sábado, 29 de março de 2025

A ARTE DE ESCREVER SOBRE ABSOLUTAMENTE NADA

Estava voltando de uma caminhada noturna, disposto a, antes de chegar em casa, obter alguma inspiração para uma crônica, quando me veio a ideia de escrever sobre "absolutamente nada".

Será realmente um desafio redigir um texto que não fale sobre nada. Você, que desde já decidiu, motivado pela curiosidade, acompanhar-me até as últimas palavras, a fim de ver como farei para sair desta enrascada na qual voluntariamente me meti, pois bem, se você, ao final da leitura, não souber dizer sobre o que escrevi, então me darei por satisfeito.

Mas prometo que não vou trapacear e procurarei ser claro em minha redação, fugindo assim da tentação de usar palavras difíceis, com frases bonitas e ininteligíveis, pois esta seria a maneira mais fácil de não passar conteúdo algum para o leitor, cumprindo assim a minha meta. Vou deixar esta tarefa para os escritores que julgam ter algo muito importante a dizer, mas que em suas obras não conseguem dizer nada. Eles são especialistas em não passar nada para o leitor de maneira rebuscada, enquanto eu, por outro lado, tentarei apresentar conteúdo algum de forma absolutamente clara. Ah, somente queria deixar registrada aqui uma observação: na verdade, estes escritores de "nadas rebuscados" são sempre muito "entendidos" pelos seus leitores, pois nenhum deles quer dar o braço a torcer e admitir que nada entendeu. Assim sendo, afirmam com convicção que compreenderam cada palavra, todos os conceitos envolvidos, atentos à linha de raciocínio que cada um deles consegue ver, e que cada um vê a seu modo.

Pois bem, vamos lá! Escrever sobre absolutamente nada de modo absolutamente claro, este é o desafio. O nada, ausência de tudo. Não pode haver pensamento algum, ideia nenhuma. Sem imagens, sem sons, sem cheiros, sem gostos, sem tatos. Nenhum dos cinco sentidos, e se houver mais algum ou alguns além destes, como pregam os místicos, todos estes sentidos sobressalentes também não podem ser estimulados, porque o nada, como o próprio nome diz, nada estimula. Então, se há alguma coisa que este texto possa estimular, essa coisa é só e somente uma: vontade de meditar. Para atingir, realmente, o pleno estado de meditação: esvaziar a mente, não pensar em nada, não sentir nada, nada para tudo, tudo dando em nada.

Este parágrafo é bem curtinho mesmo, só isto, para que você aproveite e interrompa a leitura para meditar.

Mas eu não posso sugerir isso para você, pois se assim o fizesse estaria dizendo alguma coisa e, como eu não quero dizer nada, melhor é deixar isso contigo, você só para a leitura para fazer uma breve meditação de um minutinho se quiser. Certo?

Meditou? Teve algum contato com o nada? Assusta-se com estas minhas palavras? Não, não responda, pois neste texto nada deve ficar registrado.

Neste momento, acredito que uma boa parte dos leitores já abandonou a leitura. Então prossigo com você, insistente, que persiste até chegar à última palavra deste texto. E sinto que devo te falar uma coisa: caso, ao final da leitura, restar-lhe uma forte sensação de tempo perdido, de que nada aqui foi dito, de extrema inutilidade... caso tudo isto aconteça, peço-lhe desculpa, antecipadamente. Não tenho intenção de prejudicá-lo. Na verdade, não tenho intenção nenhuma, de ordem alguma, mantendo-me assim apegado ao nada, ponto central e essência de todo este texto, em sua totalidade ou em qualquer de suas partes.

Uma grande vantagem de escrever sobre nada, é que não preciso me preocupar em elaborar um bom final para o texto. Ou seja, a redação simplesmente acaba em qualquer ponto, sem conclusão, sem desfecho, sem nada. Porque estes elementos são necessários quando se lida com algum conteúdo e, se este não existe, não faz sentido se importar com a problemática de encontrar o desfecho ideal... Muito bom! Gostei disso! Fica muito mais fácil. É só colocar um ponto final, e pronto!

