segunda-feira, 20 de abril de 2015

MORTE PADRÃO


Deveria existir uma morte padrão, igual para todo mundo. Sem sofrimento, apenas desaparecer. Então seria assim, o sujeito daria falta de alguém e perguntaria para outro: onde está fulano? E este alguém responderia para o sujeito: morreu.


Para que se tivesse certeza da morte, seriam necessárias algumas condições. Alguém teria que ver o indivíduo morrer, ou melhor, desaparecer. Ou então, caso não houvesse ninguém por perto no momento fatídico, poderiam ser observadas as pistas: peças de roupa caídas no chão, sobre cadeiras ou poltronas, enfim, sobre qualquer lugar onde a pessoa tivesse morrido. Deu para perceber que só a pessoa sumiria, sobrando apenas suas vestimentas. Cenas inacabadas também denunciariam a morte, como, por exemplo, uma mangueira aberta vazando água pelo chão, uma bicicleta caída na rua, um guarda-chuva rolando ao vento, um cachorro perdido com coleira e guia arrastando pela calçada...


Por pura questão de lógica, as doenças acabariam. Afinal, qual é a função principal da doença? Matar o corpo, de uma vez ou aos poucos. Mas a questão da morte já estaria resolvida, seria um simples desaparecimento, independente de qualquer doença. Câncer, ataque cardíaco, AVC, tudo isto perderia a razão de existir. O sujeito não precisaria de nada disto para morrer.


No entanto, para que houvesse uma certa ordem, seria necessário que ninguém morresse dirigindo ou pilotando algo que colocasse em risco outras pessoas, como um avião, uma locomotiva, ou até um carro ou uma moto. Quando se tivesse no comando destas ou de outras máquinas que trouxessem prejuízos quando abandonadas instantaneamente, nestas situações seria proibido morrer. Enfim, a morte chegaria apenas em situações inofensivas, para atingir somente aquele que deve morrer. Exemplo de situação inofensiva é eu morrer, ou melhor, desaparecer agora, deixando cair a caneta (é, eu não estou escrevendo no computador, e sim com caneta) sobre o caderno com o texto inacabado... Ou você, que está lendo estas palavras, não chegar ao final da frase...


Para garantir o funcionamento deste esquema de mortes por simples desaparecimento, também seriam proibidas as mortes por acidente, de qualquer tipo. Igualmente não permitidos os meios de abreviar a vida, por assassinatos, suicídios, ou quaisquer outras maneiras possíveis. Os acidentes poderiam até acontecer, os tiros poderiam ser dados, mas os corpos permaneceriam intactos. Não me pergunte como, mas seria assim que aconteceria. A morte viria sem traumas, sem acidentes, sem ninguém provocar, apenas com a desintegração instantânea e indolor do corpo, quando chegasse a hora...


Imagine só um jogo de futebol. O narrador falaria mais ou menos assim: “Fulano arranca pela lateral direita, dá o breque, dribla o zagueiro, cruza para a cabeça da área em busca do centroavante que está sozinho, que... Morreu!!!”. Restaria apenas o uniforme e as chuteiras largadas sobre o gramado.

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