, obter alguma inspiração para uma crônica,
quando me veio a ideia de escrever sobre "absolutamente nada".
Será realmente um desafio redigir um texto que
não fale sobre nada. Você, que desde já decidiu, motivado pela curiosidade,
acompanhar-me até as últimas palavras, a fim de ver como farei para sair desta
enrascada na qual voluntariamente me meti, pois bem, se você, ao final da
leitura, não souber dizer sobre o que escrevi, então me darei por satisfeito.
Mas prometo que não vou trapacear e procurarei
ser claro em minha redação, fugindo assim da tentação de usar palavras
difíceis, com frases bonitas e ininteligíveis, pois esta seria a maneira mais
fácil de não passar conteúdo algum para o leitor, cumprindo assim a minha meta.
Vou deixar esta tarefa para os escritores que julgam ter algo muito importante
a dizer, mas que em suas obras não conseguem dizer nada. Eles são especialistas
em não passar nada para o leitor de maneira rebuscada, enquanto eu, por outro
lado, tentarei apresentar conteúdo algum de forma absolutamente clara. Ah,
somente queria deixar registrada aqui uma observação: na verdade, estes
escritores de "nadas rebuscados" são sempre muito
"entendidos" pelos seus leitores, pois nenhum deles quer dar o braço
a torcer e admitir que nada entendeu. Assim sendo, afirmam com convicção que
compreenderam cada palavra, todos os conceitos envolvidos, atentos à linha de
raciocínio que cada um deles consegue ver, e que cada um vê a seu modo.
Pois bem, vamos lá! Escrever sobre absolutamente
nada de modo absolutamente claro, este é o desafio. O nada, ausência de tudo.
Não pode haver pensamento algum, ideia nenhuma. Sem imagens, sem sons, sem
cheiros, sem gostos, sem tatos. Nenhum dos cinco sentidos, e se houver mais
algum ou alguns além destes, como pregam os místicos, todos estes sentidos
sobressalentes também não podem ser estimulados, porque o nada, como o próprio
nome diz, nada estimula. Então, se há alguma coisa que este texto possa estimular,
essa coisa é só e somente uma: vontade de meditar. Para atingir, realmente, o
pleno estado de meditação: esvaziar a mente, não pensar em nada, não sentir
nada, nada para tudo, tudo dando em nada.
Este parágrafo é bem curtinho mesmo, só isto,
para que você aproveite e interrompa a leitura para meditar.
Mas eu não posso sugerir isso para você, pois se
assim o fizesse estaria dizendo alguma coisa e, como eu não quero dizer nada,
melhor é deixar isso contigo, você só para a leitura para fazer uma breve
meditação de um minutinho se quiser. Certo?
Meditou? Teve algum contato com o nada?
Assusta-se com estas minhas palavras? Não, não responda, pois neste texto nada
deve ficar registrado.
Neste momento, acredito que uma boa parte dos
leitores já abandonou a leitura. Então prossigo com você, insistente, que
persiste até chegar à última palavra deste texto. E sinto que devo te falar uma
coisa: caso, ao final da leitura, restar-lhe uma forte sensação de tempo
perdido, de que nada aqui foi dito, de extrema inutilidade... caso tudo isto
aconteça, peço-lhe desculpa, antecipadamente. Não tenho intenção de
prejudicá-lo. Na verdade, não tenho intenção nenhuma, de ordem alguma, mantendo-me
assim apegado ao nada, ponto central e essência de todo este texto, em sua
totalidade ou em qualquer de suas partes.
Uma grande vantagem de escrever sobre nada, é
que não preciso me preocupar em elaborar um bom final para o texto. Ou seja, a
redação simplesmente acaba em qualquer ponto, sem conclusão, sem desfecho, sem
nada. Porque estes elementos são necessários quando se lida com algum conteúdo
e, se este não existe, não faz sentido se importar com a problemática de
encontrar o desfecho ideal... Muito bom! Gostei disso! Fica muito mais fácil. É
só colocar um ponto final, e pronto!
No entanto, não colocarei este ponto final
agora, pois quero escrever mais um pouquinho, apesar de não ter nada a dizer
sobre o nada. É só para a crônica ficar com mais volume, uma quantidade maior
de palavras. Porém tenho que tomar cuidado para não entrar em nenhum assunto,
pois aí estaria escrevendo sobre alguma coisa e, portanto, fugindo do meu
propósito inicial. Assim sendo, infelizmente, não poderei discorrer sobre uma
questão que me surgiu na mente neste exato instante. Não, não posso falar sobre
a mesma. E você pode até morrer de curiosidade em saber, mas jamais saberá.
Porque não posso colocar conteúdo algum aqui, mantendo assim, intocável e
absoluto, o nada.
Nada mais a declarar sobre o nada.
E ponto final.
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