No entanto, não colocarei este ponto final agora, pois quero escrever mais um pouquinho, apesar de não ter nada a dizer sobre o nada. É só para a crônica ficar com mais volume, uma quantidade maior de palavras. Porém tenho que tomar cuidado para não entrar em nenhum assunto, pois aí estaria escrevendo sobre alguma coisa e, portanto, fugindo do meu propósito inicial. Assim sendo, infelizmente, não poderei discorrer sobre uma questão que me surgiu na mente neste exato instante. Não, não posso falar sobre a mesma. E você pode até morrer de curiosidade em saber, mas jamais saberá. Porque não posso colocar conteúdo algum aqui, mantendo assim, intocável e absoluto, o nada.

Nada mais a declarar sobre o nada.

E ponto final.

sábado, 15 de março de 2025

O MAIOR PROBLEMA DA HUMANIDADE É O SER HUMANO

O maior problema da humanidade é o ser humano. Esta frase desabou sobre o meu pensamento como uma verdade absoluta. Talvez a mesma já tenha sido utilizada muitas vezes, por inúmeros pensadores e filósofos. Ou por muitos "quaisquer uns" que se meteram a pensar na situação do mundo. Mas isto não impede que eu a coloque como base deste meu texto.

Confesso que fico um tanto desconfortável em centralizar minhas ideias e argumentos em torno deste conceito bem negativo, que não dá margem a qualquer expectativa de melhora, pois se o maior problema da humanidade é o ser humano, como ela melhorará se sempre carregará consigo a causa maior das suas desventuras, que é o próprio ser humano que a compõe?

No entanto prosseguirei assim mesmo, com o desconforto de quem não quer cair no pessimismo, ou, em outras palavras, daquele que não quer trair os seus conceitos evolucionistas, acreditando sempre na evolução do mundo.

E cabe aqui outra confissão. Sinto que está cada vez mais difícil acreditar no tão falado "mundo melhor", esta esperança tão propagada entre os espiritualistas, esotéricos e assemelhados. É muito bom, revigora a alma, acreditar que este nosso planeta passará por uma transformação positiva, em um futuro próximo no qual haverá a preponderância do bem sobre o mal e onde a espécie humana poderá expressar toda a sua humanidade. Porém, infelizmente, esta bela crença não para em pé quando nos deparamos com a realidade atual.

Nos últimos tempos, as redes sociais passaram a servir como ferramentas para propagar toda sorte de coisas ruins: mentiras, preconceitos, negacionismos, retrocessos inimagináveis... A ciência e a civilização perderam terreno para a bestialidade. A democracia nunca foi tão atacada pelo autoritarismo. A extrema direita ganhou grande espaço no espectro político. Enfim, muitas e muitas coisas, que nem sei como condensar tudo neste texto, mas que, infelizmente, todas estas coisas vão justamente em sentido contrário do tal "mundo melhor".

Então fico pensando que não vai dar tempo, pois, se é como dizem alguns, que já estamos entrando em uma nova era, e que o mundo está passando e que continuará a passar por transformações que, em um futuro próximo, nos colocarão em um patamar superior de evolução espiritual, então, vendo a grande distância que nos separa desta bem-aventurança, fica a forte impressão de que não vai dar tempo. Ou de que este mundo melhor nunca venha a acontecer, atestando o fracasso da humanidade.

“Fracasso da humanidade”, esta expressão realmente tem um peso, uma carga negativa muito forte. Porém, como aqui já demonstrei, não quero que este texto caia no pessimismo e não deixe nem um fio de esperança. Então poderíamos dizer assim: “Sinto muito, mas o tal ‘mundo melhor’ não vai chegar neste milênio. Que tal no próximo, a partir do ano 3000? Assim está bom?”. É lógico que não está bom. Mas pelo menos o “nunca” foi tirado e conseguimos vislumbrar tempos melhores lá na frente, mesmo que seja daqui a muito tempo.

Infelizmente, dentro de um futuro próximo, não consigo ver coisas melhores. O planeta está agonizando e produzindo catástrofes, uma reação natural ao aquecimento global e outras agressões causadas pela humanidade, que não sabe habitar decentemente este mundo chamado Terra. O poder e o dinheiro é o que move o ser humano, que segue uma trajetória de exploração insana dos recursos naturais. O materialismo e o imediatismo dominam o cenário, não sobrando espaço para preocupações com o futuro das próximas gerações.

