sexta-feira, 4 de abril de 2014

SÃO SILVESTRE 2022

Está chovendo. Incontáveis corpos molhados cobrem a avenida nos primeiros minutos de corrida.
Ele está no meio do pelotão geral, com o número 3636 na camiseta. De repente começa a correr mais que todos ao seu lado. Caça espaços vazios no mar de gente, que o olha com pensamento único: “Esse aí quer chegar lá na frente para ter o seu momento de glória... Vai se matar para conseguir ficar alguns instantes entre as estrelas, torcer para que a TV capte sua imagem, para depois largar a prova, exausto”.
Depois de poucos minutos já alcança o primeiro pelotão. Corre. Terceiro lugar! Corre. Segundo!! Corre. Primeiro!!!
Narradores e comentaristas esportivos explicam para os telespectadores que se trata, simplesmente, de um oportunista que quer aparecer. Mas depois, ao verem que, por quinze minutos, o sujeito consegue não só manter a dianteira, como ainda vai aumentando a distância para o segundo colocado, aí então os especialistas já não sabem mais o que dizer.
O fim da prova se aproxima. O do misterioso corredor também...
Todos sabem o que lhe aconteceu. Afinal, a imagem do seu corpo caindo, logo após cruzar a linha de chegada em primeiro lugar, foi exaustivamente repetida nos últimos dias... Não espere você, leitor, que eu vá aqui revelar alguma informação deste incompreensível acontecimento, do qual ninguém sabe absolutamente nada.
Eu também nada sei... Muitas coisas foram ditas. Disseram até que ele era um extraterrestre, e que seu corpo está sendo esquadrinhado pelos cientistas... Onde há escassez de dados, campeia a fantasia...
Todo mundo, de uma maneira ou de outra, impressionou-se com esta fantástica e inexplicável ocorrência. E cada um reage a seu modo. Eu quis fazer este texto, esta é a minha reação. E não quero saber de respostas. De onde ele veio, o que ele queria, como ele conseguiu... Nada disto importa. Mesmo porque ninguém foi capaz de responder a nenhuma destas ou outras perguntas.
Ele só queria correr. Só isso.

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