domingo, 16 de abril de 2023

CONTRAPONTO A UMA CORRENTE DE WHATSAPP

Um dia desses recebi uma corrente de WhatsApp que mexeu comigo e que está me motivando a escrever estas linhas. Ninguém é dono da verdade, mas a verdade não deve ser deturpada ou completamente negada para atender a determinados interesses, nestes casos, sempre sombrios interesses.

Explico melhor, para que o leitor possa entender o que estou querendo dizer. Primeiramente devo mencionar que a mensagem recebida tinha cerca de 80% do texto com conceitos aderentes ao meu pensamento, e creio que também condizentes ao senso comum, sem ferir a verdade, pois falava sobre todas as coisas que as crianças devem aprender em casa. Boas maneiras, honestidade, solidariedade, respeito, cooperação, etc. Ninguém, em sã consciência, pode ser contrário a estes princípios. Até aí, tudo bem. Na sequência, o texto prossegue, listando o que os professores devem ensinar na escola, enumerando todas as matérias que conhecemos: Matemática, Português, História, Geografia, Ciências, etc. E, para completar a primeira parte, mencionava que os professores “apenas reforçam o que o aluno aprendeu EM CASA!!!”. Estava escrito exatamente assim como aqui coloquei, com todas as letras maiúsculas e exclamações. Outra vez, até aí, tudo bem. Isto porque não há como negar que todo o aprendizado dos princípios acima descritos deve acontecer, prioritariamente, em casa, e que a tarefa da escola é, apenas, reforçar tais princípios civilizatórios.

Mas os 20% finais do texto me deixou de queixo caído. Não acreditava no que estava lendo. Transcrevo, abaixo, a parte mais impactante:

“NA ESCOLA NÃO se aprende sobre:

1 – Sexo

2 – Ideologia de Gênero

3 – Ativismo LGBT

4 – Comunismo

5 – Esquerdismo

6 – Islamismo”.

Respiro fundo. Organizo os pensamentos e as emoções. Vamos lá, combater a deturpação das ideias e o ataque rasteiro e preconceituoso a coisas que nem sequer se conhece...

Não ensinar nada sobre o sexo? E como fica a gravidez precoce? Falar sobre sexualidade nas escolas, na idade certa, representa uma orientação segura e responsável para se evitar ou minimizar consequências desagradáveis, afinal, infelizmente, nem todas as famílias têm condições de bem conduzir seus filhos neste delicado assunto. Outra pergunta: a sexualidade não pertence à nossa biologia? Dentro do ensino das Ciências deve haver assunto proibido?

Ideologia de gênero é uma fantasia criada na cabeça dos reacionários mais radicais. Oh meu Deus! Alguém ainda acredita em “mamadeira de piroca” nas creches?

Sobre o “ativismo LGBT”, creio ser preciso esclarecer que não se trata, em absoluto, de corromper ou influenciar a sexualidade de quem quer que seja. Entendo ser, simplesmente, um mecanismo para combater os preconceitos que recaem fortemente sobre os indivíduos que não se encaixam no padrão “homem/mulher/cisgênero”. Mostrar este preconceito, fazer com que os jovens aceitem e respeitem as diferenças, quaisquer que sejam, não seria também uma educação com elevados propósitos de cidadania? Que mal há nisso?

“Comunismo” e “esquerdismo” são palavras que foram demonizadas pela ignorância. Mas, enfim, o que é o comunismo? A definição mais simples que encontrei foi esta: “Uma ideologia política, social e econômica contrária ao capitalismo, na qual se estabelece uma sociedade igualitária”. Mais uma pergunta: “Se é aceitável ensinar, nas escolas, sociologia, filosofia e história, por que não abordar todas as ideologias existentes, tratando do comunismo, capitalismo, liberalismo, neoliberalismo, imperialismo, etc?”. É libertador para o aluno conhecer todas as vertentes de pensamento, para que possa, por fim, formar o seu próprio pensamento.

A presença do termo “islamismo” como algo negativo e que não deve ser ensinado nas escolas representa o mais alto grau de preconceito com uma religião como outra qualquer. Aliás, é a segunda maior população religiosa do mundo, depois dos cristãos. Penso que é extremamente válido que a escola mostre aos alunos os traços principais das diversas religiões: cristianismo católico, cristianismo protestante, espiritismo, umbanda, candomblé, judaísmo, islamismo, hinduísmo, budismo, confucionismo, xintoísmo, taoismo, vodu, etc. Conhecimento não é pecado, é mostrar ao aluno o enorme leque composto por vários caminhos, e cada um segue o que quiser depois, ou nenhum deles, pois o ateísmo também é um caminho válido e que deve ser respeitado, como qualquer outro.

Não é porque existem maus religiosos, que misturam as coisas e promovem o terrorismo fundamentado no “radicalismo islâmico”, que temos o direito de incriminar o islamismo. Não é a religião que é ruim, são alguns dos seus fiéis que o são. Afinal, o catolicismo também carrega uma carga muito negativa em sua história, com a santa inquisição e as cruzadas. De onde se conclui que é preciso separar a religião do religioso. Eu mesmo, que sou espírita, já me decepcionei bastante com os espíritas, mas não com o espiritismo.

Finalizando, faço um apelo para você que me lê, e que chegou até esta conclusão do meu raciocínio, para que não se deixe levar por preconceitos e correntes de WhatsApp. Família é algo muito importante, e os primeiros 80% do texto que recebi retratam esta importância sem incorrer em distorções ou mentiras. No entanto, os 20% restantes empurram os incautos para o terreno do preconceito e do ataque a conceitos demonizados e nunca explicados com a clareza que merecem. Fique atento. Não se deixe levar por coisas que lhe fazem odiar certas coisas. Isto nunca é um bom caminho. Você estará cada vez mais distante de um pensamento livre e justo.

Recado dado. Afinal, não poderia deixar passar este texto em corrente de WhatsApp sem dar o meu contraponto. 

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