O que será preciso acontecer para chacoalhar a humanidade o bastante para que haja mudanças realmente efetivas? Para que o ser humano se comporte, enfim, como ser humano? Para que os valores que nos orientam sejam realmente valores positivos, calcados em virtudes e em coisas boas? O que será preciso? Já passamos por muitas guerras, duas delas mundiais. Será que será preciso a terceira? Será que sobreviveremos a ela? E pandemias então? Quantas mais serão necessárias? Até que ponto o planeta reagirá às agressões do homem, como um cavalo xucro que não aceita a montaria, dando coices, sendo que cada coice é uma catástrofe? Qual será o fim disso?

Sim, sim, tenho que admitir que também há muita coisa boa no mundo... E que talvez este texto esteja sendo injusto ao mostrar só o lado negativo. Mas penso que há momentos em que vozes precisam se levantar, escancarando a perigosa realidade que nos cerca...

Enfim, eu acredito no ser humano. Acredito que o bem sempre vence o mal. Acredito que o futuro nos reserva um “mundo melhor”. Mas caramba, como isso parece tão distante!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

PRECIPITAÇÃO

Estou no trem, voltando do serviço. Mas isto não é a minha rotina, pois meu trabalho é 100% remoto. Então, de vez em quando, vou para a empresa, porque ficar sempre trabalhando de casa, sem nenhum contato presencial, parece que fica meio estranho. Assim sendo, mais ou menos uma vez a cada dois meses, lá vou eu, de São Caetano do Sul até Alphaville, na cidade de Barueri. Uma longa jornada.

O vagão está relativamente vazio, com muito poucas pessoas em pé. Eu sigo sentado, ao lado da janela, vendo as coisas se afastarem de mim, enquanto vou, cada vez mais, me aproximando de casa. Decido então, com o celular na mão, pesquisar os concursos literários que estão em andamento. É um hobby muito gostoso esse meu, de escrever e participar destes certames. Uma vez ou outra acaba dando certo, e sou contemplado com mais um prêmio para "engordar" o meu currículo literário. E assim vou, olhando os regulamentos e avaliando, para poder selecionar aqueles concursos nos quais pretendo participar.

Encontro dois bem interessantes. Em um deles vejo que posso mandar meu livro “Contos Sem Escritor”. Vamos ver se desta vez este meu trabalho obtém reconhecimento. Sabe aquelas obras que você bota fé, insiste em mandá-las para concursos, mas nada acontece? Essa é uma delas... Outra obra em que acredito bastante é o conto “Carreta, Encaixotado, Acidente”, também sem premiação alguma. Mas agora estes textos têm uma nova chance, cada qual com o seu concurso.

Após esta tarefa de direcionar os próximos passos do meu hobby, parto para outra vertente do mesmo, pois lembro que preciso colocar o meu blog em dia, cumprindo a meta de postar um texto por mês. Então fico buscando alguma ideia e inspiração. Mas é duro. Nada aparece. Olho pela janela do trem, vejo as luzes e a movimentação lá fora, enquanto a composição segue o seu curso e nada, nada aparece. Dentro do vagão, também nada desperta a minha criatividade. E em meio a esta busca por alguma ideia, desço na estação Barra Funda, para fazer baldeação. Desloco-me pela estação como mais uma formiguinha no meio de um formigueiro, situação esta que é perfeitamente normal.

-.-.-

Até agora, leitor, só coloquei contextualizações: o trem, a volta do serviço, a procura dos concursos literários, a busca de alguma ideia... Nada disso tem importância. O que importa é a próxima cena que lhe narrarei. Se esta próxima cena não tivesse ocorrido, nada teria a escrever. Eu estava caçando alguma ideia do que escrever, e eis que aconteceu algo, algo para escrever, o que motivou este texto. Mas voltemos para aquelas cenas.

-.-.-

Desço a escada e, na plataforma, oriento-me pela sinalização para saber em qual dos dois lados devo pegar o próximo trem. Sentido Rio Grande da Serra, é deste lado que tenho que ficar. O trem chega, abre as portas, e quando eu estou a um passo de entrar na composição, uma moça surge ao meu lado e pergunta:

– Moço, esse trem vai pra estação da Luz?

No instante imediatamente posterior a esta indagação, não consigo me situar geograficamente e nada respondo. Mas há urgência e certa afobação por parte dela, que logo em seguida repete a pergunta de outra maneira:

– Ou é do outro lado?   

