Cá
estou eu, em 28 de julho de 2061, com 96 anos, olhando para o céu noturno,
buscando o ilustre visitante que aparece a cada 75 ou 76 anos: o cometa Halley.
Em
1986, em uma turma de amigos, fugimos da luminosidade da cidade e fomos vê-lo no
Riacho Grande. A cauda estava bem curtinha, mas, mesmo com este grau de
decepção, a imagem ficou gravada na memória.
Sempre
que me recordo deste dia, fatalmente me vem na lembrança um amigo, o Júlio, que
também passou rapidamente pela Terra, pois nos deixou ainda jovem... Naquela
sexta-feira de 1986, ele insistiu bastante para que eu pegasse a chave da
chácara que meus pais tinham em Ibiúna, pois lá, segundo ele, seria o lugar
ideal para apreciarmos o cometa. Encher o tanque do meu Chevette 77 e partirmos
para lá, com o carro cheio de amigos: plano perfeito! Também concordo, teria
sido maravilhoso. Mas eu não quis ir, apesar de todos os apelos. Com certeza
ficou bastante chateado com esta minha atitude. Quer saber de uma coisa Júlio?
Eu também fiquei mal com esta minha reação. Nunca te contei, e nunca poderei te
contar, mas talvez agora você possa me ouvir enquanto mergulho o olhar enrugado
nas estrelas... Foi a gagueira, minha maldita gagueira, que tanto me limitava!
Naquela noite em que você, entusiasmado, argumentava o quanto legal seria a
nossa aventura em Ibiúna, tudo o que eu mais queria era não ir para nenhum
lugar. Queria me reprogramar, fazer alguma coisa para deixar de gaguejar. Tinha
essas ideias bestas mesmo. Não me aceitava, negava a vida. Enquanto não fizesse
aquilo que chamava de “reativação” ou “pacto”, para resolver o que para mim era
o grande problema de minha vida, não queria saber de mais nada. Em algum
momento após nos despedirmos, eu, dependente de minhas loucas regras e
estratégias para não gaguejar, fiz essa tal de reativação ou pacto, o que me
permitiu ir para o Riacho Grande no dia seguinte, mas a chácara de Ibiúna havia
ficado para trás, valiosa oportunidade perdida...
Agora, tanto tempo depois, vejo o mesmo astro que testemunhou esta minha atitude que me causou um arrependimento por toda uma vida... A cauda está pequena, do mesmo jeito que estava em 1986. Bem que, desta vez, podia ter sido bem maior... Mas, pelo menos, acho que o Júlio ouviu o meu recado.
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