Esta interrogação soa em meus ouvidos como uma afirmação: sim, é do outro lado. E, ato contínuo, digo um “sim” e concordo rapidamente com a cabeça.

Tudo acontece muito rápido. Quando ainda estou entrando no vagão, uns dois passos para dentro, mais ou menos equidistante das laterais do mesmo, é exatamente neste instante que percebo o erro. “Não, é este trem que vai para a estação da Luz!”, é a frase exclamativa que surge em minha mente, tão logo resgato a orientação geográfica. Mas esta constatação acontece justamente quando as portas do trem estão se fechando. Agora não há mais nada a fazer.

Em pé, com as costas na lateral da composição, fecho os olhos e levanto a cabeça. Só me resta ver passar, em minha mente, as consequências do meu ato:

“Caramba! Que besteira eu fiz! A coitada agora vai pegar o trem errado, contratempo, atraso, problema, tudo por minha causa! Mais uma vez a minha precipitação leva ao erro! O que custa esperar mais um segundo e procurar, na cabeça, alguma orientação para responder com certeza, fundamento, sem correria e sem querer se livrar logo da situação? O que custa?”.

Muitos outros pensamentos e sentimentos surgem como consequência deste incidente. Não vale a pena colocá-los todos aqui. Apenas quero colocar um deles, para fechar este meu relato:

“Queria uma ideia para um texto e agora já tenho algo para escrever! Mas não precisava ser desse jeito! Coitada da moça!”.

domingo, 19 de janeiro de 2025

ESCREVER À MÃO

 


 

Estou escrevendo, neste exato momento, em um caderno que usava em uma (ou mais?) das minhas tentativas de escrever um livro. Isso aconteceu há muito tempo... A ideia era usar este caderno durante os longos tempos passados no ônibus fretado, nos trajetos sempre longos para chegar ao serviço.

No fim, o meu primeiro livro acabou sendo escrito no Palm. E aqui cabe uma breve explicação, pois muitas pessoas, hoje em dia, nem sabem o que é um Palm. Ou melhor, o que era um Palm, pois o mesmo saiu do mercado há um bom tempo, atropelado pela tecnologia dos celulares. A proposta do Palm era ser um computador de bolso e, dentro deste propósito, era bem mais que suficiente para mim, que o utilizava somente para escrever, empunhando uma canetinha que acionava um tecladinho que aparecia na parte inferior da tela, ou através de outra maneira, na qual “escrevia” cada letra em uma área da tela, também na parte inferior. O interessante é que a gente tinha que decorar um alfabeto específico, movimentando a canetinha sobre a tela para desenhar cada letra com os movimentos corretos. Não era muito difícil, pois a escrita era semelhante à escrita no papel, tal qual faço agora...

E, com o tempo, escrever à mão foi ficando atividade cada vez mais rara. Mesmo no dia-a-dia, com o celular sempre à mão, é muito mais fácil escrever nele, abandonando o papel.

Lembro agora do meu primeiro conto premiado em concurso literário, em 1987... Foi escrito à mão, tenho em mente até a lembrança da imagem do papel com as linhas escritas, com partes riscadas, corrigidas e assinaladas... E depois o texto foi datilografado, naquilo que hoje é uma peça de museu, a máquina de escrever. Recordo até que o trabalho saiu com as letras um pouco apagadas, pois já havia passado a hora de trocar a fita da máquina, que estava com pouca tinta. O passo seguinte foi tirar as cópias, ou tirar xerox, como falávamos. E depois preparar tudo para enviar ao concurso pelo correio...

Mas escrever à mão tem certa magia... Parece que desperta outros sentimentos e sensações. Acredito que, em determinadas situações, pode dar mais inspiração ao trabalho criativo. Foi por isso que desta vez decidi escrever aqui no blog a partir de um manuscrito. Na verdade, se não fosse esta iniciativa, este texto não teria saído, pois estava sem inspiração. Mas ela logo veio quando tive a ideia de escrever à mão... Empunhei a caneta e lá fui eu! E acabou dando nisto aqui!

É isso aí, até o próximo texto! Se vai ser também manuscrito, ou não, isto eu não sei dizer. Mas posso garantir que não será feito pela IA (Inteligência Artificial). Ora essa! Quero ver se essa tal IA escreve textos com estilo, qualidade e criatividade apurados... Prefiro voltar a escrever à mão do que deixar a redação à cargo da IA...